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Privatizações: governo disfarça – e não eleva ganho de investidor

Plano apresentado pela EPL em Nova York mostra que retorno continua igual - e que a maior atratividade dos projetos é atribuída apenas ao aumento do prazo das concessões

Por Naiara Infante Bertão
27 fev 2013, 07h49

O Palácio do Planalto tem alardeado que as condições de investimento em projetos de infraestrutura no Brasil estão melhorando e possibilitarão mais ganhos aos investidores. Para divulgar essa ideia, uma comitiva de ministros e funcionários do alto escalão do governo foi a Londres, na Grã-Bretanha, e agora a Nova York, nos Estados Unidos, com o intuito de convencer grandes grupos estrangeiros da rentabilidade que se esconde em obras como estradas, ferrovias, portos e aeroportos no Brasil. O problema é que a taxa de retorno de tais investimentos – o cerne da questão da falta de investidores de infraestrutura no país – foi e continua sendo muito baixa.

Recentemente, o governo anunciou taxas mais vantajosas, como os 17% de retorno ao ano para o dinheiro investido nas rodovias. A mudança é brutal se comparada aos 5,5% de retorno ao ano anunciados em 2012, quando houve o lançamento do pacote de privatização das rodovidas.Teria ocorrido, então, uma mudança de cálculo dentro do governo para garantir tamanho aumento nos ganhos do setor privado, ou será essa mais uma medida “criativa” da gestão de Dilma? Como a criatividade tem sido marca registrada do governo petista – desde os idos de Lula -, a mágica também está presente nessa repentina melhora dos ganhos.

Em vez de mexer na matemática na hora de calcular a melhor taxa para o setor privado, o governo decidiu mudar a comunicação dos projetos. Inicialmente, a apresentação enviada pelo Palácio do Planalto a investidores mostrava a Taxa Interna de Retorno (TIR), que pode ser considerada a remuneração líquida do investimento. Agora, o truque é mostrar a TIR alavancada, que traz embutidos o prazo da concessão e as condições de financiamento – ou seja, o custo do capital que será usado no projeto. A TIR alavancada sempre é maior do que a não-alavancada. Isso ocorre porque, ao financiar um projeto, o empreendedor não usa apenas seu capital próprio e passa a utilizar dinheiro de terceiros, por meio de financiamentos, beneficiando-se de juros muito inferiores à rentabilidade do projeto, como é o caso das linhas do BNDES para os pacotes de infraestrutura. Ao reduzir sua exposição de capital, ele também pode fazer a dedução fiscal dos juros pagos ao financiamento. Com isso, reduz a carga fiscal do projeto, aumentando o retorno sobre o capital investido.

O problema é que não há garantias de que a TIR alavancada realmente chegue aos patamares calculados antes do início dos projetos, pois fatores macroeconômicos e regulatórios podem minar tais ganhos atrelados ao financiamento. Inflação mais alta do que o esperado ou problemas em obter o crédito de longo prazo junto ao BNDES são alguns exemplos de desafios que colocam em xeque a TIR alavancada de um projeto. “Quem garante que o BNDES aprovará toda a porcentagem de crédito?”, questiona o economista Raul Velloso, especializado em contas públicas.

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No caso do pacote de rodovias, por exemplo, a TIR não-alavancada está entre 5% e 8% ao ano, enquanto o retorno com alavancagem pode chegar a até 17% ao ano, conforme propagandeia o governo. “A TIR alavancada de rodovias nunca foi calculada pelo governo em seus estudos de viabilidade, mas era calculada pelos licitantes interessados nos projetos. E, mesmo antes, ela estava nessa faixa de 12% a 15% ao ano”, afirma Massami Uyeda Junior, sócio do escritório de advocacia Arap, Nishi & Uyeda.

Como se a economia do Brasil fosse imune a qualquer problema, os maestros da política econômica calculam o retorno do investimento sem qualquer risco. O cenário idealizado pelo governo é sempre perfeito, sem a possibilidade de um ‘pibinho’, inflação alta ou de uma eventual subida dos juros. A ideia de paraíso proposta pelo Palácio do Planalto também descarta a burocracia para a aprovação de projetos, que precisam vencer as barreiras de Brasília em busca de carimbos de todos os tipos. Tudo acontecerá no prazo, garante Brasília aos investidores.

Não é difícil encontrar a explicação para a mudança na comunicação do governo e a repentina preferência pela taxa de retorno alavancada. Com o desinteresse dos empresários brasileiros em participar dos primeiros leilões do setor de transporte, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente da Empresa de Planejamento Logístico (EPL), Bernardo Figueiredo, anunciaram mudanças nas regras das licitações. O prazo de vigência dos contratos de concessões rodoviárias subiu de 25 para 30 anos, enquanto o de ferrovias passou de 30 para 35 anos. O prazo de financiamento das rodovias também saltou de 20 para 25 anos, sendo que o pagamento só terá de ser feito a partir do sexto ano de contratação do empréstimo – a carência é de 5 anos. Segundo o governo, o porcentual de linhas de crédito do banco de desenvolvimento para compor os investimentos em concessões de ferrovias e rodovias é de 65% a 80%.

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Todas essas mudanças mexem no prazo e nas condições de financiamento, dois dos fatores que impactam diretamente na taxa de retorno alavancada. Ao ver que os números dessa taxa sempre ficam maiores, o governo não teve dúvidas em trocar o retorno que deveria ser divulgado aos investidores. “Essa mudança da TIR é hipotética e improvável”, afirma Raul Velloso. “Com a TIR alavancada, no melhor cenário possível, as concessionárias vão olhar para trás e perceber que obtiveram uma taxa de retorno melhor do que a anteriormente proposta porque terão pago menos juros, com prazos maiores de financiamento e maior tempo de retorno, já que a vigência dos contratos aumentou. Mas esse cenário é pouquíssimo provável. É irreal”, argumenta Velloso.

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Ferrovias – Um termômetro da falta de interesse dos investidores com as condições atuais das privatizações está no setor ferroviário. A reclamação principal é o retorno incompatível com a necessidade de investimento no remodelamento da infraestrutura. O pedido é que o governo revise novamente as regras este ano e não copie as condições de outro setor. “O setor ferroviário precisa ter tratamento diferente porque o retorno de investimentos virá muito tempo depois dos outros”, diz Rodrigo Vilaça, presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). Ninguém critica a iniciativa de expansão da malha e a mudança no modelo de utilização das ferrovias, mas falta esclarecimentos básicos para quem ficará ligado a um contrato por muito tempo. É justamente essa falta de clareza que incomoda os investidores – e que mostra que o governo vem, com alarde, anunciado mudanças naquilo que continua igual.

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