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Falta consistência na política industrial do governo

Especialistas criticam opções do Planalto para incentivar a indústria no país e alertam para o risco de um retorno a políticas malsucedidas do passado

Por Carolina Guerra
6 out 2011, 21h26

Quando a presidente Dilma Rousseff anunciou o plano Brasil Maior em agosto, acenando com uma redução de 25 bilhões de reais em impostos à indústria, economistas avaliaram como benéficas algumas das medidas nele contempladas. Afinal de contas, o Planalto havia finalmente prestado atenção a uma antiga reivindicação do setor privado: diminuir a pesadíssima carga tributária que onera a produção. O plano incluía ainda incentivos para aumentar a competitividade nacional e uma proposta de defesa comercial por meio de uma fiscalização mais rigorosa, a ser executada pelo Inmetro, da qualidade dos produtos que entrariam no país. Mais que as ações, os sinais eram positivos, pois mostravam uma legítima preocupação do Executivo com a necessidade de ampliar a oferta de bens e serviços no país.

Não foi o que aconteceu. À medida que tem sido colocada em prática, a política industrial do governo Dilma – apoiada pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel – tem se revelado um amontoado de medidas desconexas. A depender do setor envolvido, há clara movimentação protecionista. Para outros, a palavra de ordem é atrair as empresas estrangeiras. Contudo, alertam os especialistas, o que predomina é a tendência de, em vez de criar condições para uma competição justa, proteger a todo o custo a indústria nacional, numa reedição das políticas dos anos 70. (Veja quadro com os problemas da política industrial)

O exemplo mais escandaloso de fechamento de mercado foram as mudanças de regra, sem aviso prévio, no setor automotivo. A súbita elevação da carga tributária praticamente inviabilizou a atuação dos concorrentes asiáticos no país. Outro expediente para “reservar mercado” aos produtos nacionais é o oferecimento de garantia de compras governamentais, além de condições especiais para participar de licitações públicas, como o que se verificou no setor de Defesa.

IPI dos automóveis – A ampliação em 30 pontos porcentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) das importadoras de veículos – equivalente a um acréscimo de 50 pontos porcentuais sobre o imposto de importação – passou a dificultar enormemente sua operação no mercado doméstico. Atrapalhou ainda os planos de algumas destas empresas de começar a produzir no país. As únicas beneficiadas pela política, até o momento, foram as montadoras já instaladas no Brasil, que, a despeito do interesse dos consumidores, contarão com um mercado menos competitivo para atuar.

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Para se ter ideia do quão bizarra é a situação, o governo não conseguiu nem fazer valer aquela que foi sua motivação inicial: forçar as empresas a investir muitos milhões de reais em desenvolvimento de tecnologia no país. O próprio ministro Fernando Pimentel revelou que o Planalto tentou, sem sucesso, obrigar as montadoras “ditas nacionais” a aplicar ao menos 1% de seu faturamento em inovação. Elas bateram o pé e o governo conseguiu extrair, no máximo, 0,5%. Tal recusa, aliás, é sintomática do risco que o país corre de não conseguir tornar essa indústria mais competitiva. Afinal, nenhuma empresa se sente motivada a investir em meio a tantas facilidades e poucas contrapartidas. “São medidas que ferem o princípio de isonomia tributária”, apontou Fábio da Silva, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

Outras medidas anunciadas no “Brasil Maior” incluem vantagens para as indústrias têxtil e calçadista – o governo deve regulamentar em breve esses pontos. A ideia é que, em licitações públicas para compra de uniformes e calçados, os produtos nacionais poderão ser até 8% mais caros que os estrangeiros, e ainda assim poderão ser escolhidos. No setor de Defesa, a presidente Dilma já assinou Medida Provisória que garante compras governamentais às empresas brasileiras no setor, além de desoneração fiscal. Nesta empreitada, Embraer e Odebrecht devem levar vantagem. Os próximos setores a receberem benefícios serão os de saúde e softwares.

Dois pesos e duas medidas – Enquanto nestes setores a palavra de ordem é reduzir ou eliminar a concorrência internacional no mercado interno, em outros o objetivo é atrair as empresas estrangerias. Essa inconsistência é bastante criticada pelos especialistas, pois seria reveladora do fato de que nem o governo tem clareza de suas próprias medidas.

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Incentivos à produção de tablets, por exemplo, tornaram-se a principal política da pasta da Ciência e Tecnologia, comandada pelo ministro Aloizio Mercadante. O objetivo, de acordo com o ministério, é colocar o Brasil em patamar tecnológico compatível com a evolução da indústria no resto do mundo. Graças aos incentivos fiscais e à pujança do mercado interno, 26 empresas já entraram com pedidos para a fabricação do produto no país. “Estes planos vão favorecer nossa empresa de forma direta. Haverá ganho em toda a cadeia”, comemorou Eliandro Ávila, presidente da filial da chinesa ZTE, gigante asiática das telecomunicações, que investirá 200 milhões de dólares para abrir uma fábrica na cidade de Hortolândia.

“O governo Lula preocupou-se muito em criar uma parceria com a China. Mesmo a presidente Dilma foi ao país e fez um apelo para que fábricas se instalassem no Brasil”, disse Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio Brasil China. “É preciso mudar a mentalidade. Se o Brasil está querendo erradicar a pobreza, não pode se dar ao luxo, à beira de uma recessão mundial, de negar empregos e geração de riquezas que as empresas internacionais trazem”, emendou.

Eis o dilema do governo: abrir o mercado ou não aos chineses. Na dúvida, a abertura é feita conforme o que, no entendimento do Planalto, convém. Para carros, a resposta é não. Para a tecnologia da informação, é sim. “A questão não pode ser vista fora do contexto da valorização do real e da situação hoje existente, de completa anarquia e ausência de regras a respeito de câmbio, o que deixa países como o nosso muito vulneráveis aos asiáticos, capazes de controlar o valor de suas moedas e de não permitir que se apreciem”, disse Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda. O problema é que esta falta de definição acaba deixando de lado o consumidor, que deve ter direito a produtos de qualidade a preços não abusivos.

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Complexidade – Além de almejar ora um mercado mais fechado, ora mais aberto, a política industrial do governo Dilma mostra-se inconsistente por diversos outros motivos (veja quadro). Em resumo, fica evidente que o governo está voltando sua munição para pontos que não necessariamente vão se traduzir em melhoria da competitividade. Não são atacadas as grandes deficiências da economia brasileira que infernizam a vida de empresários e cidadãos, além de onerar os custos: a carga tributária pesada, a burocracia crônica, a falta de infraestrutura, a escassez de financiamento de longo prazo, etc. Melhorar estes pontos promoveria ganhos de eficiência a todos os setores, potencializando os efeitos benéficos sobre o PIB. Contudo, resolver estes problemas requer um esforço político muito maior e seus efeitos não surgem de uma hora para outra. Aparecer sorridente com uma bela tela do “Plano Brasil Maior” ao fundo é mais fácil e, possivelmente, traz mais votos.

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