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ESTUDO #19

Caminhos para o desenvolvimento – Propostas da indústria para os candidatos à presidência em 2022

por Da Redação Atualizado em 4 jul 2022, 13h34 - Publicado em
29 jun 2022
18h45

Apresentação

Em sua 19ª. edição, VEJA INSIGHTS se dedica a publicar um estudo de fôlego. Trata-se de um compêndio que resume as análises e propostas que os representantes do setor industrial encabeçados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) consideram essenciais para o futuro do país, a serem entregues a todos os candidatos à presidencia da República no pleito de outubro deste ano.

A origem desta publicação é uma coleção de 21 estudos e propostas sobre temas relevantes para a competitividade da indústria brasileira, como política industrial, de inovação e de comércio exterior; infraestrutura; tributação; relações do trabalho; educação; meio ambiente; segurança jurídica; macroeconomia; e eficiência do estado. Juntos, eles indicam o caminho para mudar os rumos do país. São mais de 1 200 páginas de análises, dados e avaliações que resumimos nas 155 páginas que se iniciam a seguir.

Boa leitura!

As “lições de casa” que o Brasil precisa para voltar a crescer

Por Robson Braga de Andrade*

Robson Braga de Andrade
(CNI/.)

Como faz desde 1994, sempre que ocorrem eleições gerais, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou um conjunto de propostas com sugestões de medidas e projetos que a Indústria considera essenciais que sejam implementados no próximo mandato presidencial. O documento, que contém 21 estudos temáticos e abrange diversas áreas, foi entregue para os pré-candidatos à Presidência da República na eleição deste ano.

Os estudos e as propostas tratam de temas relevantes para a competitividade da indústria brasileira, como política industrial, de inovação e de comércio exterior; infraestrutura; tributação; relações do trabalho; educação; meio ambiente; segurança jurídica; macroeconomia; e eficiência do estado. Juntos, eles indicam o caminho para mudar os rumos do país.

Nossas proposições partem da premissa de que é fundamental que a economia nacional volte a crescer de forma vigorosa e sustentada, para criar oportunidades de trabalho para os mais de 11 milhões de desempregados, além de elevar a renda e a qualidade de vida da população.

Um dos estudos mostra que aumentar os investimentos em ciência e a tecnologia são cruciais para aumentar a produtividade da Indústria e para que o Brasil aproveite as janelas de oportunidades abertas pela chamada Indústria 4.0, caracterizada pela crescente automação e pelo avanço da digitalização. E, também, para aproveitar as oportunidades que estão se abrindo com a economia de baixo carbono, em função das extremas mudanças climáticas que assombram o planeta. Atualmente, o Brasil investe menos de 1% do PIB em inovação, muito abaixo da média dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 2,68%.

Propomos também a implementação de programas que apoiem a diversificação e o fortalecimento do setor industrial do país, mediante à formulação e execução de uma política industrial moderna, a exemplo do que tem sido feito pelas principais economias globais, como União Europeia, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e China. Defendemos que tal política tenha como objetivos a inovação, o aumento da produtividade, a inserção internacional das empresas e a descarbonização da produção.

“O documento, que contém 21 estudos temáticos e abrange diversas áreas, foi entregue para os pré-candidatos à Presidência da República na eleição deste ano.”

Outra medida prioritária é melhorar a qualidade da educação básica e a ampliação da oferta de cursos de formação profissional, para que o Brasil não fique para trás na atual revolução tecnológica. Nessa área, é fundamental ainda que as redes de ensino do país estejam conectadas com a era do conhecimento para que os jovens tenham oportunidades de aprendizagem ao longo de toda a vida e se preparem para atender às demandas do mercado de trabalho em constante transformação. É imprescindível, ainda, adequar a legislação trabalhista às novas formas de produção e de trabalho.

O Brasil precisa, também, superar obstáculos que, há muitos anos, elevam os custos das empresas e inibem novos projetos e investimentos. Uma das prioridades nesse campo deve ser a aprovação da reforma da tributação sobre o consumo, que já foi amplamente discutida com a sociedade e está pronta para votação no Congresso Nacional. Ela corrige distorções, simplifica o sistema de arrecadação de impostos, e é fundamental para estimular os investimentos e a criação de empregos.

A modernização e a correção das deficiências da infraestrutura é outra medida muito importante. Nos últimos anos, processos bem-sucedidos de concessões e privatizações ampliaram os investimentos e trouxeram melhorias significativas na área. Para avançar, precisamos, entre outras ações, de medidas regulatórias que assegurem a efetiva competição no mercado de gás natural, de combustíveis e de energia elétrica.

Para destravar o crescimento do país, é necessário, ainda, a estabilidade macroeconômica, com o controle da inflação, juros mais baixos e contas públicas equilibradas. A melhoria do ambiente de negócios depende também da melhora da segurança jurídica, da criação de condições favoráveis de acesso ao crédito, do estímulo ao desenvolvimento regional e do aprimoramento da eficiência do Estado.

As prioridades e os desafios do Brasil são muitos e ficaram ainda mais complexos com os problemas causados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. Por isso, é importante é que o Presidente da República, os governadores e os parlamentares eleitos ou reeleitos em outubro trabalhem em favor das mudanças necessárias para remover os entraves que prejudicam as empresa, comprometem a competitividade e dificultam a retomada do crescimento e o desenvolvimento econômico e social do país.

*Robson Braga de Andrade, empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

“É preciso dar competitividade às empresas brasileiras”

Entrevista com o Superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI, Renato da Fonseca

Renato da Fonseca, Superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI
Renato da Fonseca, Superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI – (CNI/.)

Na ausência da conotação política partidária, duas perguntas podem ser postas na lupa: por que é tão difícil ser empresário no Brasil? E quais são as principais causas da desigualdade social? O elo entre esses questionamentos é, sobretudo, o desenvolvimento econômico do país. A reforma tributária que promove o investimento de longo prazo e a política social responsável, integrando trabalho e renda, há muito tempo são estudadas e detalhadas. A solução está na velha arte de negociação e deliberações entre vários interesses, que eventualmente foi chamada de política.

Com o direcionamento certo, não faz sentido o Brasil ocupar o top 10 das maiores economias do mundo, quando há possibilidade de ocupar o top 5. Também não faz sentido ter um Produto Interno Bruto (PIB) elevado, se há um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo. Na linha de diretrizes, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) está entregando aos pré-candidatos à Presidência da República, 21 documentos com temas elencados como prioritárias ao desenvolvimento econômico e social do Brasil. Os eixos das propostas incluem temas como energia, empregabilidade, tributação, e, não menos importante, política industrial.

Em 2021, a indústria representou 22,2% do PIB brasileiro, além de 71,8% das exportações de bens e serviços. Atualmente, no país, o setor passa pela transição para o que foi cunhado de Indústria 4.0. O espelho desse novo ambiente industrial é uma cadeia produtiva automatizada e toda integrada, com a necessidade de um perfil profissional cada vez mais analítico. Ganhos de eficiência e qualidade na produção, bem redução de recursos e tempo, não são apenas promessas, mas de fato já são possíveis de observar em contexto internacional.

À VEJA, o Superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI, Renato da Fonseca, destrincha os principais pontos das 21 propostas aos presidenciáveis. Coordenador geral na elaboração das diretrizes, Fonseca sustenta que o sistema tributário brasileiro desestimula o investimento e a desigualdade regional no Brasil. Além disso, dentre outros pontos, o economista define os direcionamentos da política industrial necessária ao país e defende o modelo de educação profissionalizante. Confira os principais trechos da entrevista.

A produção industrial é tão ampla que pode englobar cadeiras em diversos setores, como a agropecuária, certo? Nesse sentido, o que você destaca como mais prioritário para investimento industrial no Brasil? A produção industrial, em geral, tem uma cadeia de valor maior. Ela agrega vários setores produtivos, inclusive a agropecuária, e isso gera um grande poder de alavancagem. Quando eu vendo um automóvel, por exemplo, eu também estou vendendo aço, plástico, tecido, eletrônicos, mobiliário (assentos), etc. Existe uma imensa cadeia produtiva para compor o carro. É um setor que tem um grau de inovação maior. No Brasil um setor prioritário, obviamente, é o petróleo, porque nós temos a reserva, assim como o minério de ferro e outros minérios especiais. A agricultura é outro setor prioritário do Brasil porque nós temos uma expansão geográfica e uma produtividade significativa em várias culturas. A pecuária, a soja, o milho aumentando, e começa a produção de trigo no Cerrado, Centro-Oeste, onde o clima não é o melhor de todos, mas a Embrapa vem desenvolvendo tecnologia para isso. Obviamente, se você está com uma inovação, você ganha nova competitividade. E investir na Embrapa, por exemplo, é uma política de intervenção no setor industrial e nós defendemos.

O fator da indústria ter uma cadeia de valor maior tem relação também com o maior nível de demanda e empregabilidade? E para além disso, em termos práticos, o que você entende como indústria digitalizada? Se o Brasil exporta só soja, há só uma cadeia. É necessário comprar fertilizante, defensivo ou máquinas para trabalhar com soja. Mas se o país tem uma próxima cadeia, como o óleo de soja, eu já tenho a necessidade de outros tipos de máquinas, outros tipos de materiais. É assim que eu vou andando nessa cadeia. Eu vou gerar mais demanda, mais emprego, etc. A política industrial entrou em debate no Brasil na década de 70, eu diria. E quando você olha para a Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Japão, a própria União Europeia, no seu conjunto, estão fazendo política industrial diferente. Mais refinada. Estão direcionando o seu parque produtivo à política industrial mais moderna. A questão das mudanças climáticas com economia de baixo carbono, foco tecnológico e a digitalização, a indústria 4.0. Quando você pega o seu carro para dirigir e utiliza o Google Maps, por exemplo, você está baseado num sistema de inteligência com informações (em tempo real) sobre o trânsito. A produção industrial deve seguir a mesma linha. Um sistema inteligente que vai acompanhar se os insumos estão chegando ou não. Vai acompanhando as preferências do consumidor. Vai estudando toda essa quantidade de dados e direcionando a produção.

Sobre o comércio exterior, por que é mencionado que o Brasil precisa estar mais integrado ao mundo? O Brasil é uma das maiores economias do globo, mas em termos de comércio exterior e investimento, não ocupa as primeiras colocações. Na verdade, está bem atrás. É preciso dar competitividade às empresas brasileiras. Não adianta eu só abrir o mercado. Os importados vão entrar e tomar lugar e nós não vamos conseguir vender lá fora – pelo menos a maioria. Por quê? Porque tem um sistema tributário ruim, tem infraestrutura ruim. E esses problemas domésticos afetam mais as empresas daqui, os produtos feitos aqui dentro (e exportados). Os importados não têm uma cadeia sendo tributada em cada etapa. Não há um custo de transporte em cada etapa. É preciso facilitar a integração internacional.

Em síntese, o sistema tributário brasileiro não deixa as empresas serem competitivas no mercado internacional? Nós temos um sistema tributário cumulativo. Eu pago o primeiro tributo quando eu vou extrair o minério do solo, por exemplo. Se eu levar esse minério à siderurgia, para o beneficiamento, eu pago outro tributo. Se vai à outra siderurgia para fazer a chapa, eu pago tributo novamente. Se essa chapa vai virar uma porta de carro, eu pago o quarto tributo. E assim por diante. Isso não ocorre na maioria dos países (desenvolvidos). Claro, o tributo pode recair sobre o valor do carro e na hora que se emite a nota fiscal, você recebe o crédito pelo que já foi pago lá atrás. O Brasil faz isso, porém, não totalmente. Nós fizemos um estudo e, em média, 7,4% do preço do carro ainda é tributo que ficou dentro dessa cadeia.

Esse processo tem relação com o que é chamado de Custo Brasil na indústria (conjunto de problemas estruturais na produção brasileira que reduzem a competitividade)? Sim. A nossa soja sai com uma produtividade maior que a soja norte americana, por exemplo. Porém, quando chega na Ásia, está na mesma faixa de preço. O custo de transporte aqui dentro e fora, porque o país tem menos navios, aumenta esse preço. Isso é custo Brasil. Para além da questão da infraestrutura, a indústria hoje paga mais tributo do que a agricultura e serviços. Isso gera mais estímulo para investimento em serviços, porque por ser menos tributado. Assim, o investidor tem um retorno mais rápido do seu investimento. O Brasil taxa o investimento. Uma empresa brasileira começa a pagar o tributo antes de vender o seu primeiro produto. Nós fizemos um estudo comparativo entre Brasil, Reino Unido, México e Austrália e demonstramos que para a criação de uma siderúrgica pequena no Brasil, há custo tributário de 10%, quando nesses outros países é bem menor. Se eu pago o tributo antes, eu tenho um custo de capital de giro. E isso não é só na indústria. Imagine você abrir uma loja aqui no centro de Brasília ou São Paulo. Tudo o que você compra para fazer os investimentos, você também gasta em tributos. Até você começar a vender daqui a três meses, você já está com a despesa acumulada maior que em outros países. Você está gastando para o investimento e não para consumo. Nós temos um sistema tributário complexo. Cada estado é um sistema. Há mudanças quase que constantes nas regras. Então isso gera insegurança jurídica.

E qual a relação desse sistema tributário complexo com a desigualdade regional no Brasil? Os outros países têm um sistema muito mais simples. Em termos de desenvolvimento regional, no Brasil, o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – é pago na origem, por exemplo. Na prática, o consumidor da Bahia, que consome um produto feito em São Paulo, está pagando um tributo da Bahia para o estado de São Paulo. Não tem retorno à Bahia. Isso aumenta a dificuldade de desenvolvimento de muitos estados. O sistema tributário brasileiro aumenta o custo da produção, aumenta o custo de investimento, e aumenta o custo de exportação. Gera distorção. E, em paralelo, não adianta crescer torto. Precisamos reduzir as desigualdades no Brasil, econômica e social. A desigualdade regional e a desigualdade social estão muito ligadas. O Brasil precisa ter políticas para fazer essa diversificação da indústria. Isso vem acontecendo. O sudeste brasileiro vem perdendo espaço. Agora precisamos de políticas para acelerar esse processo, para gerar um crescimento mais igual entre as regiões.

Dentre os eixos, há a questão do desenvolvimento regional. O Brasil está atrasado em relação aos principais países da OCDE, no ponto do 5G, por exemplo. A Telecomunicação está em desvantagem? A telecomunicação é importantíssimo para a inovação e o 5G é essencial. Houve problemas com as instalações das torres, são leis municipais que precisam mudar. Agora, quando você compara o estado da arte entre a energia e o transporte, o setor de telecomunicações é o mais avançado. Por isso focamos mais em energia e transporte. Houve vários avanços nos últimos anos. Não pode deixar de registrar isso. Avanços na legislação, entrou mais investimento privado. Entretanto, ainda estamos muito atrás em termos de uma boa infraestrutura, que não cause aumento de custo da produção brasileira.

Acho que um fator importante, nesse ponto da energia, é a questão da diversidade do ambiente brasileiro. Potencialmente, o Brasil apresenta território e clima favoráveis para torná-lo uma grande potência de energia eólica ou solar, por exemplo. Você concorda? Sim. Precisamos trabalhar matrizes energéticas mais renováveis. O Brasil é o 5º país que mais utiliza energia renovável. Nós temos muito espaço para ter mais estabilidade. A energia eólica e solar, assim como a energia da base de hidrelétricas, sem reservatório, são sensacionais. As crises de energia ocorrem quando os reservatórios não acumulam suficientemente. Agora, imagina as novas hidrelétricas que estão “a fio d’água”, onde, para reduzir o impacto ambiental, não se cria um reservatório significativo, a depender da vazão do rio. Ou uma termelétrica que seja construída para rodar o ano todo e a melhor opção é o gás, que menos polui. A gente tem esse espaço aí. Precisamos ter segurança energética e garantia de suprimento. Aqui em Brasília, por exemplo, é muito comum chover e faltar luz. Isso não pode acontecer. Precisamos estar preparados para essas coisas.

É interessante a possibilidade de um ambiente regular de inovação, com startups na indústria de energia. O Banco Central tem um paralelo, a isso, no mercado financeiro, que é o Sandbox Regulatório, em que várias startups do mercado financeiro (fintechs) se reúnem para criar inovação, para criar novas propostas. Isso está se tentando fazer em várias outras áreas do setor industrial. É uma ideia interessante conseguir criar um ambiente mais favorável ao negócio para aquela empresa que está começando. Nessa questão do sandbox, o ambiente tem menos regulação e obrigações, e há mais liberdade para as empresas que estão nascendo. Nessa área de energia e transporte, está tendo várias concessões, privatizações e o Brasil está avançando. Começou no governo Fernando Henrique, continuou no governo do PT e nos outros. Por mais que no início a campanha do PT era contra a privatização, eles fizeram. Eu acho que evoluiu muito e estamos num processo muito forte de privatização de portos, aeroportos, geração de energia, na exploração de petróleo e na parte de ferrovia também. Há setores que estão pra “fazer o gol”. E para fazer algo, é preciso dar continuidade, regulamentar as novas normas e avançar nesse processo de concessão.

Regulamentação inclusive no sentido de mitigar o impacto ambiental, certo? Na questão da economia de baixo carbono, é possível ser mais eficiente nos processos produtivos. Temos que usar menos recursos naturais e reciclar mais recursos naturais, porque isso vai se exaurir. Eu preciso proteger o meio ambiente, mas também gerar desenvolvimento econômico. Então, o ponto é saber conciliar essas duas políticas. Crescer de uma maneira que minimize o impacto ambiental. Não tem como não ter impacto ambiental. Não dá para ter impacto ambiental zero. Nós (naturalmente) já impactam o meio ambiente (como sociedade). Mas é possível ter um impacto cada vez menor.

Uma das diretrizes é a taxação de dividendos nas empresas. Na avaliação de vocês, além do Brasil ter uma carga cumulativa de imposto, ser muito burocrática e, portanto, morosa, o país peca em não tributar dividendos desde de 1995 (Lei nº 9.249/95, que isenta o imposto)? É muito difícil olhar para 1995 e entender as razões que levam a essa decisão. Eu diria que hoje nós pecamos porque não estamos em um modelo similar à maioria dos países da OCDE, onde você tributa a renda e dividendos separados. Se eu sou trabalhador, eu pago imposto. Se eu sou sócio da empresa, não pago? Então quando divido essa tributação, o sócio vai pagar tributo como todo mundo e a empresa quando retém dinheiro para reinvestir, pagar um tributo menor. Em termos de concorrência, você não dificulta a vida da empresa brasileira. Hoje o Brasil tributa mais do que os outros países, no imposto de renda, por exemplo. Mas, em contrapartida, não tributa dividendos. A nossa ideia é você dividir essa tributação, reduzir a tributação da renda das empresas, mas tributar dividendos. Precisamos de uma alíquota muito parecida com o resto do mundo. O Brasil deve mirar como exemplo os países da OCDE porque são lugares que deram certo, já testaram.

Sobre o eixo do mercado de trabalho. Estamos com uma taxa de desemprego de 11,1%, no 1º trimestre 2022. O que é prioridade nas políticas para essa área? É preciso avançar na modernização. Nós só conseguimos manter a quantidade de empregos formais na pandemia por conta daquela reforma de 2017 (reforma trabalhista prevista pela Lei nº 13.467/2017), onde se permitiu o teletrabalho. Imagina entrar na pandemia sem ter uma legislação de teletrabalho. É insegurança jurídica. Toda a digitalização trouxe uma mudança no sistema produtivo, que a legislação trabalhista precisa se adaptar para prover segurança na relação entre trabalhador e empresa e na garantia de proteção que o trabalhador precisa. E certamente precisamos de políticas mais efetivas para ajudar as pessoas na alocação de empregos. Hoje temos o Sine – Sistema Nacional de Emprego – em que não há todas as profissões e não tem integração com todas as empresas. Outro ponto é um sistema de capacitação e atuação de capacidade para as pessoas. É preciso trabalhar com as pessoas que não tiveram uma boa educação.

Uma política de educação e emprego, integralizada? O Brasil tem que ter uma política de emprego, pensando naquele jovem que está entrando no ensino médio. Ele precisa ter, também, capacitação nesse momento. Quase 80% de quem tem ensino médio não entrou na Universidade. Tem que aproveitar a reforma do ensino médio e fazer com que o itinerário de educação profissional funcione. Isso vai reduzir a evasão porque não vai abandonar o ensino médio, como a perspectiva de trabalho logo após. A garantia da opção entre ir para a Universidade ou ir para o mercado de trabalho direto. A política de emprego também tem que estar associada com a questão da educação; fortalecer a educação básica e a educação profissional, sempre olhando para o que está acontecendo no mundo hoje (com as novas tecnologias). Tem que adaptar esses cursos profissionais de maneira muito rápida, assim como a educação nas universidades também precisam adaptar os cursos.

Em relação ao ponto da estabilidade dos fatores macroeconômicos, é uma das 21 propostas. No momento, temos a guerra na Ucrânia e os resquícios da pandemia com toda a desestruturação logística global, que pressiona os preços de combustíveis e alimentação. Enfim, há esses fatores internacionais. Todavia, a inflação, taxa de juros, câmbio, etc também estão sendo impactadas por fatores internos, certo? O governo que assumir a partir de 2023 vai precisar atuar pensando em resultados de médio e longo prazo, e não imediatos, para a estabilidade. A estabilidade macroeconômica é essencial. Eu não posso abrir mão do rigor fiscal do governo. Isso gera dificuldades, nesse momento. Mas precisamos reduzir o endividamento público. Porque nós vimos o que aconteceu entre 2014 a 2016. Nós perdemos o controle. O investimento saiu do país, a taxa de câmbio desvalorizou (o real em relação ao dólar), e a inflação foi lá para cima. Todo mundo perde, como nós estamos perdendo agora (nos níveis atuais de inflação em 11,73% no acumulado anual e taxa de juros em 13,25%). Com o teto de gastos, para reduzir endividamentos do governo, os juros estavam em baixa até a pandemia, quando houve necessidade de um aumento de gastos públicos (com os auxílios emergenciais, por exemplo). Aumentou a desconfiança se o Brasil iria respeitar o teto de gastos. Isso fez com que o câmbio ficasse elevado (dado o risco de desequilíbrio fiscal com as contas públicas). Só esse ano que você começou a ter uma queda do dólar em relação ao real, após as restrições sociais da pandemia, porque o investimento começou a voltar. Apesar de toda a discussão no Congresso, o teto de gastos foi respeitado (até o momento). Taxa de juros menores proporciona uma oferta de crédito melhor, principalmente para o financiamento de pequenas e médias empresas. Não tem crescimento se não existir financiamento. E outro ponto é segurança jurídica. As regras precisam ser claras. Os contratos têm que ser respeitados. Eu tenho que ter a menor burocracia possível.

Os dois presidenciáveis mais bem colocados já deram sinais ou falaram abertamente sobre gastos acima do teto. Não queremos dizer que o teto não deve ser melhorado. Nós vimos, por exemplo, que gastos como a pandemia estavam previstos. Com o estado de calamidade. O Governo gastou, mas não gerou um gasto permanente. Precisamos discutir orçamento. É preciso ter cuidado com o dinheiro público, porque isso há risco de gerar uma outra crise. O Governo precisa fazer escolhas (nos gastos públicos). Agora, qual é o ganho que a sociedade está tendo com essa escolha? A sociedade precisa de transparência para saber o objetivo dessas políticas adotadas; saber porque está pagando por elas; com os tributos arrecadados está sendo reinvestido. Se houvesse uma estrutura de governança para a política industrial e para a política de infraestrutura, nós não teríamos essas obras paradas hoje. Você começa a obra sem fazer um planejamento decente ou sem conseguir a permissão de meio ambiente. A governança precisa melhorar muito. As políticas públicas, precisam ser baseadas no que já existe hoje (internacionalmente), na consulta à população, e em uma avaliação de risco e benefícios.

Você acredita que, para além das políticas que precisam entrar em vigor, é também necessário um balanço das políticas e projetos na indústria brasileira, que já foram criadas, mas precisam de aprimoramento? Nosso objetivo no segundo semestre é aprofundar exatamente isso, porque uma política industrial bem feita precisa ter esses instrumentos para verificar se está funcionando ou não. Qualquer política pública precisa, na verdade. Eu não posso criar uma política pública e ter medo de reconhecer que eu errei. Nós citamos a Coreia do Sul como sucesso, mas houve erros em vários pontos. Na política industrial é assim que funciona, tem erros e acertos. A gente precisa fazer uma avaliação profunda das políticas que nós usamos no passado, inclusive aquelas que não existem mais. Verificar se conseguimos atingir o objetivo almejado. Um exemplo é a política pró-álcool. O preço da gasolina elevado motivou esta política, mas ela casou muito bem com outro problema, que é a emissão de carbono. O motor flex no Brasil veio e hoje você pode ter um flex com carro elétrico híbrido e então você acaba reduzindo ainda mais emissão. As políticas precisam ser reavaliadas para verificar o que precisa ser melhorado. A política do pré-sal, a política automobilística, a política para a indústria eletrônica, e, por fim, sempre estimular a industrialização 4.0.

As 21 propostas foram realizadas com empresários e com os presidentes de associações setoriais, certo? Sim. O Fórum Nacional da Indústria, da CNI, reúne cerca de 60 associações. Os documentos são contribuições. Estamos sempre abertos à negociação. Acreditamos que as propostas possam melhorar a competitividade não só da indústria, mas da economia brasileira como um todo. E isso vai gerar mais crescimento de longo prazo. Esse é o objetivo. O importante é aumentar a competitividade das empresas brasileiras. Só assim teremos crescimento sustentável, no sentido de promover um crescimento de 3% ao ano por 10 ou 20 anos. O Brasil precisa alcançar os países desenvolvidos.

Política industrial: a construção do futuro

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A indústria é o motor do crescimento econômico sustentado, pois, além de ser o setor mais dinâmico da economia, promove os maiores ganhos de produtividade. Ainda é a responsável pelos maiores investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Dessa forma, é natural que a política industrial se transforme no centro de grande parte das ações voltadas ao desenvolvimento dos países.

A política industrial do século XXI vem sendo direcionada justamente para o aproveitamento desse potencial da indústria de elevar a produtividade e de gerar inovação. Já faz tempo que as políticas industriais contemporâneas se afastaram do protecionismo de experiências passadas e seguem alguns princípios comuns. Entre eles, destacam-se:

Exposição ao mercado internacional. A livre concorrência garante a competitividade da economia que se pretende desenvolver, expande a escala de produção com acesso aos mercados internacionais e incorpora as tecnologias da fronteira mundial.

Visão sistêmica na formulação das políticas industriais. A indústria é vista como um sistema complexo, cujos fatores de competitividade dizem respeito não apenas às empresas, mas ao seu entorno institucional e à infraestrutura logística e tecnológica. Assim, combater o custo Brasil é essencial para uma política industrial de sucesso.

Resolução de problemas coletivos e desenvolvimento de complexos industriais. Prioridades da sociedade são o foco da destinação de recursos humanos e orçamentários. No atendimento a essas prioridades, aproveita-se para desenvolver a capacidade das empresas nacionais.

Excelente estrutura de governança, prestação de contas e avaliação de impactos. Com isso, busca-se trazer transparência e eficiência aos gastos públicos, direcionando os recursos para as iniciativas que apresentem os resultados mais benéficos à sociedade.

Foco em ciência, tecnologia e inovação. Esse foco garante que as políticas sejam efetivamente direcionadas a ganhos de produtividade e competitividade. Também assegura o direcionamento de recursos para áreas em que atuação privada não é suficiente para alcançar os resultados desejados pela sociedade, dado que a inovação resulta em benefícios não totalmente apropriados pelas firmas inovadoras.

As experiências com políticas industriais recentes, em países como Alemanha, Estados Unidos, Coreia do Sul, China e da União Europeia, mostram que esses princípios são os determinantes das políticas atuais. Essas políticas, desenvolvidas nos principais mercados mundiais, resultam em vantagens competitivas às empresas localizadas nesses países. Na mesma direção, as empresas brasileiras devem também poder se beneficiar desses incentivos construtivos.

Essa política deve contemplar, desde o início, mecanismos para a avaliação de impacto, que permitam mensurar os ganhos obtidos com ela e os custos a ela associados, seguindo as melhores práticas internacionais. Também deve atender às necessidades da população, e aproveitar as compras e investimentos públicos para estimular os setores estratégicos para o desenvolvimento científico e tecnológico, a resiliência das cadeias produtivas e a economia de baixo carbono. Por fim, são condicionantes para o sucesso da política a criação de infraestrutura de pesquisa, a aproximação dos esforços de inovação com o setor produtivo e a adequação do sistema educacional e de formação de mão de obra.

Ao final do período da pandemia, prevê-se que a economia global será mais protecionista, com maior participação do Estado no fomento industrial e na promoção de ciência, tecnologia e inovação. A competição global, nos próximos anos, será condicionada por um cenário bastante distinto daquele do começo do século XXI. Frente à perspectiva de acirramento da competição global, com a mobilização de instrumentos políticos consideráveis, é altamente recomendável a construção de uma estratégia nacional de fomento ao sistema industrial brasileiro, visando ao incremento de sua competitividade internacional.

Uma questão primordial para o sucesso de uma política industrial é a existência de um ambiente adequado ao desenvolvimento produtivo. Isso não significa, necessariamente, abandonar as políticas verticais destinadas a setores estratégicos, mas direcionar grande parte dos esforços para garantir a promoção de um ambiente favorável, para que as políticas verticais tenham maior chance de sucesso.

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PROPOSTAS

Para a elaboração de uma política industrial moderna, a CNI propõe as seguintes diretrizes:

1. Criar estratégia nacional unificada de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico, alinhada à política de comércio exterior.

Após um período de ausência de uma diretriz geral para garantir a coesão das políticas públicas para o fomento à indústria, a construção de uma política unificada é fundamental para reduzir a fragmentação das políticas atuais.

A estratégia nacional para o desenvolvimento industrial deve servir como um espaço para o alinhamento das propostas e a definição das prioridades, objetivos e metas, servindo para definir critérios e formas de avaliação.

Para sua construção, é preciso avaliar o impacto das políticas que já estão em andamento, a exemplo da Câmara Brasileira da Indústria 4.0 e do programa Brasil Mais. Assim, é possível identificar iniciativas bem-sucedidas e ampliá-las, bem como aprimorar ou interromper as iniciativas ineficazes, evitando a dispersão de esforços.

É preciso, também, alinhar a política de desenvolvimento industrial à política de comércio exterior. É preciso garantir a integração da economia brasileira às cadeias globais de valor, criando-se as condições para que o Brasil seja um destino adequado a fluxos de investimento e transmissão de tecnologia.

2. Garantir o compromisso político, em nível da Presidência da República, para a elaboração e execução das políticas industriais.

Para garantir o sucesso da estratégia nacional unificada de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico, é preciso uma estrutura institucional adequada.

É necessário garantir engajamento direto da Presidência da República, com a função de liderar e centralizar as discussões relacionadas ao tema e articular as iniciativas, que passam por diversos órgãos públicos e privados.

3. Prover recursos humanos e orçamentários para as políticas industriais.

É necessário priorizar as ações para direcionar os escassos recursos financeiros do governo para as ações de maior impacto, o que requer a adoção de boas práticas internacionais para o desenho das políticas. A fragmentação excessiva de iniciativas resulta em esforços dispersos em termos de pessoal qualificado para a implementação das ações e na insuficiência de recursos orçamentários para promover a escala necessária.

4. Elaborar as políticas em consonância com as melhores práticas internacionais.

As ações priorizadas, devem, necessariamente, ter um planejamento específico, que siga as boas práticas de elaboração de políticas públicas. Entre elas se destacam: dispor de metas claras, específicas e mensuráveis e apresentar publicamente cronograma com datas, construídas de modo a possibilitar, desde o seu início, avaliações de impacto regulatório e avaliações de resultado regulatório.

Além disso, essas iniciativas devem ser submetidas a processos de consultas públicas e audiências públicas, para que as contribuições dos setores da sociedade possam ser incorporadas quando pertinentes.

5. Tratar os investimentos em Infraestrutura e em Bens de Consumo Coletivos (bens públicos) como parte da política industrial, para estimular o desenvolvimento de cadeias produtivas e promover transferências tecnológicas.

Ainda dentro de um enfoque sistêmico, a infraestrutura é fator relevante para a competitividade do sistema industrial. A elevação do investimento em infraestrutura, com assimilação de novas tecnologias e articulação com políticas de compra e encomendas tecnológicas, cria mercado para empresas nacionais e aumenta a competitividade internacional da indústria brasileira.

Para superar os gargalos em infraestrutura, o Brasil teria que elevar o gasto em infraestrutura para aproximadamente 3% do PIB, patamar que é quase o dobro do atual. Essa carência, que afeta diretamente a competitividade da indústria, pode ser vetor para o aumento da escala das empresas nacionais em diversos setores.

A carência de infraestrutura urbana, especialmente em mobilidade e saneamento, deve ser utilizada como um vetor para o desenvolvimento da produção nacional de bens de capital e de equipamentos de transporte. Assim como a infraestrutura logística, esses mercados têm um imenso potencial para o promover o adensamento tecnológico, além de gerar externalidades para toda a sociedade brasileira.

O Estado pode aproveitar sua capacidade de investimento direto ou sua capacidade regulatória nas concessões e parcerias público-privadas, para estimular o desenvolvimento das cadeias produtivas e a transferência de tecnologias.

O novo consenso é tratar esses investimentos como parte da política industrial. A experiência internacional vem demonstrando que parte das políticas industriais já está seguindo nesse sentido.

6. Implementar políticas orientadas por missões.

As políticas orientadas a missões tornam mais fácil organizar grandes iniciativas de mudança tecnológica, como a promoção das tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0 e o enfrentamento da crise climática.

Esse tipo de política apresenta vantagens, pois define setores e áreas tecnológicas, estabelece metas objetivas de controle público e, dado seu direcionamento mais focado, inibe a pressão de grupos de interesse.

A construção dessas missões deve ser adequada às necessidades da sociedade brasileira, combinando a geração de externalidades com o desenvolvimento industrial.

São exemplos de missões: o desenvolvimento do complexo industrial da saúde (fomento a fármacos, medicamentos, vacinas, reagentes e equipamentos médico-hospitalares), a ampliação do fornecimento de infraestrutura urbana (como mobilidade e saneamento) ou a transição energética (como a redução na emissão de gases de efeito estufa, a redução do consumo energético e o aumento na utilização de energias renováveis).

7. Direcionar o poder de compra do Estado para o desenvolvimento tecnológico e a promoção da cultura de qualidade.

Os gastos públicos brasileiros são uma grande fonte de recursos, que pode ser direcionada com objetivos específicos de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico.

Para utilizar os gastos públicos com essa finalidade, é preciso estabelecer critérios específicos nas compras públicas, que permitam o pagamento de um diferencial de valor para empresas que cumpram objetivos pré-estabelecidos.

Uma forma de fazer isso é adicionar condicionantes de incorporação de tecnologias aos produtos fornecidos ao governo brasileiro e aos serviços a ele prestados. Outra forma é adicionar condicionantes de verificação de qualidade dos produtos e serviços, de modo a incentivar o aumento da conformidade com normas de qualidade.

Outra forma de utilização das compras públicas para esse fim é por meio de encomendas tecnológicas, por meio das quais órgão ou entidades da administração pública, em matéria de interesse público, contratam serviços de pesquisa, desenvolvimento e inovação para solução de problemas técnicos específicos ou para obtenção de produtos, serviços ou processos inovadores.

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8. Elaborar políticas específicas em setores estratégicos para o desenvolvimento científico e tecnológico, a resiliência das cadeias produtivas e a economia de baixo carbono.

A necessidade de focar em políticas horizontais não isenta o país de perseguir políticas verticais, destinadas a setores estratégicos.

Os setores estratégicos devem ser selecionados a partir de critérios objetivos. Esses critérios devem ser capazes de incorporar e desenvolver tecnologias e inovações, aumentar a resiliência das cadeias produtivas e aproveitar vantagens comparativas naturais, com promoção da economia de baixo carbono.

Setores intensivos em tecnologia trazem benefícios que ultrapassam os limites do próprio setor, na medida em que formam uma massa crítica de profissionais qualificados. Eles demandam estrutura para inovação dentro de universidades e centros de pesquisa. Eles promovem um transbordamento de tecnologia e de boas práticas para seus fornecedores.

A resiliência das cadeias produtivas deve ser buscada para reduzir a vulnerabilidade a interrupções. É necessário fazer um mapeamento completo da exposição da economia brasileira a esses gargalos, a fim de definir as prioridades de desenvolvimento nacional dos produtos essenciais e/ou promover a diversificação dos fornecedores internacionais para distribuir o risco.

O Brasil possui vocações naturais, como biodiversidade, abundância de recursos naturais e grande potencial para geração de energia renovável. O desenvolvimento produtivo e tecnológico deve, portanto, estar alinhado às ações para promoção da economia de baixo carbono, um dos dois grandes condicionantes das mudanças da indústria mundial no contexto atual.

9. Elevar o esforço em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação.

A política tecnológica, científica e de inovação deve ser o centro da política industrial. O Brasil conta com um sistema nacional de inovação de proporção considerável, ainda que bastante fragmentado. A articulação desse sistema em uma estratégia geral para o desenvolvimento industrial é um passo importante para aumentar sua eficiência em inovação.

Por conta da mudança no paradigma tecnológico, será necessário criar infraestrutura de pesquisa em certas áreas de pesquisa e investir na aproximação das instituições de pesquisa com empresas, para avançar na produção de aplicações customizadas das novas tecnologias.

Apesar de certos avanços recentes na estrutura de financiamento à inovação – como os fundos de venture capital da Finep – o aumento da oferta de fundos e a ampliação das modalidades de financiamento à inovação constituem uma diretriz necessária ao aumento do esforço tecnológico.

O gasto global em P&D brasileiro, proporcionalmente ao PIB, encontra-se em um patamar que, em média, representa metade do volume dos gastos dos países da OCDE. A elevação dos gastos em P&D no Brasil para um patamar próximo à média da OCDE é uma condição para colocar a economia brasileira próxima aos parâmetros da competição global.

10. Adequar o sistema educacional e de formação de mão de obra.

Dependendo do perfil setorial da indústria, a mudança tecnológica pode produzir uma redução do emprego industrial, difícil de ser compensada por outras atividades. Atividades rotineiras ou de controle de fluxos e estoques deverão ser afetadas pela digitalização e pela automação industrial crescente, com a difusão das tecnologias da Indústria 4.0.

Direcionar a indústria brasileira para outro perfil tecnológico deve criar demanda por outras formações profissionais e diminuir a escassez de profissionais ligados às novas áreas tecnológicas. O redirecionamento da indústria brasileira para atividade de maior sofisticação tecnológica implica também a adequação do sistema de formação de mão de obra para novas atividades.

Inovação: motor do crescimento

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O Brasil ainda não conta com uma economia puxada pela inovação, embora haja praticamente consenso entre as lideranças e instituições empresariais sobre a relevância do tema.

É preciso reduzir nosso atraso tecnológico, fortalecer nossa pesquisa e elevar a qualidade de nossa educação, por meio da busca de novas estratégias de inovação, capazes de facilitar a absorção, a adaptação e a geração de novas tecnologias pelas empresas.

Para alcançar esses objetivos, é indispensável a construção de uma estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) ambiciosa, de longo prazo e bem coordenada, com vistas a posicionar o país entre as economias mais inovadoras do mundo, nos próximos anos.

A criação desse ambiente propício à inovação requer a mobilização de todos os atores do ecossistema, com a execução de ações em diversas frentes e ampla representação de distintos segmentos da sociedade.

Este documento apresenta propostas em quatro eixos. O primeiro diz respeito à estruturação de uma política de CT&I de longo prazo, com instâncias de governança bem definidas, que incorpore a inovação na agenda econômica como instrumento para aumento da produtividade e da competitividade.

O segundo eixo foca a melhoria do ambiente regulatório de CT&I, por meio não só de aprimoramentos à Lei do Bem e à Lei de Startups, como também da regulamentação do Sistema Nacional de CT&I, entre outras medidas.

O terceiro eixo é constituído por propostas para elevar os investimentos em CT&I brasileiros aos patamares internacionais. Para tanto, propõe-se a execução da totalidade do orçamento público, o aumento da dotação destinada a projetos de subvenção e o apoio a projetos de maior risco tecnológico, além do esforço para diversificar as fontes de recursos e os instrumentos de apoio à inovação.

Por fim, o quarto eixo apresenta propostas para formar e requalificar recursos humanos para a inovação, com ampliação da educação profissional e fortalecimento da formação em ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática (que, em inglês, forma a sigla STEAM).

Desafios da inovação na retomada do crescimento

A experiência internacional mostra que a inovação é o principal motor do desenvolvimento dos países avançados. A inovação é essencial para elevar a produtividade de forma sustentada, acelerar a recuperação em tempos de crise e impulsionar o crescimento econômico.

O Brasil ainda não conta com uma economia puxada pela inovação. O desafio para elevar a produtividade da economia brasileira é imenso, ainda que existam condições e competências para tanto. Há praticamente consenso entre as lideranças e instituições empresariais sobre a relevância da inovação. A competitividade das empresas e, muitas vezes, sua própria sobrevivência, dependem de sua capacidade inovadora.

Apesar desse consenso, o desempenho do Brasil em termos de inovação é ainda insuficiente. Há cerca de vinte anos o tema entrou na agenda pública e privada e, mesmo assim, o país pouco avançou. Prova disso é que os investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) seguem em torno de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), mesma proporção apresentada em 2000.

A performance brasileira em rankings internacionais também acende o sinal de alerta. Em 2011, o Brasil ocupava a 47ª. posição na classificação do Global Innovation Index. Caiu para a 70a em 2015, sendo que, em 2021, se recuperou, passando a ocupar a 57ª. posição. Apesar dos esforços públicos e privados empreendidos, a trajetória dos últimos anos é decepcionante para um país situado entre as dez mais importantes.

As razões para esse baixo desempenho são múltiplas. De um lado, o baixo dinamismo da economia e o ambiente macroeconômico instável inibem os investimentos privados. De outro, existem distorções e desequilíbrios nas políticas públicas, que tendem a focar no curto prazo e não assegurar a perenidade de programas de estímulo à ciência, tecnologia e inovação (CT&I), mesmo quando demonstram resultados positivos. Importante não subestimar também o processo de encolhimento da indústria, que se manifesta no ritmo acelerado de queda da participação da indústria no produto interno produto (PIB), no emprego formal e nas exportações.

Entre 2010 e 2021, por exemplo, as participações do setor industrial no PIB e nas exportações decresceram, respectivamente, de 27,4% para 22,20% e de 75,5% para 71,80%. O percentual de empregos industriais, por sua vez, passou de 24,5% para 20,9% nesse mesmo período. São números preocupantes para um país que sempre identificou na indústria a espinha dorsal de sua economia.

Esse declínio da manufatura no Brasil foi ainda contaminado pela ascensão das tecnologias digitais, que ensejaram mudanças profundas nos pontos de apoio e nas políticas tradicionais de crescimento econômico. A diminuição acentuada do peso da manufatura sugere que as empresas industriais só terão condições de manter sua importância se forem alavancadas na inovação.

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Para vencer os grandes desafios impostos pelas novas tecnologias e reduzir nosso atraso tecnológico, o Brasil precisará intensificar o processo de modernização da indústria, assim como acelerar o desenvolvimento da infraestrutura, da qualificação de seus trabalhadores e da capacitação de empresas, aqui compreendidos o fortalecimento da pesquisa e também as atividades de gestão, vertentes que se mostram especialmente frágeis na indústria de pequeno e médio porte, muito embora tenham um importante papel a cumprir na melhoria dos processos de produção e de inovação. Esses são aspectos críticos para abrir caminho para a absorção, a adaptação e a geração de novas tecnologias pelo setor produtivo.

A dinâmica atual das novas tecnologias digitais é tão impactante, que modifica o metabolismo da indústria de transformação, dos serviços, da agricultura e do comércio. As transformações que promovem são tão significativas, que passaram a ser consideradas pelas economias avançadas e pelos emergentes de ponta como um ativo essencial para a competitividade e para o desenvolvimento dos países.

O avanço do digital vem sendo viabilizado pelo aumento no desempenho e redução de custos da computação, pelo fluxo e disponibilidade de volumes gigantescos de dados e pela sofisticação dos mecanismos de integração e automação. As novas tecnologias digitais, entre as quais ganham relevo a inteligência artificial (IA) e a computação quântica, tornam-se a cada dia mais imprescindíveis para impulsionar novos processos inovadores e elevar o padrão de eficiência das economias.

Países como os Estados Unidos, China, Japão e Alemanha, incluindo também Coreia do Sul, Canadá, Israel, Reino Unido, França e países nórdicos são exemplos de economias que procuram sustentar sua competividade com base em inovação e que avançam em direção a essas tecnologias de fronteira.

Em que pesem os desafios, há também oportunidades à frente dos países em desenvolvimento, que podem participar do reordenamento do mapa mundial da tecnologia, a exemplo do que ocorreu em outros momentos da história, com o nascimento da química moderna, da eletricidade e da revolução da informática, que possibilitou avanços inéditos para várias nações. O Brasil não pode correr o risco de perder essa oportunidade e ficar, mais uma vez, distante de tecnologias revolucionárias, como ocorreu com a adoção da microeletrônica nos anos 1970.

As tecnologias de hoje pedem iniciativas distintas das do passado, quando políticas industriais se desenvolviam em economias autárquicas e se pautavam pelo protecionismo. O mundo mudou, a interdependência é a regra e o fluxo de conhecimento é matéria-prima para os países se aproximarem da fronteira tecnológica.

As iniciativas mais bem-sucedidas priorizaram a inovação e perseguiram, obstinadamente, os padrões mundiais de competitividade. A diferenciação de produtos e serviços, a concepção de novos processos e modelos de negócio dinamizaram empresas e fortaleceram as economias. Foi com essa referência que países como Taiwan, Cingapura e Coreia do Sul alteraram sua estrutura produtiva, incentivaram as startups e as pequenas empresas, superaram sua tradição agrária e se tornaram exportadores de tecnologia.

Além de se inspirar nas experiências internacionais exitosas, o Brasil precisa se preparar para o digital e avançar nos programas e políticas de sustentabilidade, a começar pela defesa de nossos ativos naturais. O desafio é de extrema urgência, principalmente para um país que não pode se contentar em ser apenas um usuário de tecnologias maduras e pretende avançar para um grau superior de civilização.

No ponto de partida, é preciso reconhecer que a força que emana do digital e das novas tecnologias limpas está fundada no conhecimento. Por isso mesmo, as estratégias atuais mais avançadas se orientam pela valorização do capital humano. A atuação de profissionais capazes de compreender, gerar e colocar em movimento as novas tecnologias é a chave que abre portas para avanços reais. Em síntese, não há como absorver, adaptar e desenvolver tecnologias sem pessoas qualificadas.

Como segundo passo, é fundamental dotar o país de uma estratégia para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), que tome como referência as melhores práticas mundiais. Ou seja, é forçoso perseguir os padrões mais avançados, para competir na arena mundial e para elevar a produtividade do trabalho vigente na competição doméstica.

O terceiro passo diz respeito ao esforço de participação nas cadeias globais de alto valor agregado, que deve ser linha de conduta para as empresas e para o governo brasileiro. Sem interação com economias que expandem as fronteiras da inovação, o país corre o risco de estagnar no universo da cópia, de aprofundar sua dependência das commodities e de se contentar com o uso de tecnologias defasadas. Isso significa que o Brasil e as empresas precisam se voltar para mercado externo, inclusive para manter sua competitividade interna.

O quarto e último passo considera como essencial tratar educação e CT&I como atividades prioritárias do Estado. Sem esse reconhecimento, não haverá condições de eliminar chagas históricas que marcam o Brasil há décadas e caracterizam nosso déficit de competitividade e capacidade de garantir à população melhores empregos, distribuição de renda e qualidade de vida.

Esses quatro itens são direcionadores para a elaboração de uma estratégia nacional de CT&I. São pontos que se distanciam de nosso passado protecionista, mas que também apontam para caminhos distintos de experiências fracassadas, as quais diminuem a importância da indústria, reduzem o poder efetivo das políticas públicas e apenas enfatizam as forças do mercado como suficientes para desenvolver CT&I.

A realidade é que a CT&I se desenvolve a partir da atuação sistemática do Estado. Ainda que as empresas e a competição sejam imprescindíveis, não há substituto para o poder público, sua capacidade de liderança, de articulação institucional, de definição do marco regulatório-legal e das oportunidades de financiamento.

Isso significa dizer que a digitalização da economia e da sociedade brasileira não avançará sem um esforço concentrado e a participação intensa do setor público, como o grande impulsionador dos agentes econômicos capazes de sustentar as mudanças necessárias. Se a estratégia estiver marcada pela busca de processos produtivos mais limpos e sustentáveis, essa articulação será vital para colocar o Brasil na liderança de economias verdes e contará com o entusiasmo do setor empresarial.

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PROPOSTAS

1. Estruturação de política de CT&I de longo prazo e de instâncias de governança bem definidas

– Estruturar uma Política Nacional de CTI&, orientada à transição para uma sociedade mais digital e sustentável, que seja objetiva, consistente, de longo prazo, com proposta de metas e indicadores de monitoramento e avaliação de resultados e impactos.

– Definir instâncias de governança no mais alto escalão de governo, com a participação do Estado, da academia, do setor empresarial e da sociedade civil organizada, tendo, como colegiados principais, um Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia renovado e a Câmara de Inovação.

– Incorporar a inovação na agenda econômica, como instrumento essencial ao aumento da produtividade e da competitividade.

– Mapear e adaptar as melhores práticas internacionais em CT&I, para o desenvolvimento do SNCT&I.

2. Melhoria do ambiente regulatório de CT&I

– Aperfeiçoar a Lei do Bem e a Lei de Startups, assegurando perenidade, conforme detalhado ao longo deste documento.

– Criar regulamentação do Sistema Nacional de CT&I, a fim de assegurar tratamento prioritário ao investimento em P&D.

– Aperfeiçoar a legislação de inovação, para garantir que, além dos bens, os insumos importados utilizados em pesquisas e inovação também possam usufruir dos benefícios de isenção fiscal já previstos. Aprimorar o processo de solicitação e aprovação dos projetos apresentados pelas empresas para torná-lo mais simples e ágil.

– Adequar a legislação, por meio de minuta de projeto de lei, de modo a facilitar a mobilidade de pesquisadores, inclusive de empresas.

– Instituir fóruns de debate para promover o estreitamento da relação entre órgãos de controle, Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICT) e empresas.

– Fortalecer o trabalho do INPI, por meio da interação, celebração de acordos e aprendizagem com escritórios internacionais de propriedade intelectual, bem como da concessão de autonomia administrativa e financeira.

3. Investimento em CT&I em patamares internacionais

– Assegurar que o orçamento público para CT&I seja executado na sua totalidade.

– Alinhar o orçamento público para CT&I a uma estratégia de longo prazo, que vise à superação de grandes desafios nacionais.

– Aumentar a dotação destinada à subvenção econômica e aporte de capital, a fim de que o FNDCT apoie projetos mais ambiciosos, de maior risco tecnológico.

– Reformular o modelo de gestão do FNDCT, de modo a aumentar sua aderência à Política Nacional de CT&I e garantir resultados mais efetivos para o SNCT&I.

– Explorar as fontes alternativas de financiamento à CT&I já existentes e estimular o desenvolvimento de novas fontes, de maneira a diversificar os instrumentos de apoio à inovação e aumentar a disponibilidade de recursos.

4. Formação de recursos humanos para inovação.

– Priorizar a formação e requalificação de recursos humanos em áreas ligadas à transformação digital e sustentabilidade.

– Ampliar as matrículas na Educação Profissional e adequar a oferta às demandas de médio e longo prazo dos setores produtivos.

– Colocar em ação um plano de longo prazo, para fortalecer a formação em STEAM e acelerar as reformas de currículos, por meio de incentivos para a imersão de professores e diretores de escolas em experiências concretas, com metodologias e ferramentas de ensino atualizadas, tendo como pontos de partida a expansão da formação em engenharia e a elevação de sua qualidade.

– Promover o debate em torno da formação STEAM na agenda educacional em todos os níveis, a fim de disseminar seus princípios e práticas nas redes de ensino.

Exportações: um mundo pela frente

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O mercado internacional representa uma oportunidade para a indústria e a economia brasileira. Para acessá-lo, é necessário aumentar a competitividade das empresas brasileiras – em especial das empresas industriais.

As exportações da indústria têm o potencial de contribuir, de forma significativa, para o Brasil. A indústria é o segmento com maior efeito multiplicador sobre a atividade econômica, tendo em vista que o aumento da produção industrial causa um aumento ainda maior na economia como um todo. De acordo a CNI, a cada R$ 1,00 produzido na indústria, são gerados R$ 2,43 na economia brasileira.

O Brasil vem perdendo participação nas exportações mundiais da indústria de transformação. Por isso, as oportunidades associadas ao mercado internacional não têm sido plenamente aproveitadas. Tal perda se deve à baixa competitividade da indústria brasileira.

Ações específicas para o comércio exterior são necessárias – e urgentes – para que o Brasil possa ampliar melhor sua participação no mercado internacional. Não entanto, é certo que ações restritas à área do comércio não serão suficientes.

Os esforços em prol da competitividade das exportações precisam ser acompanhados de uma agenda robusta para fortalecer a indústria brasileira. Em uma frente precisam ser contempladas as questões domésticas, como redução da burocracia e melhorias regulatória. Em outra, a modernização e fortalecimento do sistema de financiamento às exportações e promoção das exportações.

As propostas aos candidatos à presidência são apresentadas em cinco eixos. O primeiro apresenta propostas para fortalecimento e modernização do sistema público de financiamento e garantia às exportações. O segundo apresenta propostas de aprimoramento da tributação sobre o comércio exterior, com eliminação dos tributos sobre exportação; redução da carga tributária sobre as importações de serviços; aprimoramento dos regimes aduaneiros, como Drawback e Recof/Recof-Sped; entre outros.

O terceiro eixo de propostas é destinado à facilitação de comércio, e foca em propostas como a conclusão e a implantação do Portal Único de Comércio Exterior, a instituição do marco legal e o aperfeiçoamento do Operador Econômico Autorizado (OEA), por exemplo. O quarto traz propostas de logística de comércio exterior para a implementação do Programa Janela Única Aquaviária, padronização de estrutura de serviços básicos prestados pelos terminais de contêineres e eliminação de cobrança de tarifas portuárias abusivas.

E por fim, o último eixo ressalta a importância de um modelo de promoção comercial e atração de investimentos, além do fortalecimento da imagem e do posicionamento internacional do Brasil por meio da implementação de um programa de “marca-país”.

DESAFIOS

A indústria de transformação é o segmento com o maior efeito multiplicador sobre a atividade econômica. A cada real produzido na indústria de transformação são gerados 2,67 reais na economia brasileira. Aumentar exportações industriais é, portanto, uma alavanca para o crescimento do país. A indústria de transformação responde por 48,5% das exportações brasileiras de bens e serviços e emprega 6,9 milhões de trabalhadores.

A indústria brasileira, no entanto, vem perdendo competitividade no mercado internacional. Reverter esse quadro deve ser uma prioridade do governo brasileiro.

O Brasil ocupa a 13ª. posição no ranking das maiores economias do mundo e a 26ª. entre os maiores exportadores mundiais da indústria (com 1,2% do total), nunca tendo superado 2% de participação desde o início da série histórica, em 1948.

A participação do Brasil na produção mundial da indústria de transformação diminuiu para 1,32% em 2020, atingindo o piso da série histórica, iniciada em 1990. Com essa fatia, o Brasil caiu para a 14a posição no ranking dos maiores produtores da indústria de transformação do mundo, reforçando a trajetória de queda que ocorre desde 20093.

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A perda de competitividade da indústria brasileira reflete-se nas exportações do país. Em 2010, o Brasil detinha 1,05% de participação nas exportações mundiais da indústria de transformação. Em 2018, essa fatia foi de 0,87%, passando para 0,83% em 2019. A CNI estima que a participação brasileira tenha caído para 0,78% em 2020, o que representa o pior desempenho já apurado desde o início da série, em 1990.

A indústria de transformação apresenta diminuição contínua nas exportações mundiais desde 2017, caindo de 61,9% para 51,3% em 2021. Desde aquele ano, os três principais produtos exportados são soja, minério de ferro e petróleo bruto. As exportações desses produtos aumentaram de 23,8% em 2016 para 40,6% em 2021. Já produtos como automóveis e veículos, que apareciam entre os 10 principais produtos até 2017, perderam importância na pauta, caindo da quinta posição em 2017 para a oitava em 2018, até desaparecem da lista dos 10 principais produtos exportados em 2019.

Para além da queda das exportações da indústria de transformação, proporcionalmente às exportações de outros setores, é preocupante a ausência de avanços, em termos absolutos, das vendas externas desse segmento nos últimos 10 anos. Se é certo que em 2021 ocorreu uma recuperação em relação ao ano anterior, marcado pelo início da pandemia, é também verdade que apenas em 2021 as exportações da indústria da transformação retomaram os valores de 2012.

Além disso, perderam espaço na pauta exportadora do Brasil produtos de média e alta intensidade tecnológica. Desde 2010, a participação dessas categorias em relação ao total exportado caiu 8,9 p.p., chegando a 14,2% em 2021, a menor na última década.

A dificuldade de a indústria exportar persiste, a despeito da desvalorização cambial brasileira dos últimos anos. Segundo metodologia da FGV, a taxa real de câmbio efetiva fechou o quarto trimestre de 2021 com desvalorização real efetiva média de aproximadamente 26% em relação a seus fundamentos.

Apesar do patamar depreciado, a taxa de câmbio tem apresentado volatilidade, relacionada a incertezas tanto no ambiente externo como no doméstico. Essas oscilações dificultam que o câmbio, num patamar mais favorável às exportações, se traduza efetivamente em aumento de vendas externas. Com frequência, há um impacto favorável na rentabilidade, em real, para o exportador brasileiro, mas não necessariamente um aumento correspondente nas vendas externas ou no número de empresas exportadoras.

É urgente, portanto, aumentar a competitividade das exportações da indústria de transformação do Brasil. Políticas industrial, de inovação e de comércio exterior precisam ser construídas de forma coordenada. Com políticas adequadas, transparentes e formuladas em alinhamento com o setor produtivo, o Brasil pode diversificar sua pauta exportadora, aumentar a intensidade tecnológica da sua produção, incluir mais empresas no comércio exterior, inserir-se melhor em cadeias de valor e ampliar sua presença nas vendas globais de produtos de maior valor agregado.

A construção de um Brasil mais integrado ao mundo, a partir de exportações industriais mais competitivas, deve ser prioridade, pois isso resultará em um impulso ao crescimento econômico de qualidade no país.

PROPOSTAS

1. Financiamento às exportações

– Revitalizar imediatamente os instrumentos de financiamento e seguro de crédito. Garantir a existência e a continuidade do funding do sistema de apoio oficial às exportações. Restabelecer e expandir os níveis do passado — entre 2010 e 2013, o valor médio de desembolsos do Exim foi de 7,55 bilhões de dólares/ano, enquanto a média de 2017 a 2020 foi de 890 milhões de dólares /ano.

– Definir e implementar o operador do Seguro de Crédito à Exportação (SCE), que conte com garantia direta da União em caso de insolvência e com um novo modelo de lastro baseado em recursos não orçamentários com aval da União, de modo a conferir autonomia, agilidade e eficiência operacional.

– Aperfeiçoar a governança e aumentar a segurança jurídica do sistema de apoio oficial às exportações. Concentrar na Câmara de Comércio Exterior (Camex) e no Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig) competências de formulação, supervisão e avaliação da política pública de financiamento à exportação, transferindo as competências de operacionalização aos operadores dos mecanismos. Possibilitar a definição de metas e indicadores de performance para os agentes que executam a política. Melhorar a interface entre a gestão do BNDES sobre as linhas de financiamento e as definições de políticas de apoio à exportação, definidas pela Camex.

– Reformar o funding da participação governamental no financiamento e equalização à exportação, ampliando fontes de custeio e assegurando previsibilidade, transparência e menor dependência orçamentária principalmente para o Proex equalização, por meio da criação de um fundo financeiro.

– Garantir a alocação de recursos estabelecidos em lei para comércio exterior no Proex financiamento e eliminar a limitação de acesso a usuários com faturamento inferior a R$ 600 milhões, o que possibilitará o atendimento a um número maior de empresas, com juros mais competitivos.

– Adotar medidas para ampliar o acesso de PMEs ao sistema de crédito oficial, por exemplo, flexibilizando exigência de garantias.

– Acelerar a adesão do Brasil ao Arranjo de Crédito Oficial em Apoio à Exportação, da OCDE. Participar ativamente das discussões sobre reforma do Arranjo da OCDE, inclusive pelas implicações sobre ESG e financiamento às exportações.

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2. Tributação do comércio exterior

– Manter a desoneração do ICMS nas exportações, prevista na Constituição Federal de 1988, e eliminar as limitações à utilização dos créditos acumulados pelos exportadores.

– Preservar o Reintegra e elevar sua alíquota para 3%, enquanto não houver uma reforma tributária ampla que elimine os resíduos tributários nas exportações.

– Simplificar e reduzir a carga tributária na importação de serviços, com a extinção da Cide-Remessas.

– Aprimorar a definição de exportação de serviços, com o objetivo de reduzir a insegurança jurídica e evitar a tributação indevida de ISS nas exportações.

– Aprimorar os regimes aduaneiros — drawback e recof/recof-Sped — com o fim de incluir serviços utilizados pela cadeia industrial exportadora.

3. Facilitação do comércio

– Concluir a implantação do Portal Único de Comércio Exterior com o novo processo de importação, a total integração dos órgãos anuentes e intervenientes e a implantação do pagamento centralizado de taxas, encargos e contribuições. Disponibilizar e manter atualizado, via Portal, a legislação aplicável ao comércio exterior do Brasil, adotada por qualquer agência ou órgão de governo.

– Instituir o marco legal do Operador Econômico Autorizado (OEA) e aperfeiçoar o programa com a integração de todos os órgãos e agências relevantes e ampliar os benefícios para as empresas certificadas. Concluir acordos de reconhecimento mútuo com mercados prioritários, como Estados Unidos e Argentina, União Europeia, e Reino Unido.

– Aperfeiçoar ou adotar modelos de gerenciamento de risco aduaneiro pelos órgãos anuentes e intervenientes do comércio exterior brasileiro, otimizando controles públicos e, ao mesmo tempo, reduzindo prazos e custos para usuários.

– Ampliar agenda de compromissos bilaterais e regionais de facilitação de comércio com mercados prioritários, tais como a Argentina, o Reino Unido e a Aliança do Pacífico. Viabilizar a rápida internalização e implementação dos acordos assinados. Aperfeiçoar e concluir mais acordos de cooperação aduaneira.

– Desburocratizar o comércio exterior em diversas frentes, de modo a:

a) desenvolver e assegurar a cooperação e coordenação entre órgãos públicos na fronteira;

b) assegurar a adoção de boas práticas regulatórias em todos os órgãos anuentes e intervenientes do comércio exterior brasileiro;

c) investir permanentemente em sistemas informatizados para controle das operações de comércio exterior, integrados ao Portal Único;

d) ampliar o número de órgãos que oferecem consultas antecipadas sobre operações de comércio exterior. Agilizar respostas;

e) adotar documentos eletrônicos internacionalmente reconhecidos, ampliar utilização de documentos natodigitais;

f) adotar novas tecnologias, como blockchain, para a agilizar trâmites aduaneiros e administrativos e para facilitar a cooperação aduaneira internacional;

g) seguir metodologia da Organização Mundial de Aduanas (OMA) e divulgar o tempo que a Receita Federal e demais anuentes levam para exercer os controles de sua competência (Time Release Study+).

4. Logística do comércio exterior

– Implementar o Programa de Janela Única Aquaviária, a fim de possibilitar o redesenho do fluxo de carga e trânsito aquaviário, a consolidação de um único sistema e o aprimoramento da gestão de risco por parte das autoridades portuárias e dos órgãos de fiscalização.

– Simplificar e reduzir as tarifas portuárias padronizando a estrutura de serviços básicos prestados pelos terminais de contêineres e eliminando a cobrança de tarifas abusivas.

– Desenvolver e implantar o Sistema de Comunidade Portuária (Port Community System). Reforçar o diálogo entre Antaq e setor privado no que diz respeito de atividades que afetem o comércio, aperfeiçoando a atuação da agência nessa área.

– Monitorar e divulgar estatísticas do comércio exterior brasileiro, ligadas ao transporte marítimo, incluindo, por exemplo, valores de frete de mercado para o transporte de contêineres e granéis, além de taxas, tarifas e cobranças associadas a exportações e importações. A consolidação e divulgação desses dados pela Antaq fomentará a concorrência e coibirá comportamentos abusivos no setor de navegação. Informações de qualidade sobre logística também devem subsidiar decisões públicas e privadas sobre investimentos em infraestrutura física para o comércio exterior.

5. Promoção às exportações

– Implementar um modelo de promoção comercial e atração de investimentos que conte coma governança estratégica dos setores público e privado e a coordenação da execução das ações pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – Apex-Brasil; e

– Fortalecer a imagem e posicionamento do Brasil por meio da implementação de um programa “marca-país”.

Integração internacional: abertura e competitividade

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As economias integradas ao mercado internacional tendem a ser mais competitivas. A integração internacional proporciona maior volume de vendas e, consequentemente, economias de escala, que reduzem o custo médio de produção. Adicionalmente, o ingresso aos mercados internacionais possibilita acesso a conhecimento sobre novos produtos, tecnologias, processos produtivos e tipos de negócios, ou seja, facilitam a pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a inovação.

Considerando sua posição na produção mundial, a economia brasileira – em especial a indústria brasileira – está aquém do seu potencial de participação no comércio internacional. Ainda mais preocupante é o fato de a participação do país no mercado internacional apresentar tendência de queda. Ademais, a pauta de exportação tem-se concentrado com perda de participação dos bens da Indústria de transformação, sobretudo dos setores mais intensivos em tecnologia.

A Indústria brasileira aumentou a inserção internacional nos últimos anos usando mais insumos importados, mas isso não se traduziu em aumento das exportações. A valorização da moeda doméstica e, principalmente, o Custo Brasil reduziram a competitividade das empresas brasileiras, resultando em um processo de integração internacional tímido, deixando o país praticamente fora das cadeias globais de valor.

O Brasil tem poucos acordos comerciais e de investimento. Exportações, importações e investimentos brasileiros no exterior estão aquém do tamanho da economia brasileira. As empresas brasileiras têm dificuldades, em razão do Custo Brasil, de competir com as empresas de outros países. O país tem poucos acordos comerciais e de investimento e possui tarifas de importação elevadas, em resposta à assimetria das condições de concorrência, devido ao Custo Brasil.

Um processo de integração internacional deve vir acompanhado da agenda pró-competitividade. Medidas isoladas para mais integração externa, sem estar acompanhadas de medidas para a redução do Custo Brasil e para o desenvolvimento industrial trarão resultados abaixo do esperado.

Tais políticas precisam ser transparentes, previsíveis e construídas com a participação do setor privado. Isso permitirá que as empresas façam os investimentos necessários e se adaptem ao novo ambiente, de modo a aproveitarem integralmente os benefícios da maior integração internacional.

As cadeias globais de valor pulverizaram as etapas produtivas. Elas estão espalhadas em diferentes regiões do planeta, com plantas especializadas em etapas específicas. Com isso, aumentam-se as oportunidades de economias de escala em cada elo da cadeia de valor. O bem final fica mais competitivo e mais empresas, de países diferentes, aproveitam- se dos ganhos relacionados ao desenvolvimento e à produção de um produto ou serviço.

Por fim, o ambiente competitivo do mercado internacional estimula as empresas a investirem no aumento de eficiência, em inovação de produto e processo. O resultado são empresas mais produtivas e mais competitivas.

DESAFIOS

Em 2020, segundo o Banco Mundial, a economia brasileira respondia por 1,7% do produto mundial e ocupava a 12ª. posição no ranking das maiores economias.

No entanto, no comércio mundial, a participação do Brasil está abaixo da estatura de sua economia. As exportações originárias do Brasil correspondem a 1,2% das exportações mundiais de bens, colocando o país na 26ª. posição entre os maiores países exportadores, segundo o World Trade Statistical Review 2021, da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em termos de importações, o Brasil ocupa a 29ª. posição, respondendo por 0,9% do total das importações mundiais de bens.

A indústria de transformação brasileira é a 14ª. do mundo, com 1,3% do valor adicionado mundial em 2020, segundo a United Nations Industrial Development Organization (UNIDO). A indústria brasileira chegou a se manter entre as dez maiores até meados dos anos 2010, mas vem perdendo posição desde meados dos anos 1990.

O país perdeu 1,38 pontos percentuais (p.p.) entre os anos 1994-2020. Em 2020, o Brasil foi ultrapassado pela Rússia e, se comparado com 2014 – ano em que esteve entre os dez maiores – o país perdeu quatro posições no ranking mundial.

No que diz respeito ao comércio exterior, a participação do Brasil nas exportações mundiais de bens da Indústria de transformação foi de 0,83% em 2019, o que o situa na 30ª. colocação no ranking dos maiores exportadores de bens da indústria de transformação. Segundo estimativas da CNI, em 2020, a participação deve ter caído para 0,78%, e o Brasil deve ter sido ultrapassado pela Indonésia, caindo para a 31ª. colocação.

Desse modo, considerando sua posição na produção mundial, a economia brasileira, em especial a indústria brasileira, deveria ter uma participação maior no comércio internacional. Ainda mais preocupante é o fato de a participação do país no mercado internacional apresentar tendência de queda. Além disso, a pauta de exportação tem-se concentrado, com perda de participação dos bens da indústria de transformação, sobretudo dos setores mais intensivos em tecnologia.

O comércio exterior brasileiro passou por uma concentração significativa nas duas últimas décadas. Os dados apontam que, nesse período, houve um forte aumento de participação de produtos da agropecuária e perda de participação de setores industriais de maior complexidade e intensidade tecnológica.

Observou-se uma tendência de desindustrialização das vendas externas brasileiras. A perda de participação da indústria na pauta exportadora, bem como sua concentração em setores mais tradicionais, preocupa por esse ser o setor que mais gera investimentos em P&D, arrecadação de tributos federais e de previdência patronal, além de pagar maiores salários e propiciar maior crescimento para a economia brasileira.

Na comparação com os países membros do Grupo dos 20 (G20)5, a diferença em pontos percentuais (p.p.) da concentração das vendas do Brasil ao exterior, nos dez principais produtos, aumentou quase dez vezes mais do que a média das maiores economias do mundo. No período de de 2002 a 2006 os dez principais produtos exportados respondiam, em média, por 28,1% do total. No período 2017-2020, o percentual saltou para 49,3%, ou seja, houve o aumento de 21,2 p.p. O resultado brasileiro é 9,2 vezes superior à média dos membros do G20 (aumento de 2,3 p.p.).

Entre os países do G20, apenas Brasil e Austrália apresentaram um desempenho dessa magnitude. O terceiro país com o maior crescimento da participação desses dez principais produtos, em relação ao total exportado, foi a Argentina, com 12,7 p.p., e o quarto foram os Estados Unidos com 3,5 p.p.

A concentração da pauta exportadora em poucos produtos aumenta a dependência do Brasil de ciclos de preços internacionais, especialmente pelo fato de a maior parte desses produtos de maior participação serem commodities. Tal dependência pode acarretar riscos para o desenvolvimento econômico do país.

Além disso, há maior incidência de barreiras e cotas tarifárias e de barreiras não tarifárias nas importações de commodities. Esses tipos de produtos têm enfrentado barreiras comerciais sanitárias ou fitossanitárias (SPS) e de cunho ambiental.

Um olhar mais detalhado dessa concentração nas exportações brasileiras permite notar três momentos distintos. Entre 1997 e 2004, houve uma redução de 3,2 p.p., de 30,1% para 26,9% na participação dos dez principais produtos nas exportações totais. Em seguida, registrou-se forte concentração da pauta até 2011, com a participação alcançando 46,9%, o que representa aumento de 20 p.p. em relação a 2004.

Por fim, após um período de instabilidade, notou-se um segundo forte aumento de concentração – de 2016 até 2020, ano em que o Brasil registrou a maior concentração da série histórica, de 54,1%, que representou uma variação de 24,1 p.p. em relação a 1997.

Essa concentração da orientação externa brasileira ocorre em paralelo ao espaço ocupado por países asiáticos no mundo nos últimos 10 anos, sobretudo pela China.

A concentração das vendas brasileiras ao exterior reflete a perda de importância relativa da indústria de transformação na pauta e o aumento de vendas de produtos do setor agropecuário e da indústria extrativa.

A participação da indústria de transformação nas vendas externas brasileiras reduziu-se de modo acentuado e quase ininterrupto: de 81%, em 1997, para 51%, em 2021, conforme gráfico a seguir. Em contraste, a participação do setor agropecuário e da indústria extrativa cresceram de 6% e 11%, em 1997, para 20% e 29%, em 2021, respectivamente.

A conjuntura internacional e a competitividade global dos produtos da agropecuária e da indústria extrativa podem explicar o aumento de participação desses setores nas exportações brasileiras. Os preços das commodities, segundo dados da Fundo Monetário Internacional (FMI), incluindo preços dos combustíveis, aumentaram consideravelmente a partir de meados de 2005 em diante.

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Por sua vez, a indústria brasileira vem sofrendo dificuldades por muitos anos em razão do Custo Brasil e, entre 2004 e 2010, devido à valorização do real. Adicionalmente, o crescimento da China como exportador de manufaturados deslocou o Brasil de mercados importantes, dado que a participação chinesa nas exportações de manufaturados cresceu aceleradamente entre 2004 (8%) e 2015 (18,20%).

A indústria de transformação não só perdeu espaço na pauta de exportação brasileira, como sua pauta também se concentrou na direção de setores tradicionais e menos intensivos em tecnologia. Esse movimento reflete a mudança na estrutura produtiva da Indústria de transformação brasileira, com a menor competitividade dos setores produtores de bens de capital e bens de consumo durável.

Ainda que a Indústria brasileira continue com um grau de diversificação setorial superior à média dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ela apresenta uma tendência de concentração nos últimos anos.

Segundo estudos realizados pela CNI, a indústria de transformação brasileira tornou-se menos diversificada a partir de 2014. Além disso, caminhou no sentido de se concentrar nos setores mais tradicionais. Esse grupo de setores que produzem, em geral, bens de consumo não-duráveis ou semiduráveis, de menor complexidade e de baixa intensidade tecnológica – aumentou sua participação na produção industrial de 25,56%, no biênio 2007/2018, para 35,04%, no biênio 2017/2018.

Os setores produtores de bens de consumo duráveis e de bens de capital perderam espaço na Indústria de Transformação brasileira. Sua participação caiu de 23,84%, no biênio 2007/2008, para 18,67%, no biênio 2017/2018. São setores que produzem bens mais complexos e que possuem maior intensidade tecnológica, tais como equipamentos de informática, produtos eletrônicos ,máquinas e aparelhos elétricos, veículos automotores e outros equipamentos de transporte.

Aparentemente, os problemas de competitividade enfrentados pela indústria de transformação brasileira afetam mais os setores que produzem bens mais complexos, mais intensivos em tecnologia. Esses setores são mais importantes para atrair investimentos em inovação e para estimular os demais setores da economia, ou seja, têm maior poder de alavancagem do crescimento econômico.

Tal tendência também se verifica nas vendas externas, ou seja, a pauta de exportação do Brasil tem perdido participação dos produtos com maior intensidade tecnológica.

Considerando a classificação de intensidade tecnológica da Fundação de Comércio Exterior (Funcex), a participação das vendas externas de bens industriais reduziu-se de 79,9%, em 2001, para 50,6%, em 2021.

Se por um lado, as exportações em valores nominais desses produtos apresentam uma leve tendência de queda desde 2012, por outro, os valores auferidos com as vendas de manufaturados com média-baixa e baixa intensidade tecnológica cresceram 37,8%. Já as vendas de bens não industriais cresceram 43,9% entre 2012 e 2021.

Em parte, a perda de participação de setores industriais nas exportações, especialmente aqueles mais intensivos em tecnologia, pode ser explicada pelo crescimento da demanda de commodities da agropecuária e de minerais por países asiáticos, sobretudo a China, que afetaram tanto a quantidade como os preços das exportações brasileiras desses produtos.

No entanto, não há como não considerar as dificuldades que a indústria brasileira tem atravessado nos últimos anos. Uma evidência adicional desse problema reside na perda de participação do Brasil no valor adicionado mundial da indústria de transformação.

Outro ponto de preocupação é o fato de o Brasil ter praticamente ficado fora das cadeias globais de valor. Ao longo dos últimos anos, o comércio internacional de bens e serviços têm-se organizado em Cadeias Globais de Valor (CGVs). A distribuição das fases de produção por diferentes países ou regiões é a principal característica desse tipo de arranjo, considerado um mecanismo importante de inserção internacional.

A posição do Brasil nas CGVs é, contudo, bastante diminuta. O país não desempenha papel relevante em inovação e controle, em processamento de exportações e tampouco nas vendas ao exterior de peças e componentes.

Como discutido, as exportações brasileiras dependem cada vez mais dos recursos naturais. Segundo estudos da CNI, com algumas exceções, o envolvimento do Brasil nas CGVs se concentra em hospedar filiais de empresas multinacionais em setores com alta intensidade tecnológica, que produzem para o mercado interno, como veículos automotivos, eletrônicos e energia elétrica.

A falta de exportações significa que a escala de produção no Brasil está abaixo do ideal, na comparação com outras grandes economias, e isso – juntamente com os elevados custos para importar e exportar, carga tributária elevada e complexa, logística ruim e custo geralmente alto para fazer negócios no país (o Custo Brasil) – leva a uma qualidade inferior dos produtos, preços mais altos para os consumidores, poucos incentivos para inovar e, consequentemente, dificuldade para entrar nos mercados internacionais.

Com a pandemia da covid-19, o processo de reorganização das cadeias globais, em busca de maior diversificação regional, tem aumentado. Tal movimento se apresenta como mais uma oportunidade para o Brasil entrar nas CGVs, que, para ser aproveitada, demanda políticas tanto para aumentar a integração comercial do país, como para reduzir o Custo Brasil. Adicionalmente, é fundamental uma agenda para atrair o investimento direto estrangeiro para o Brasil e facilitar o investimento brasileiro no exterior.

Vale ressaltar que o comércio entre partes relacionadas no mundo (non arm’s length) e o comércio intrafirma representam uma fatia grande e crescente do comércio internacional. Embora as estimativas quanto ao volume desse comércio sejam distintas, o World Economic Forum aponta que até 80% do comércio mundial sejam realizados pelas empresas multinacionais.

Nas últimas décadas, o Brasil se consolidou como um grande receptor de investimentos estrangeiros diretos (IED). O país também teve momentos de maior protagonismo como investidor mundial, mas perdeu muito o fôlego nessa atividade.

Desde o triênio 2009-2011, o Brasil sempre esteve entre os dez principais países receptores de investimentos estrangeiros. Entre 2012 e 2014, teve seu melhor desempenho (quinto lugar) e mesmo sem um crescimento expressivo da economia, manteve-se em sétimo lugar entre 2018 e 2020.

Se, por um lado, a entrada de investimentos teve destaque e ganhou posições, o Brasil não avançou como exportador nem de bens, nem de serviços. Ao contrário, desde o triênio de 2009-2012 o país perdeu posições e caiu de 22º. para 27º., como maior exportador mundial de bens e de 30º. para 37º., como maior exportador de serviços.

Essa queda demonstra que os investimentos externos têm entrado no Brasil mais com o intuito de reforçar a posição no mercado doméstico do que com o intuito de inovar ou exportar.

No caso de investimentos brasileiros no exterior, a posição do Brasil é frágil. Entre os países do G-20, o Brasil ocupa a posição de 18º. maior investidor no período de 2005 a 2020, à frente apenas de Argentina e Turquia (contando a UE como um membro). Mais impactante, o fluxo de investimentos brasileiros no exterior nesse período foi um terço do mexicano, um quarto do indiano e um nono do coreano.

Há uma disparidade evidente da posição do Brasil como receptor de investimentos e das empresas brasileiras como investidoras no exterior. E dois pontos chamam a atenção nesse diagnóstico. O primeiro, que o Brasil recebe um volume grande de investimentos estrangeiros, mas este não é direcionado para as exportações, e sim para a venda no mercado doméstico, fato que demonstra o afastamento do Brasil das cadeias internacionais. O segundo, que as empresas brasileiras investem pouco no exterior, o que lhes retira a capacidade de maior integração internacional e comando de cadeias produtivas.

Dessa forma, para uma inserção internacional mais competitiva da indústria, é necessário destravar políticas para receber investimentos e, principalmente, para realizar investimentos no exterior. Apesar de suas políticas bem-sucedidas de atração de investimentos estrangeiros, essas empresas devem olhar para fora do Brasil, não apenas para as exportações, mas também para os investimentos no exterior, almejando uma expansão global e uma inserção sustentável nas cadeias globais de valor.

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PROPOSTAS

1. Trabalhar para a reforma da OMC de modo a:

a) garantir a restauração do Órgão de Apelação;

b) aumentar a transparência em empresas estatais;

c) combater os subsídios distorcivos;

d) celebrar acordos plurilaterais.

2. Aderir ao Acordo de Compras Governamentais (ACG) da OMC, considerando que:

a) seja apresentada uma oferta equilibrada e em linha com os demais países membros;

b) não inclua “entidades subcentrais” (governos estaduais e municipais);

c) exclua da oferta inicial as aquisições municipais realizadas com fundos federais;

d) mantenha a possibilidade de uso de qualquer condição ou exigência que encoraje o desenvolvimento local ou promova o balanço de pagamentos de um país, bem como demais flexibilidades previstas no ACG para países em desenvolvimento.

3. Revitalizar a agenda econômica e comercial do Mercosul, avançando nos seguintes temas:

a) inclusão do setor de açúcar e automotivo no regime de livre comércio do bloco;

b) eliminação de medidas de administração de importações, que constituam barreiras ao comércio intrabloco;

c) aprofundamento do acesso a mercados de serviços, alinhando as regras no bloco aos compromissos assumidos no Acordo Mercosul-União Europeia;

d) internalização do Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul e do Acordo de Facilitação de Comércio do Mercosul, que tramitam no Congresso Nacional; e

e) fortalecimento do sistema de soluções de controvérsias, garantindo maior previsibilidade e transparência ao Tribunal do Mercosul, incentivando seu uso pelos países sócios do bloco e pelo setor privado.

4. Ampliar os acordos comerciais na América Latina, avançando nos tópicos:

a) conclusão das negociações de um acordo de livre comércio entre Brasil e México. Recomenda-se uma abordagem gradual, mediante a ampliação da oferta de bens dos acordos existentes e negociações de outras disciplinas comerciais;

b) lançamento de negociações de livre comércio com países da América Central e Caribe;

c) internalização do Acordo de Ampliação Econômico-Comercial Brasil-Peru, que aguarda ratificação do governo peruano; e

d) internalização do Protocolo de Serviços Mercosul-Colômbia.

5. Investir em acordos com mercados estratégicos para o país, avançando nos seguintes temas:

a) internalização os acordos de livre comércio celebrados pelo Mercosul com a União Europeia e com o EFTA. Com suas negociações concluídas em 2019, o texto desses acordos permanece em revisão jurídica;

b) retomada das rodadas negociadores do acordo comercial entre Mercosul e Canadá;

c) lançamento das negociações para um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e o Reino Unido, utilizando como referência os compromissos assumidos no acordo entre Mercosul e União Europeia;

d) implementação do protocolo relativo ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica Brasil-Estados Unidos;

e) início do diálogo exploratório com países do norte da África, como Argélia, Marrocos, Nigéria e Tunísia), com vistas a acordos de livre comércio;

f) aprofundamento dos acordos comerciais do Mercosul com Egito e União Aduaneira da África Austral (SACU), sobretudo com relação aos compromissos de acesso a mercados e de temas regulatórios.

6. Ampliar e aperfeiçoar a rede brasileira de acordos de cooperação e facilitação de investimentos (ACFIs), seguindo as melhores práticas mundiais.

7. Adotar as melhores práticas da OCDE para tributação de CFCs (Controlled Foreign Entities) até a adoção das melhores práticas. Recomenda-se a ampliação do prazo de concessão do crédito presumido e da consolidação de resultados.

8. Ampliar e aperfeiçoar a rede de acordos para evitar a dupla tributação (ADTs), seguindo o Modelo de Convenção da OCDE.

9. Convergir as regras de Preços de Transferência do Brasil aos padrões e práticas internacionais, mediante a adoção, em lei, do “princípio arm’s length” (ALP).

10. Fortalecer o combate às práticas de dumping e aos subsídios industriais em terceiros mercados, através de:

a) adoção da prática de investigações ex officio pelo país, a exemplo da União Europeia, quando houver indícios de danos à indústria nacional causada por subsídios concedidos em terceiros países; b) adoção da prática de aplicação de medidas compensatórias simultaneamente à aplicação de medidas antidumping, dentro do previsto e permitido nas regras multilaterais, para reforçar o combate às práticas desleais de comércio;

c) revogação das Portarias 151, 152 e 153, de 26 de novembro de 2021, referentes aos processos de revisão de medidas antidumping em vigor, que possuem metodologias que extrapolam aquelas previstas no Decreto 8.058/2013, o que dificulta o processo de renovação de medidas antidumping nos processos de revisão de final de período;

d) utilização da melhor informação disponível nos casos em que os exportadores não cooperem com a investigação de defesa comercial, conforme previsto no Acordo Antidumping, praticado pelas grandes economias;

e) melhoria do acesso das indústrias fragmentadas aos instrumentos de defesa comercial, por meio da edição de portaria regulamentando procedimentos para habilitação de indústrias fragmentadas, conforme previsto no Decreto 9.107 de 2017.

11. Aprimorar o sistema de avaliação de interesse público, para que se torne excepcional e equilibrado, por meio da:

a) eliminação da obrigatoriedade de abertura de um processo de interesse público nas investigações originais de defesa comercial;

b) eliminação da possibilidade de solicitação de abertura de investigações de interesse público por parte de governos e exportadores/produtores estrangeiros, já que o processo diz respeito apenas ao conjunto dos interesses nacionais; e

c) extinção de critérios de análise de interesse público alheios à avaliação de impacto econômico como, por exemplo, a existência de barreiras tarifárias ou não tarifárias para determinado produto, uma vez que o processo não guarda nenhuma relação direta com o objetivo de medidas de defesa comercial, as quais buscam remediar os efeitos de práticas desleais de mercado.

12. Combater as práticas de economias de não mercado, causadoras de danos à indústria doméstica, por meio de:

a) não reconhecimento da China ou do Vietnã como economias de mercado, para fins de investigação de defesa comercial;

b) não concessão de preferências comerciais ou celebração de acordos de livre- comércio com países que não sejam economias predominantemente de mercado; e

c) redução do ônus excessivo para os peticionários de medidas de defesa comercial, que têm dificuldades em obter informações sobre distorções presentes na China.

13. Atualizar os instrumentos de salvaguardas globais e bilaterais, por meio da:

a) publicação de um novo Decreto de Salvaguardas, de modo a facilitar o uso do instrumento, tornar a análise mais célere e a utilização do instrumento mais eficaz, diante de casos de dano grave ocasionado à indústria doméstica. O novo decreto deve conter:

• prazo maior para complementação de informações ou correções na petição pelo setor empresarial, evitando indeferimento automático e reinício do procedimento;

• exigência expressa de motivação nas determinações finais negativas pelo governo e, como medida de transparência e segurança jurídica, indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que levaram ao indeferimento;

• retirada de previsão legal do Decreto 1.488 de 1995, que prevê definição mais restritiva do que aquela prevista pelo Acordo sobre Salvaguardas da OMC sobre representatividade, ou seja, o universo de empresas que podem pleitear a abertura de investigação de salvaguarda;

• previsão expressa de flexibilidade para apresentação de dados pelas indústrias fragmentadas na petição inicial, em linha com o Decreto 9.107/2017; e

• exclusão da possibilidade de suspensão de salvaguardas globais ou salvaguardas preferenciais, por razões de interesse público.

b) Publicação de regras específicas para salvaguardas preferenciais, aplicadas no âmbito de acordos de livre-comércio.

14. Aprimorar a interlocução entre o setor privado e as autoridades brasileiras, para a identificação e combate às práticas ilegais de comércio, por meio da:

a) disponibilização de um canal para que a indústria e a sociedade civil possam denunciar e apresentar indícios de fraudes de diversas espécies nos trâmites aduaneiros; e

b) aprimoramento do sistema público, capaz de viabilizar o acesso à informação em tempo real sobre importações de determinados produtos. É importante que sejam disponibilizadas informações por tipo de produto, destacando: NCM, descrição da mercadoria, origem, quantidade, valor, classificações fiscais e unidades de entrada/saída e de despacho do bem.

15. Conceber e implementar uma estratégia nacional para a superação de barreiras, que inclua:

a) um Comitê de Barreiras Comerciais e aos Investimentos na Camex, com a participação do setor privado, que reporte suas atividades, com periodicidade predefinida, para o Conselho de Ministros da Camex;

b) melhorias na governança do Sistema Eletrônico de Monitoramento de Barreiras (SEM Barreiras). É necessária, por exemplo, a participação plena do Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Economia, Ministério da Agricultura, Anvisa e Inmetro no SEM Barreiras;

c) amplo engajamento de embaixadas e consulados brasileiros no exterior, da Apex-Brasil, de associações setoriais, de empresas exportadoras e de ministérios competentes;

d) publicação de relatório anual, reportando barreiras identificadas e medidas tomadas para superá-las, inspirando-se na experiência dos EUA e da União Europeia. O relatório deve conter uma análise específica sobre a concessão de subsídios industriais distorcivos, sobretudo em economias de não mercado;

e) engajamento ativo nas discussões ambientais e climáticas no âmbito internacional, em especial quanto a potenciais medidas unilaterais, que possam se tornar barreiras comerciais.

16. Aprimorar a lei brasileira de expatriação de mão de obra, por meio da aprovação do Projeto de Lei 3.801/2019.

Desenvolvimento regional: crescimento para todos

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Quando se trata de desenvolvimento regional, é forçoso reconhecer que o Brasil é, notadamente, um país repleto de desigualdades. Problema tão grave quanto esse reconhecimento é a identificação de que os desequilíbrios regionais persistem ao longo do tempo. As dimensões do território brasileiro, inegavelmente, contribuem para essa desigualdade, mas decerto não justificam sua amplitude e persistência. Dessa forma, desconsiderar a desigualdade regional é contribuir para a permanência dos bolsões de pobreza nas regiões menos desenvolvidas do país.

Nesse sentido, o desenvolvimento regional se torna uma questão crucial para a aceleração do crescimento econômico, tendo em vista que as desigualdades travam avanços mais significativos na economia nacional. As especificidades regionais, que, muitas vezes, são raízes dos profundos desequilíbrios, podem— e devem – ser exploradas, transformando-se em oportunidades para obter avanços mais significativos.

A redução desses desequilíbrios somente ocorrerá com a implementação de políticas claras, fortes e sustentáveis de desenvolvimento regional. As desigualdades permanecem grandes, e a velocidade de convergência entre elas é bastante insatisfatória. Grande parte desse cenário desfavorável se deve à fragilidade das instituições que representam e promovem a redução dos desequilíbrios entre as regiões.

Nesse sentido, é necessário conferir caráter sistêmico à Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR II). A PNDR II deve ser, acima de tudo, uma Política Nacional de Estado, capaz de articular e dar nexo e consistência às iniciativas regionais e territoriais, garantindo a integração nacional. Para que isso ocorra, seus vários instrumentos devem ser aprimorados, com destaque para as agendas tributária e de financiamento.

Também é imprescindível conferir às regiões menos desenvolvidas condições que reduzam a percepção de risco mais elevado e aumentem as taxas de retorno do investimento. Nesse sentido, é preciso superar as deficiências históricas de infraestrutura e de qualificação de mão de obra em regiões como Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

O desafio de manter o crescimento econômico sustentável é permanente e impõe a necessidade de fortalecer as ações de consolidação do desenvolvimento regional e de combate às desigualdades.

Na frente tributária, é necessária a reforma da tributação sobre consumo, com criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional e manutenção do tratamento favorecido da Zona Franca de Manaus, em conjunto com a renovação dos prazos dos incentivos fiscais (no IRPJ) em projetos no âmbito da Sudam e da Sudene.

No âmbito de financiamento, propõe-se o aumento da efetividade dos mecanismos de financiamento que objetivam contribuir para o desenvolvimento econômico e social das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

No campo de meio ambiente e infraestrutura, a proposta é de ampliação e modernização da infraestrutura logística e energética das regiões menos desenvolvidas, com aproveitamento de potencialidades regionais em fontes alternativas de energia.

A redução das disparidades regionais e das desigualdades sociais é fator decisivo para a elevação do ritmo de crescimento econômico. O aumento do mercado regional induz a instalação de novas empresas nas regiões menos desenvolvidas, fazendo com que o potencial e a diversidade das regiões sejam aproveitados e dinamizados.

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DESAFIOS

A desigualdade regional brasileira tem suas raízes na polarização socioeconômica sob a qual o país constituiu-se desde o período colonial. Esse processo de crescimento isolado e desequilibrado acentuou-se, a partir da década de 1930, com o avanço industrial concentrado na região Sudeste, em particular em São Paulo, o que aprofundou ainda mais a desigualdade entre as regiões.

Sustentado em um “projeto nacional desenvolvimentista”, o país buscou uma mudança dessa configuração com políticas voltadas ao desenvolvimento regional nas décadas de 1950 e 1960, mediante a criação das superintendências de desenvolvimento regional (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – Sudam e Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste – Sudeco) e dos bancos regionais (Banco do Nordeste – BNB e Banco da Amazônia – BASA), responsáveis pela administração da receita da União que seria destinada ao investimento nas regiões menos favorecidas.

Todavia, em função da crise econômica enfrentada pelo país, a partir da década de 1980, o projeto foi abandonado e o processo de desconcentração foi interrompido, com o fim das superintendências de desenvolvimento regional.

Ao fim da década de 1980, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, consagrou- se, no inciso III do seu art. 3o, a redução das desigualdades regionais como um dos objetivos fundamentais. Além disso, entre os princípios gerais da atividade econômica indicados no art. 170 da Constituição, está a preocupação com as elevadas disparidades regionais. Já no inciso I do art. 151, o texto constitucional admite o uso de incentivos fiscais para promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país. Assim, a Constituição Federal registra o desejo de promover a redução das desigualdades regionais que marcam a formação econômica do Brasil, admitindo, para isso, a implementação de políticas que se coadunam com esse objetivo.

Apesar dos marcos na Constituição Federal – e a despeito de todos os apontamentos sobre a importância da redução dos desequilíbrios regionais para o crescimento e o desenvolvimento do país – a questão continuou à margem das políticas públicas, em termos de relevância e prioridade, dado que as políticas de desenvolvimento regional ocorriam de forma tímida e desarticulada.

A falta de uma clara e efetiva política de desenvolvimento regional, a exiguidade de recursos e uma governança, por muitas vezes, precária abriu espaço para mecanismos alternativos de incentivos como ferramenta de atratividade ao capital privado para geração de emprego e renda. Dessa forma, os estados criaram políticas de atração de investimentos com base em incentivos, consubstanciadas, principalmente, no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).

A prática acabou gerando a tão prejudicial “guerra fiscal”, que não teve o efeito esperado para o desenvolvimento das regiões mais pobres, distanciando estados e municípios de um ideal cooperativo, capaz de viabilizar um país nacionalmente integrado. Além disso, a “guerra fiscal” aplica-se a todos os estados, resultando na concessão de incentivos inclusive pelos estados mais ricos e reduzindo o efeito dos incentivos concedidos pelos estados mais pobres.

Embora as tentativas de mudança nesse cenário tenham avançado, com a recriação das superintendências de desenvolvimento regional, em 2007, os resultados ainda se mostram aquém do esperado. Sem a revisão de suas institucionalidades e sem provê-las de mecanismos capazes de promover as transformações necessárias, elas continuarão sem mostrar efetividade.

A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) também avançou. Uma nova política integradora foi debatida exaustivamente nas várias instâncias governamentais. Como resultado, foi lançada, em novembro de 2013, a nova Política Nacional de Desenvolvimento Nacional (PNDR II). Apesar das importantes contribuições quanto aos princípios para a condução de políticas de desenvolvimento regional no país, a PNDR II ainda carece de aperfeiçoamentos, que permitam sua efetiva implementação.

O desenvolvimento regional deve ser uma política de Estado, sempre em interlocução com o setor privado. Sem uma orientação estratégica definida, sem mecanismos de articulação e coordenação legítimos e estruturados, capazes de assegurar a sinergia e a complementariedade de programas e projetos, e sem o fortalecimento da governança local, não será possível avançar, de forma equilibrada e sustentável, na redução dos desequilíbrios regionais.

Esse é um projeto inadiável. Quanto mais distante se coloca a priorização de uma política sistêmica, socialmente inclusiva e ambientalmente responsável, que estimule o desenvolvimento, a competitividade das regiões e a integração nacional econômica, mais entraves o Brasil enfrentará para seu crescimento e desenvolvimento mais acelerado e menos oportunidades serão aproveitadas, a partir de potencialidades locais.

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PROPOSTAS

1. Reformar, de forma ampla, a tributação sobre o consumo.

Uma reforma tributária ampla do consumo, para fins de desenvolvimento regional, deve:

a) Prever a manutenção da Zona Franca de Manaus. Em uma Reforma Tributária ampla do consumo, é necessário que o tratamento tributário diferenciado, concedido à Zona Franca de Manaus (ZFM), seja mantido no novo sistema;

b) Criar o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), a ser inserido no novo modelo tributário, deve ter o objetivo de reduzir as desigualdades regionais, sendo custeado por percentual da arrecadação do IVA subnacional, de competência dos estados e municípios. Esses recursos devem ser aplicados, majoritariamente, no fomento direto a atividades produtivas e na infraestrutura econômica;

c) Adotar o princípio do destino, característica essencial no novo modelo de tributação do consumo, em que a tributação se dá no local de consumo do bem ou do serviço, e com isso inibe a possibilidade de “guerra fiscal” entre os estados e entre os municípios;

d) Prever período adequado de transição, uma vez que migração do atual sistema tributário para o novo sistema é naturalmente complexa. É imprescindível que haja um período de transição entre os dois modelos, prevendo uma migração gradativa, durante a qual os atuais incentivos tributários, especialmente de ICMS, serão preservados.

2. Renovar o prazo dos incentivos fiscais de redução de 75% do IRPJ e reinvestimento até 2028.

A Medida Provisória 2.199-14 prevê a concessão de incentivos, até 31 de dezembro de 2023, para as empresas com projeto protocolizado e aprovado para instalação, ampliação, modernização ou diversificação, enquadrado em setores da economia considerados prioritários para o desenvolvimento regional nas áreas de atuação da Sudene e da Sudam. São eles:

a) redução de 75% do imposto sobre a renda e adicionais (IRPJ), calculados com base no lucro da exploração;

b) depósito, no Banco do Nordeste do Brasil S.A. e no Banco da Amazônia S.A., para reinvestimento, de 30% do valor do IRPJ devido pelos referidos empreendimentos, calculados sobre o lucro da exploração, acrescido de 50% de recursos próprios. Esses recursos deverão ser reinvestidos em projetos de modernização ou complementação de equipamento até 2023.

3. Aumentar a efetividade dos mecanismos de financiamento que objetivam contribuir para o desenvolvimento econômico e social das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio da oferta de crédito e aumento da capilaridade do sistema financeiro. Para isso, propõe-se:

a) ampliar e aperfeiçoar iniciativas de financiamento voltadas às micro e pequenas empresas (MPEs);

b) ampliar iniciativas de financiamento, com o objetivo de estimular a inovação, o desenvolvimento sustentável e o uso sustentável da biodiversidade;

c) promover a articulação das instituições financeiras operadoras dos Fundos Constitucionais de Financiamento com os demais agentes nacionais ofertantes de crédito, de forma a otimizar a oferta de crédito de longo prazo incentivado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; e

d) aumentar o acesso das regiões mais pobres aos recursos de bancos internacionais de fomento ao desenvolvimento.

4. Ampliar e modernizar a infraestrutura das regiões menos desenvolvidas do Brasil, com foco nas seguintes frentes de atuação:

a) Ampliar e diversificar a matriz energética, com aproveitamento de fontes alternativas de energia disponíveis nas regiões, tais como: eólica (com a expansão das redes de transmissão e das subestações), solar e gás natural (com a expansão de dutovias);

b) viabilizar o uso da malha ferroviária, por meio da reativação de linhas férreas que estão ociosas ou abandonadas. Caberá ao governo federal dar agilidade ao processo de caducidade, devolução e destinação dos trechos ociosos e abandonados;

c) implantar e/ou melhorar sistemas de transportes aquaviários nas regiões com ampla disponibilidade de hidrovias, com ênfase na exploração privada, a partir de investimentos em sinalização, segurança, derrocagem e dragagem nas vias navegáveis;

d) Concluir as obras complementares da Transposição do Rio São Francisco;

Programa de Parceria de Investimentos (PPI)

e) Manter e fortalecer uma Unidade Estruturadora de Projetos de Infraestrutura vinculada à Presidência da República, visando apoiar o planejamento público no sentido de avançar no processo de transferência de ativos ao setor privado.

5. Elaborar o planejamento estratégico da produção de Hidrogênio Verde, a partir de estudos de demanda e oferta existente e das potencialidades regionais, considerando o planejamento energético nacional.

6. Articular a integração do Sistema Nacional de Controle de Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), juntamente com outras ferramentas de rastreabilidade, de forma a fortalecer a exploração legal da atividade madeireira.

7. Reavaliar os instrumentos da PNDR, verificando-se o papel e a relevância de cada um em relação ao que se propõe e/ou se espera deles e efetivando sua integração e articulação, impulsionando melhorias e dinamização. Para isso, a reformulação da Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento regional deve avançar de forma que se torne ativa e constante;

8. Debater periodicamente a PNDR, com participação dos entes federados (União, estados e municípios), setor privado e sociedade civil. Para isso, o Sistema de Governança do Desenvolvimento Regional deve ser estruturado;

9. Ampliar a participação empresarial nos Fóruns da PNDR;

10. Considerar boas práticas de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa) quando da concessão de incentivos e financiamentos, instrumentos da PNDR;

11. Institucionalizar práticas de monitoramento e avaliação das políticas de desenvolvimento regional, com ampliação da disponibilidade de indicadores, informações e estudos consolidados de forma integrada, por meio da estruturação do Sistema Nacional de Informações do Desenvolvimento Regional e do efetivo funcionamento do Núcleo de Inteligência regional no âmbito do MDR;

12. Capacitar, continuamente, os corpos técnicos dos entes federados, com o objetivo de habilitá-los a formular, implementar, monitorar e executar políticas públicas de desenvolvimento regional;

13. Atualizar e aprovar os Planos Regionais de Desenvolvimento para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Projetos de Lei 6161, 6162 e 6163, todos de 2019 – de autoria do Poder Executivo), para que atuem de forma coordenada com o Plano Plurianual (PPA), com os planos sub-regionais e com a própria PNDR;

14. Mobilizar a governança regional, a fim de rever a lógica de orientação setorial dos programas do governo federal. É preciso uma revisão dessa estratégia, com o objetivo de contemplar também a lógica das diferenças regionais e das necessidades estratégicas dos diferentes arranjos produtivos na sua formulação;

15. Promover consórcios e associativismos entre os municípios, de forma que possam planejar e executar agendas comuns; e

16. Estimular o compartilhamento de bens de capital entre os municípios, para otimizar o uso dos recursos disponíveis.

Energia: combustível do crescimento

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A indústria é o setor da economia mais sensível ao preço dos insumos energéticos, devido à elevada participação da energia no custo total de produção. Como produtora de bens transacionados internacionalmente, a indústria também é mais sensível a esses custos do que os serviços que não enfrentam concorrência internacional.

A competitividade da Indústria brasileira tem sido comprometida pelo elevado custo dos insumos energéticos. A comparação entre os preços correntes no Brasil com os praticados nos países que concorrem com nossa indústria mostra que os custos do gás natural e da energia elétrica (no mercado regulado) estão muito elevados.

O arcabouço regulatório do setor elétrico se encontra desatualizado. O setor atravessa uma grande transformação tecnológica, com a difusão de fontes renováveis e de tecnologias, que permitem papel ativo dos consumidores. Essa transformação exige mudanças estruturais no modelo de organização por meio de uma reforma setorial profunda.

No setor de gás natural, os desafios para o aumento da competitividade são efetivar a reforma estrutural e regulatória, visando permitir a introdução da concorrência e o aproveitamento do potencial produtivo do pré-sal. O Programa Novo Mercado de Gás traça um diagnóstico adequado dos desafios regulatórios a serem superados. Com a aprovação da Lei 14.134/21 (Nova Lei do Gás), foram dados passos importantes para a liberalização do mercado de gás.

O grande desafio neste momento é implementar as decisões regulatórias já tomadas.

É necessário revisar o arcabouço regulatório da ANP e reestruturar o setor, com a venda de ativos da Petrobras e a redução, por meio de medidas regulatórias, da concentração de mercado.

A energia é um dos principais insumos da indústria brasileira, razão pela qual sua disponibilidade e preço são determinantes fundamentais para a competitividade da produção industrial nacional.

O Brasil possui matriz energética diversificada, sendo que a participação de fontes renováveis representa mais de três vezes a média mundial. Em 2020, as fontes renováveis foram responsáveis por 48,4% da oferta interna de energia. O indicador é superior à média mundial (13,8%) e ao verificado nos países da OCDE (11%) (EPE, 2021). De acordo com o Balanço Energético Nacional, em 2020, a indústria representou 32,1% do consumo final de energia no Brasil, primeira posição no consumo energético. Entretanto, a competitividade da indústria requer o enfrentamento de obstáculos relacionados ao suprimento e ao custo dos combustíveis.

A disponibilidade, o preço e a qualidade do suprimento de energia determinam a competitividade de muitos subsetores industriais. As economias que melhor se posicionam quanto à disponibilidade de recursos energéticos a preços competitivos desenvolvem vantagens comparativas produtivas. Essa questão se apresenta para o Brasil, a um só tempo, como oportunidade e desafio.

De acordo com o Balanço Energético Nacional 2021, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o setor industrial apresentou o maior consumo de energia em 2020 – com 32,1% de participação – seguido pelos setores de transportes (31,2%), energético (11,2%), residencial (10,8%), agropecuário (5,1%), serviços (4,7%) e uso não energético (4,9%). Justamente por ser a maior consumidora, a indústria nacional enfrenta desafios relacionados ao suprimento e ao custo dos combustíveis.

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As principais fontes energéticas utilizadas pelo setor industrial são a energia elétrica, o gás natural e, em menor volume, o óleo combustível e o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). A evolução dos preços destes energéticos afeta a competitividade da indústria nacional.

Essa perda de competitividade se reflete na queda da participação do país no valor adicionado da indústria de transformação mundial. Esse indicador vem apresentando queda desde 2010, (equivalente a 2,04%), chegando a 1,32% em 2020 (CNI, 2021). O país se posicionou em etapas iniciais e menos dinâmicas do comércio internacional e, com a fragmentação produtiva, acabou perdendo espaço de mercado em bens manufaturados mais sofisticados. Tal perda ocorreu em diferentes setores, tais como máquinas e equipamentos; química e petroquímica; automobilística e transporte; farmacêutica; material elétrico; informática; e eletrônica.

Diferentes fatores podem explicar a perda de competitividade da indústria brasileira, tais como o diferencial de custos de mão de obra, escala de produção, câmbio, custo da energia, incentivos governamentais, investimentos e capacitação. Tais fatores, impõem grandes desafios na articulação do país para responder às transformações das cadeias produtivas.

À medida em que o país se posiciona nas etapas iniciais das cadeias produtivas (com maior intensidade energética), o custo da energia adquire maior relevância na determinação da competitividade industrial.

No Brasil, os grandes consumidores industriais migraram para o Ambiente de Contratação Livre (ACL) de energia elétrica, devido aos menores preços. Apenas os pequenos consumidores industriais permanecem no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), pagando o preço do mercado cativo, regulado pela Aneel.

Uma análise realizada entre os dez maiores exportadores para o Brasil em 2019 demonstra que o consumidor industrial brasileiro que comprou energia elétrica no mercado regulado (ACR) pagou a segunda tarifa mais elevada entre os países analisados. Já a indústria de grande porte, que comprou eletricidade no mercado livre brasileiro (ACL), pagou a segunda tarifa mais baixa entre os países analisados – 62% mais barata, quando comparada à tarifa praticada no mercado regulado brasileiro.

Entre os oito países analisados, Itália, Japão e Alemanha apresentam os preços mais elevados, sendo que apenas Itália tinha uma tarifa maior do que a praticada no mercado cativo do Brasil. Já os Estados Unidos apresentaram o preço mais baixo. Dessa forma, fica claro que as indústrias de menor porte no país, que compram energia no mercado cativo, apresentam o maior problema de competitividade no que tange à energia elétrica.

Atualmente, dois Projetos de Lei sobre o tema tramitam no Congresso. O PL 414/2021 prevê que todos os consumidores poderão negociar energia, de forma livre, com os geradores e comercializadores, sem a necessidade de intermediação de uma distribuidora, em até três anos e meio após a sanção da Lei. Já o PL 1.917/2015 determina que essa liberação deva ser feita em até seis anos.

A desvantagem da indústria brasileira quanto ao custo do gás natural é ainda maior do que no caso da energia elétrica. A comparação com os dez países que mais exportaram produtos industriais para o Brasil em 2019 demonstra que o país apresentou o preço mais elevado em relação às nações analisadas.

A carga tributária sobre o gás natural no Brasil é mais elevada (24%) que a de seus concorrentes, o que contribui para deteriorar a competitividade da indústria nacional. Entre os países analisados, Japão e Coreia não taxam o gás natural para o consumidor industrial, sendo que os países que tributam adotam uma carga tributária bem mais baixa que a do Brasil.

Ao analisar o preço do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) industrial no Brasil com países europeus e o Japão, que tradicionalmente possuem preços de energia mais elevados, o Brasil não se encontra bem-posicionado.

A comparação evidencia os preços elevados do GLP para o consumidor industrial brasileiro. Além da carga tributária, a falta de concorrência no mercado é um dos fatores que prejudica a indústria nacional. A concentração do mercado na Petrobras6, aliada às fortes barreiras à entrada de novos produtores e importadores de GLP, faz com que a venda do produto no país seja feita a preços mais elevados do que os praticados no mercado internacional.

A falta de competição na produção e importação e a fraca infraestrutura de distribuição do GLP fazem com que as margens sejam elevadas, principalmente nos estados com baixa demanda por GLP industrial, contribuindo assim para que o Brasil possua um dos maiores preços para a indústria.

A dinâmica apontada para o mercado de GLP se repete ainda no mercado de óleo combustível. No Brasil, onde os preços praticados estão muito acima dos de países analisados. Desde 2014, quando o preço do petróleo caiu no mercado internacional, os preços praticados nas refinarias da Petrobras se mantiveram elevados.

O Brasil tem a maior carga tributária entre os países selecionados, ao se comparar o preço do óleo combustível para o consumidor industrial, destacados os tributos. Os preços verificados na América do Norte – e mesmo na Coreia, país não produtor – foram menores do que o produto brasileiro, em 2018. Vale notar que, como no Brasil, os preços do óleo combustível também são livres nos Estados Unidos. Assim, o diferencial de preços se explica, basicamente, pelo maior grau de competição no mercado final e pela menor carga tributária daquele país.

A concentração da oferta no Brasil faz com que os preços do óleo combustível sejam mais elevados do que em outros países, ainda que o país seja um exportador. Ou seja, a falta de concorrência viabiliza que a Petrobras venda óleo combustível mais barato no mercado externo do que no mercado interno, o que prejudica a competitividade dos setores industriais que utilizam esse energético como insumo.

Nesse cenário, podemos concluir que os preços elevados e a eficiência energética no Brasil constituem barreiras importantes para a competitividade da indústria brasileira. A análise dos últimos anos indica que o problema tem-se agravado com o aumento de preços e a perda de eficiência no uso da energia na indústria. Reverter essas tendências é essencial para recuperar a dinâmica industrial do país. É fundamental a discussão e a implementação de uma agenda para a competitividade energética na indústria brasileira.

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PROPOSTAS

1. Modernizar o setor para reduzir os custos e aumentar a competitividade, pela implementação dos seguintes itens:

a) redução gradual dos requisitos de carga e de tensão, para que o consumidor possa escolher seu fornecedor de energia elétrica;

b) criação da figura do agente varejista;

c) mitigação dos riscos das distribuidoras e geradores, com a expansão do mercado livre por meio da:

• criação de um mecanismo de descontratação voluntária e concorrencial de energia elétrica, destinada ao mercado regulado;

• os novos consumidores livres deverão pagar, mediante encargo tarifário cobrado na proporção do consumo de energia elétrica, os custos remanescentes das operações financeiras contratadas para atender à finalidade de modicidade tarifária; e

• os resultados das operações das concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica, com excesso involuntário de energia contratada decorrente das opções de livre contratação, serão alocados a todos os consumidores dos Ambientes de Contratação Regulado e Livre, mediante encargo tarifário na proporção do consumo de energia elétrica, incluindo o consumo líquido dos autoprodutores.

d) substituição dos descontos na Tust e na Tusd para a energia comercializada por fontes alternativas, pela valoração dos atributos ambientais;

e) criação da sistemas de contratação de lastro e energia de forma separada; e

f) Separação entre as atividades de distribuição de energia elétrica e de comercialização.

2. Dar continuidade a ampliação do mercado livre por meio das seguintes medidas:

a) permitir a participação das distribuidoras na atividade de comercialização de energia (separação entre as atividades de distribuição e comercialização);

b) adotar política de implantação de medidores inteligentes e divulgação de dados;

c) adotar política quanto ao tratamento da inadimplência de consumidores e agentes de mercado;

d) esclarecer as regras de transição do modelo anterior para o novo modelo;

e) aperfeiçoar a atividade de comercialização de energia; e

f) considerar novas regras e procedimentos de faturamento para o novo mercado.

3. Operar o setor elétrico baseado em lances de oferta para contratação de energia.

Propõe-se uma transição da operação centralizada, baseada em modelos computacionais de otimização, para uma operação que leve em conta sinais de mercado, por meio da introdução de mecanismos de oferta dos geradores para definição da ordem de mérito e formação do preço de curto prazo.

Com a multiplicação do número de vendedores e compradores no mercado elétrico brasileiro, torna-se viável e recomendável uma migração do despacho centralizado para um despacho via mecanismos de mercado. Para tanto, será preciso uma avaliação criteriosa das mudanças necessárias no atual desenho de mercado do setor elétrico nacional, de forma a promover uma transição segura para uma operação que leve em conta sinais de mercado. Ainda que essa transição implique diversas mudanças nos mecanismos existentes de operação, já existe uma experiência internacional consolidada, que pode guiar a iniciativa brasileira.

4. Rever a remuneração das hidrelétricas com reservatórios.

Implementar regras para a valorização dos reservatórios hidrelétricos, por meio de novos critérios operativos, que garantam maior disponibilidade hídrica para a complementação da produção variável da energia eólica, solar e das hidrelétricas a fio d’água. Para isso, propõe-se rever a remuneração das hidrelétricas com reservatórios, que deve considerar a disponibilidade de água nos reservatórios hidrelétricos

5. Aumentar a convergência do setor de gás natural ao do setor elétrico.

Promover o aprimoramento da integração do planejamento entre os setores elétrico e de gás natural, por meio da criação de mecanismos de incentivos locacionais, baseados em regras de mercado e que considerem tanto a conveniência elétrica como a energética (oferta condizente de gás natural). Propõe-se ainda a promoção do aproveitamento da oferta potencial do gás do pré-sal na geração térmica, por meio da criação de mecanismos institucionais para articulação dos processos de investimento no desenvolvimento de novos campos de gás e nos projetos de geração térmica.

A reforma do setor elétrico em andamento é uma oportunidade para aumentar a competitividade da geração termelétrica. As oportunidades estão associadas à:

a) revisão do planejamento da expansão e estratégia de contratação, buscando progressiva substituição de térmicas caras e ineficientes por térmicas de menor custo para o sistema;

b) revisão das garantias físicas das hidrelétricas; e

c) revisão das regras e dos modelos de operação, permitindo uma melhor gestão dos reservatórios e maior previsibilidade do despacho térmico.

6. Aprimorar a integração do Planejamento entre Setor Elétrico e Gás Natural.

Uma das formas de melhorar o planejamento de longo prazo é a indicação de metas e possíveis trajetórias para a geração termelétrica, por meio de planejamento indicativo. Tal planejamento é imprescindível em ambientes de mercado de sistemas elétricos dinâmicos como o brasileiro, que demandam vultosos e persistentes investimentos em expansão. A integração dos planejamentos das indústrias de gás natural e de eletricidade, passa pela:

a) criação de mecanismos de incentivos locacionais baseados em regras de mercado, que considerem tanto a conveniência elétrica como a energética (oferta condizente de gás natural);

b) indicação de locais desejáveis de expansão térmica; e

c) avaliação e indicação da expansão da infraestrutura necessária para atender às térmicas, conforme previsto no PDE.

7. Promover o aproveitamento da oferta potencial do gás do pré-sal na geração térmica.

O aproveitamento da grande oferta potencial de gás do pré-sal, para promover uma expansão competitiva da geração termelétrica, requer a criação de mecanismos institucionais para articulação dos processos de investimento em gás e nos projetos térmicos. A decisão de desenvolver um campo de gás ou aproveitar comercialmente o gás associado é tomada com muita antecedência pelos investidores no segmento de E&P. Por essa razão é fundamental:

a) sincronizar o processo de decisão de exploração de gás com a expansão do setor elétrico. Para isso, é importante a avaliação da oferta potencial de gás natural do pré-sal e a identificação dos investimentos necessários em escoamento e tratamento, além de seus condicionantes de mercado;

b) promover a articulação de projetos-âncora para a oferta de gás do pré-sal, associados à geração termelétrica;

c) criar mecanismos de articulação dos investimentos para a oferta do gás e para a geração termelétrica, incluindo o uso do gás doméstico em térmicas supridas por GNL, leilões de gás para térmicas existentes e leilões de novas térmicas;

d) monitorar o andamento dos projetos térmicos e de oferta de gás; e

e) desenvolver estratégias de ação para redução do risco de atraso de projetos.

8. Reduzir os encargos setoriais incidentes sobre a conta de energia elétrica.

Considerando o aumento substancial dos encargos nos últimos anos e os benefícios decorrentes da diminuição dos custos da energia elétrica para o setor produtivo e para os consumidores em geral, propõe-se a redução de alguns encargos do setor elétrico. O objetivo é tornar a energia elétrica novamente um fator de competitividade para o setor produtivo brasileiro, que passa pelos seguintes pontos:

a) redução gradual dos descontos concedidos aos consumidores rurais, de água, esgoto e saneamento. Caso seja necessário, essas despesas devem ser mantidas por recursos do Tesouro Nacional, atrelados a políticas públicas especificas;

b) redução gradual dos descontos concedidos às fontes incentivadas, principalmente as que apresentam competitividade de custos compatíveis com o mercado;

c) construir uma solução estrutural, que institua uma disciplina de gastos da CDE. A criação de novos descontos e subsídios terá que competir com os demais descontos já criados;

d) utilizar os recursos da CCC e dos programas de eficiência energética para incentivar a conexão dos sistemas isolados ao Sistema Interligado, quando houver viabilidade econômica. O valor restante da CCC deve ser transferido para a União, em uma escala anual de 20%;

e) atender aos sistemas isolados restantes, com tecnologias de geração distribuída, em substituição à utilização de combustíveis fosseis;

f) restringir novas etapas do Proinfa, dado que as fontes já foram incentivadas, são competitivas e têm total condições de competir nos leilões de expansão do mercado regulado e de se viabilizar no mercado livre;

g) focar nos programas de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética, mediante a implementação de projetos com maior valor agregado aos consumidores, principalmente no que tange à redução de custos dos sistemas isolados e à redução das perdas não técnicas;

h) racionalizar o Encargo de Serviço de Sistema (ESS), com o aprimoramento dos modelos utilizados na operação sistêmica e dos níveis de aversão ao risco, alocando o risco aos agentes expostos ao mercado de curto prazo – e não a todos os consumidores, como é feito com hoje com ESS;

i) racionalizar o Encargo de Energia de Reserva (ERR) com a criação do mercado de lastro, além da revisão das garantias físicas das usinas, principalmente nos processos de descotização e prorrogação de concessões;

j) reduzir a Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE), para o montante efetivamente utilizado pela ANEEL; e

k) avaliar a conveniência de rediscutir a divisão de recursos da Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH).

9. Conferir celeridade à agenda regulatória prevista pela ANP.

10. Promover a diversidade da oferta de gás, através dos mecanismos de Capacity e Gas Release, introduzidos pela Nova Lei do Gás.

Assim, propõe-se implementar um programa de gas release, conforme previsto no Art. 33 da Lei 14.134/21, no qual o Cade definiria sobre uma meta de redução de participação no mercado pela Petrobras. Para atingi-la, a empresa organizaria um programa de venda de gás natural por meio de leilões, com preço mínimo inicial, quantidade e duração definidos pela ANP.

11. Avançar no livre acesso às infraestruturas essenciais (gasodutos de escoamento, plantas de processamento de gás e terminais de GNL), conforme já definido pela Resolução CNPE 16/2019.

Tal resolução determinou que a Petrobras deve disponibilizar informações ao mercado sobre as condições gerais de acesso de terceiros às infraestruturas essenciais, bem como elaborar códigos comuns de acesso a essas infraestruturas. Propõe-se ainda que a ANP defina, o mais rapidamente possível, as normas para implementação do acesso negociado a essas infraestruturas.

12. Regulamentar o desenvolvimento de projetos de estocagem de gás, com a criação de um arcabouço regulatório para a atividade de estocagem.

Além disso, é fundamental que a ANP implemente a diretriz estabelecida pelo CNPE (Resolução 16/2020), que prevê que a Petrobras ofereça, provisoriamente, serviços de flexibilidade para novos ofertantes no mercado de gás brasileiro.

13. Implementar o mercado atacadista de gás, com a definição do desenho de mercado proposto pela ANP do Modelo Conceitual do Mercado de Gás, da Esfera de Competência da União, considerando os seguintes ajustes:

a) simplificação do desenho do mercado, evitando a sobreposição de atividades entre diferentes instituições. Em particular, é importante atentar para a diferenciação entre o papel do hub de gás que busca oferecer serviços de hub (transporte, estocagem, nomeação e transferência de titularidade) e o papel do mercado spot, que deve oferecer serviços para negociação de contratos padronizados e transações de balcão;

b) os serviços de hub de gás podem ficar a cargo do operador do Ponto Virtual de Negociação (PVN). Já a operação do mercado spot pode ficar a cargo da Entidade Gestora do Mercado Organizado. No período inicial, quando não houver a integração das áreas de mercado de capacidade das três grandes transportadoras, o operador do PVN pode ser a própria transportadora, contando que essa tenha sua independência certificada pela ANP. Após a integração das áreas de mercado das transportadoras, o operador do PVN deverá ser a Gestora de Área de Mercado, formada a partir de uma proposta coordenada pelas transportadoras e aprovada pela ANP;

c) a Entidade Administradora do Mercado Organizado de gás deve ser uma instituição detentora da expertise necessária para a operação de mercado balcão e bolsa. Em geral, essa atividade é realizada por empresa especializada na oferta de serviços de negociação, incluindo câmaras de liquidação (Clearing); e

d) adicionalmente, o desenvolvimento de um mercado de ajuste para capacidade de transporte é fundamental para o acoplamento do mercado de gás. Ou seja, é importante que os códigos de rede do sistema de transporte permitam que o balanceamento das injeções e retiradas do sistema de transporte ocorram via comercialização de gás entre carregadores e comercializadores. Em geral, o mercado de ajuste de gás tem um papel fundamental para a criação de liquidez no mercado spot (Em muitos casos, o mercado de ajuste foi a semente do mercado spot).

14. Fomentar a harmonização da regulação federal e estadual, conforme definido na Decreto Regulamentador da Nova Lei do Gás, que, no seu Artigo 27, define que o MME e a ANP devem se articular-se com os estados visando à harmonização e ao aperfeiçoamento das normas atinentes à indústria de gás natural. O Decreto aponta como instrumentos para essa articulação:

a) a formação de redes de conhecimento coordenadas pelo MME e integradas por representantes dos entes federativos, da indústria do gás natural e de especialistas do setor; e

b) a proposição pela ANP de diretrizes para a regulação estadual dos serviços locais de gás canalizado, cuja adesão pelos estados e Distrito Federal será voluntária, por meio do Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural.

15. Promover a desconcentração do setor, para possibilitar a reestruturação do mercado de combustíveis brasileiro, em linha com os objetivos do Programa Combustível Brasil.

Deve-se considerar a implementação efetiva dos termos acordados no TCC entre a Petrobras e o Cade, para fomentar um mercado de refino mais competitivo, e o cumprimento da agenda regulatória prevista pela ANP para os segmentos de refino e comercialização de combustíveis.

16. Monitorar o mercado para inibir práticas abusivas e anticompetitivas por parte do agente dominante e de novos entrantes no mercado.

Em particular, é fundamental definir e implementar uma política de monitoramento e promoção da transparência sobre a competição no mercado de combustíveis.

17. Reduzir as barreiras à entrada de novos competidores no mercado regional, com avaliação cuidadosa da ANP e do Cade, incentivando o acesso a infraestruturas existentes de terminais, estocagem e transporte por dutos, além da promoção de investimento na expansão desta infraestrutura.

Transporte de cargas: abrindo novos caminhos

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Em um novo ciclo de expansão da economia, o setor produtivo nacional deverá enfrentar um conjunto de importantes restrições físicas e logísticas a seu crescimento, com impactos diretos sobre sua competitividade.

A despeito dos importantes avanços realizados com a transferência para a iniciativa privada da exploração de aeroportos, ferrovias, terminais portuários e trechos rodoviários, persiste um baixo nível de investimentos e uma série de restrições à livre operação dos serviços de transporte. Temos sérios problemas nos transportes rodoviário, ferroviário e aquaviário (portos, hidrovias e cabotagem).

Essa situação não permite ao Brasil pôr em prática os novos esquemas de logística adotados em outros países e, consequentemente, se beneficiar das fortes reduções de custo, proporcionadas por técnicas mais eficientes de gerenciamento dos sistemas de transporte. Como consequência, os custos logísticos no Brasil são bastante superiores à média praticada no mercado, o que penaliza o setor produtivo nacional ante seus competidores mundiais.

Existe o consenso de que os atuais desafios a serem superados, no setor de transportes, dependem de mudanças no sentido de avançar no planejamento, reduzir a burocracia e os entraves ao investimento privado. Em uma realidade de intensa restrição fiscal, é essencial para o país se contrapor às falhas de Estado com uma maior participação da iniciativa privada, tanto nos investimentos, como na gestão da infraestrutura.

A agenda de propostas contempla melhorias no planejamento e no ambiente institucional, transversais entre os modais de transporte, e propostas específicas por modal.

No transporte rodoviário, propõe-se a transformação da tabela do frete em referencial, em vez de impositiva; a priorização de investimentos nos trechos com maior índice de acidentes e a implementação tempestiva do Documento de Transporte Eletrônico (DT-e).

As propostas para aprimorar o transporte marítimo, hidroviário e os portos focam, entre outros, na privatização das administrações portuárias públicas; na implementação do regime de outorgas ao setor privado para gestão de trechos hidroviários; e na regulação do serviço de praticagem pela Antaq.

No transporte ferroviário, as propostas pedem a regulamentação da Lei das Ferrovias e aprimoramentos da regulação setorial, bem como agilidade e eficiência no processo de devolução e reativação dos trechos ferroviários atualmente sem tráfego.

Para o transporte aéreo, as propostas são de continuidade no processo de privatização dos aeroportos nacionais e de reforço ao papel da Anac para ampliar a transparência das cobranças e coibir preços abusivos dos serviços específicos.

O Brasil investiu em média 2% do PIB em infraestrutura nas últimas duas décadas 1. A taxa de investimento requerida para eliminar os gargalos atuais na oferta de serviços de infraestrutura é estimada em, no mínimo, 4,2% do PIB. Esse histórico de baixo volume de investimentos é ainda mais pronunciado no caso do setor de transportes: apenas 0,65% do PIB no mesmo período.

Em comparação com outros países da América Latina, o Brasil apresenta um dos menores níveis de investimento público em transportes expresso como percentagem do PIB2, segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Entre 2008 e 2019, o investimento público em transportes no Brasil correspondeu a uma média de 0,26% do PIB, sendo o percentual de investimento inferior ao de países em níveis similares de desenvolvimento e renda, como o México e a Argentina.

Além de insuficientes, os investimentos da União em transportes apresentam uma clara tendência de queda e baixa execução nos últimos anos, mesmo considerando os recursos destinados às Companhias Docas e à Infraero. Essa retração decorre da redução progressiva da capacidade de investimento do setor público, reflexo da crise fiscal e econômica que o país vem enfrentando.

Em 2010, o montante autorizado para investimentos do Ministério dos Transportes e dessas Estatais alcançou R$ 34 bilhões, enquanto os investimentos foram de R$ 26,4 bilhões, em valores atualizados pelo IPCA3. Em 2021, o orçamento autorizado para investimentos foi de R$ 8,3 bilhões, e os recursos aplicados somaram R$ 7,5 bilhões, volume 72% inferior ao pico de investimentos registrado em 2010 e o menor montante desde 2004.

Uma das consequências do volume insuficiente de investimentos no Brasil é a baixa qualidade da nossa infraestrutura de transportes. A oferta insuficiente de serviços logísticos e os gargalos encontrados nas nossas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos são, em conjunto, um dos principais componentes do “custo Brasil”, conjunto de fatores que penalizam a competitividade do setor produtivo brasileiro.

A pesquisa mais recente do Fórum Econômico Mundial revela a situação de desvantagem do Brasil em todos os indicadores relativos aos diversos modais de transporte. O país ocupa a 85° posição dentre 144 países avaliados, sendo a maior desvantagem relacionada ao transporte rodoviário (116°).

A baixa qualidade da infraestrutura de transportes é verificada também a partir da comparação com países de escala territorial, econômica ou de desenvolvimento similares. De acordo com o relatório “Competitividade Brasil”, elaborado anualmente pela CNI, o Brasil ocupa o penúltimo lugar no ranking de infraestrutura de transporte, em um universo de 18 economias selecionadas, estando à frente apenas do Peru.

A greve dos caminhoneiros, que eclodiu em maio de 2018, evidenciou a grande dependência do setor produtivo nacional ao transporte rodoviário. Quando boa parte dos caminhoneiros e das empresas do setor paralisaram suas atividades, vários segmentos industriais ficaram praticamente sem transporte, tanto para entregar as suas mercadorias, como para receber insumos.

A principal singularidade da matriz de transporte do Brasil é a elevada participação do transporte rodoviário: excluindo minérios e combustíveis, esse modal responde por 86% da nossa matriz de transporte. Mesmo incluindo esses granéis, que respondem por grande parte da movimentação ferroviária (minérios) e de cabotagem (combustíveis), os caminhões ainda são responsáveis por mais de 60% de todas as mercadorias transportadas no Brasil.

O predomínio do modal de transporte rodoviário está associado à baixa eficiência logística do sistema de transporte do país. O percurso eficiente de uma viagem por caminhão se dá em curtas e médias distâncias. No Brasil, no entanto, existem situações, em que ocorre o embarque de cargas industriais em São Paulo com destino à Belém, ou o envio de produtos da indústria alimentícia de Porto Alegre para Teresina, com percursos de 2,9 mil km e 3,7 mil km, respectivamente.

Essa viagem do Sul do país até o Piauí, por exemplo, que representa cerca de 3,7 mil km, corresponde a quase 10% da extensão da circunferência da Terra na Linha do Equador (40.075 km).

A utilização do modal rodoviário nesses tipos de despacho gera perdas econômicas, em virtude do maior custo logístico associado ao consumo de combustível, níveis de acidentes, engarrafamentos, emissões de poluentes e deterioração dos veículos e vias. Como consequência, o setor produtivo nacional perde competitividade em relação a outros mercados.

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(Claudio Capucho/Getty Images)

PROPOSTAS

1. Manter uma unidade estruturadora de projetos de infraestrutura, responsável por realizar estudos e avaliar os projetos de infraestrutura selecionados, nos moldes do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

2. Enfrentar o problema das obras paradas, adotando medidas como:

a) analisar os projetos paralisados como se fossem um empreendimento novo, ou seja, desconsiderando o que já foi gasto até o presente. Se o benefício gerado pelo projeto compensar o custo adicional de conclusão da obra, ele deve ser retomado. Caso contrário, melhor abandoná-lo;

b) melhorar o macroplanejamento, em especial com planos setoriais plurianuais, que explorem sinergias e tragam sinalizações concretas;

c) avaliar a melhor modalidade de conclusão do projeto, se com recursos públicos ou via concessão;

d) aparelhar e capacitar melhor as equipes responsáveis pelos projetos;

e) fortalecer o controle interno das Instituições Executoras (Ministérios); e

f) aumentar a transparência dos dados, mediante a criação e atualização periódica de sistemas de acompanhamento dos empreendimentos e realização de relatórios semestrais sobre o andamento das obras.

3. Fundir a ANTT com a Antaq como forma de aprimorar a eficácia e a qualidade da atuação regulatória no setor de transportes.

4. Tornar referencial a tabela de frete rodoviário em vez de impositiva.

5. Dar prioridade aos trechos de rodovias com mais acidentes nos planos de investimento do governo.

6. Agilizar a implementação do Documento de Transporte Eletrônico (DT-e), como forma de reduzir a burocracia na contratação do transporte rodoviário.

7. Privatizar as administrações portuárias públicas.

8. Implementar o regime de outorgas ao setor privado para gestão de trechos hidroviários.

9. Autorizar em lei a regulação pela Antaq do preço dos serviços de praticagem.

10. Avançar em medidas que reduzam o custo e aumentem a transparência dos procedimentos do transporte marítimo internacional, por meio de:

a) fortalecimento da Resolução 62/2021 da Antaq;

b) ampliação do monitoramento, transparência e divulgação das cobranças e estatísticas do transporte marítimo brasileiro; e

c) eliminação da cobrança do escaneamento de contêineres.

Transporte ferroviário

11. Avançar na regulamentação da Lei das Ferrovias e aprimorar a regulação setorial.

12. Imprimir agilidade e eficiência ao processo de devolução e reativação dos trechos ferroviários atualmente sem tráfego.

13. Dar continuidade ao processo de privatização dos aeroportos nacionais.

14. Reforçar o papel da Anac para ampliar a transparência das cobranças e coibir preços abusivos dos serviços específicos.

Tributação da renda corporativa: convergência aos padrões internacionais

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O Brasil precisa aperfeiçoar suas regras de tributação da renda das empresas. Em um ambiente internacional de competitividade tributária acirrada, tal aperfeiçoamento é uma mudança que se faz necessária, no sentido de aumentar sua capacidade de atrair investimentos e elevar sua presença em Cadeias Globais de Valor (CGVs). Esses são passos fundamentais para acelerar o crescimento econômico e, consequentemente, aumentar a qualidade de vida dos brasileiros.

O contexto tributário internacional tem-se caracterizado tanto pela busca de consenso sobre novos padrões de tributação da renda das empresas, como pela acirrada competição entre países para atrair investimentos e emprego, que se manifestam na negociação multilateral de um novo sistema de normas tributárias internacionais e na adoção de medidas unilaterais (como a redução da tributação da renda das empresas em vários países, nos últimos anos).

A adoção de medidas de estímulo não nocivas tem sido constante na política tributária do G7. O Brasil é mais restritivo que o padrão existente tanto nos países mais desenvolvidos como nos países emergentes, além de não dispor de medidas tributárias competitivas de estímulo ao investimento, diante das práticas estrangeiras.

O Brasil não tem mais a opção de manter a inconsistência e a não harmonização com os padrões internacionais e com as práticas tributárias da OCDE e do G7. A convergência, além de recomendável e necessária para a economia brasileira, passou a ser um imperativo diante do pedido de acessão à OCDE.

A necessidade de convergência da norma tributária brasileira aos “padrões mínimos”, “recomendações” e “melhores práticas” evidenciadas pela OCDE e G20, no âmbito do Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), ganhou força e, principalmente, nova direção, dado que, nos últimos anos, o contexto internacional evoluiu para além de padrões mínimos e regras coordenadas.

A partir de novas regras e padrões acordados multilateralmente, diversos países acirraram, por meio de medidas unilaterais, a competição tributária internacional, reformando a tributação sobre a renda corporativa, mediante a instituição de novas medidas para atração de capital e para maior inserção em cadeias globais de valor (CGVs). Assim, impõe-se a necessidade de o Brasil buscar convergência não apenas aos padrões mínimos e recomendações consensadas no âmbito da OCDE, como também às práticas tributárias das principais economias do mundo, do G7 aos emergentes, que não afrontem padrões globais.

A Reforma Tributária Americana de 2017 revigorou a competição tributária internacional, que se utiliza de diferenças na tributação dos lucros e dividendos das empresas multinacionais para influenciar a localização de atividades empresariais. Até então, o contexto era de promoção de regras para coibir o abuso por parte das empresas e a competição “nociva” por parte dos países, através do desenvolvimento dos “padrões mínimos” e “recomendações”, para que tal competição tributária fosse considerada justa e leal.

Neste momento, ainda se busca solução multilateral uniforme para os desafios da tributação da economia digital3; e, ainda que se pratiquem medidas protecionistas e retaliatórias, intensificaram-se também os incentivos e estímulos unilaterais ao investimento estrangeiro direto e às atividades de pesquisa, desenvolvimento, e inovação tecnológica.

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Embora tenha criado consenso em matérias importantes, o Projeto BEPS evidenciou o dissenso e o imperativo de competição tributária internacional em diversos temas. Nesse sentido, normas tributárias que não dependem de tratados internacionais para seu aperfeiçoamento foram objeto de reformas na legislação interna de muitos países.

Em paralelo, no decorrer de 2016, foram negociados os termos e estrutura do Instrumento Multilateral (Multilateral Instrument “MLI”) de que trata a Ação 15 do Projeto, através do qual se pretende alterar a rede de mais de 3 mil tratados bilaterais ora em vigor, ratificando, no direito internacional tributário, as medidas que resultam do Projeto BEPS. Mais de 100 países (incluindo o Brasil) participaram dos trabalhos e negociações, que resultaram no texto do MLI, hoje assinado por 99 países.

Os signatários têm, entre si, mais de 2.800 tratados bilaterais, entre os quais nada menos que 1.680 foram modificados através do MLI. Brasil e EUA estão entre os poucos países que não assinaram o MLI, e que preferiram negociar ou renegociar bilateralmente “tratado a tratado” os termos a serem adotados, visando obter conformidade com os padrões mínimos e recomendações do Projeto BEPS. Observa-se tal abordagem nos tratados negociados ou renegociados mais recentemente pelo Brasil (Suíça, Singapura e Argentina, por exemplo).

É fato que a participação ativa do Brasil no Projeto BEPS e em iniciativas correlatas de transparência fiscal internacional reforçou o pedido do Brasil, feito em maio de 2017, de acessão plena à OCDE.

O apoio do Reino Unido para a acessão do Brasil é evidenciado na viabilização e financiamento do projeto sobre as normas de Preços de Transferência4, executado pelo Secretariado da OCDE, através da sua diretoria de administração e política tributária em conjunto com a Receita Federal do Brasil (RFB), sob a supervisão e cooperação das autoridades de outros países representados no Grupo de Trabalho 6, do Comitê de Assuntos Fiscais, outro órgão da OCDE distinto do Secretariado, de participação direta dos países membros da OCDE (e em temas específicos, de outros países).

Tal projeto, que contou com apoio da CNI, culminou na manifestação pela RFB no sentido de que o Brasil adotasse o “princípio arm’s length” (ALP), em convergência com as diretrizes da Receita Federal do Brasil (RFB), o que pavimentou o caminho para o convite feito pela OCDE ao Brasil, em 25 de janeiro de 2022.

Apesar desse importante passo sobre Preços de Transferência, é importante destacar que o Brasil precisa ir além e avançar em várias outras frentes na agenda de tributação da renda das empresas, tanto para tornar a economia brasileira mais competitiva, como para, inclusive, viabilizar o processo de acessão à OCDE.

Nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE (CM-OCDE) que serve de base para a negociação de tratados tributários bilaterais, os países do Grupo de Trabalho 1 (WP1) da OCDE explicitam diretrizes interpretativas que deverão ser adotadas pelos países-membros prospectivamente. Entre essas, inclui-se a do artigo 9, sobre Preços de Transferência, que remete os países às Diretrizes de TP organizadas pelo Secretariado sob a autoridade do Grupo de Trabalho 6 (WP6).

Posições divergentes de países individuais sobre cada um dos artigos da convenção- modelo tomam a forma de “Reservas” (quando o país diverge da cláusula) ou “Observações” aos Comentários (quando o país diverge na interpretação da cláusula), podendo as Observações, inclusive, serem oferecidas por países não membros.

O Brasil ofereceu algumas Observações, na medida em que considerou pertinente manifestar seu posicionamento divergente da interpretação majoritária dos países- membros da OCDE. Na condição de não membro, o país não tem a obrigação de se manifestar sobre todos os artigos, nem a de adotar a CM-OCDE como base para negociação de ADTs.

É razoável, porém, que caso o Brasil tenha posições divergentes quanto ao uso de cláusulas da CM-OCDE, ou interpretações sobre cláusulas fundamentais da CM-OCDE divergentes daquelas adotadas pela totalidade dos países-membros nos Comentários – tais como dos artigos 7 (tributação dos lucros das empresas) e 12 (tributação de royalties), por exemplo – um ou mais países-membros poderão se opor à acessão brasileira. A prática brasileira atual diverge da CM- OCDE em temas importantes, para além de preços de transferência.

Entende-se que o recente convite do Secretariado da OCDE inaugura nova fase nas negociações para acessão do Brasil, que deve requerer novos compromissos – inclusive em matéria tributária e para além de Preços de Transferência – para que seja confirmada a acessão brasileira pelo Conselho da OCDE.

A decisão do Conselho pela aprovação do ingresso do Brasil na Organização tem de ser unânime, e diversas comissões e grupos de trabalho deverão definir o posicionamento e voto de cada país. Até que tal consenso e unanimidade sejam assegurados, não haverá votação – o que justifica a diferença significativa de tempo no processo de admissão de cada país. Assim, com a promessa de convergência das normas de Preços de Transferência, o Brasil avançou para a próxima etapa, na qual outros temas deverão ser abordados – e sobre os quais deverá também haver convergência, para que a acessão do Brasil seja aceita por unanimidade no Conselho.

A tributação brasileira da renda de multinacionais, e a sobrecarga tributária imposta pelo Brasil na importação de serviços e tecnologia, ainda divergem, substancialmente, da Convenção Modelo da OCDE, bem como das práticas de países-membros relevantes, como EUA e Alemanha, podendo ser impeditiva à acessão do Brasil na OCDE.

A divergência pode chegar ao ponto de impedir ou postergar conclusão exitosa de negociação de ADT com tais países, o que sujeita o Brasil não apenas aos custos de oportunidade, mas a medidas retaliatórias unilaterais, tal como a recente norma interpretativa norte-americana, que considera o IRRF – e potencialmente o IRPJ e a CSLL – como tributos sobre transações, sobre receitas ou sobre capital – e não sobre a renda – o que resulta na bitributação de multinacionais americanas que investem no Brasil e no prejuízo às exportações americanas de serviços e de tecnologia, que contribuem para a produtividade da indústria nacional.

Por um lado, a perda de competitividade do Brasil já se reflete na perda de participação relativa em CGVs, e na correspondente perda de atratividade para o capital estrangeiro, com impacto arrecadatório negativo. Por outro lado, a harmonização e a convergência não apenas aos padrões globais (multilaterais), como também às práticas unilaterais de países do G7 (e de economias como a China) tenderiam a induzir maior investimento nacional e estrangeiro no Brasil e, por conseguinte, maior crescimento econômico com ganhos de bem-estar para a população.

Por isso, é preciso agir com rapidez no sentido de promover mudanças na legislação brasileira, visando ao alinhamento do padrão brasileiro de negociação e interpretação de tratados com o da CM-OCDE, para impedir ou reduzir as consequências negativas do não alinhamento do Brasil às regras tributárias adotadas pelas principais economias mundiais. As mudanças viabilizarão um crescimento maior da economia brasileira, através da maior inserção do Brasil em cadeias globais de valor.

O confronto de políticas tributárias nacionais, baseadas na reforma do sistema tributário internacional de 2015-2016, transformou-se em uma disputa por investimentos, produtividade e empregos. Essa transformação culminou na reforma tributária norte-americana de 2017, que incrementou sobremaneira a competitividade dos EUA, mediante a redução da alíquota do imposto de renda das empresas para abaixo da média mundial (entre outras medidas relevantes), além das medidas de estímulo ao investimento, adotadas por diversos países no contexto da pandemia, como incentivo à retomada do crescimento econômico.

Com base em todo esse contexto, nacional e internacional, sugerimos medidas que visam resolver os principais problemas da tributação da renda das empresas. Vale ressaltar que algumas das sugestões tornam-se ainda mais relevantes e urgentes, em razão da nova fase em que se encontra o Brasil no seu pedido de acessão para a OCDE.

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(Virojt Changyencham/Getty Images)

PROPOSTAS

1. Reduzir a alíquota nominal de tributação das empresas (IRPJ e CSLL) para patamar abaixo da média OCDE (23%).

a) Para que a carga tributária sobre o lucro das empresas – representada pelo IRPJ, pela CSLL e por uma eventual incidência de IRRF sobre lucros e dividendos distribuídos do Brasil para o exterior – seja neutra em relação ao ambiente OCDE, deveria ser reduzida para menos de 23% (média dos países-membros da OCDE) e próxima aos 22,2% (média europeia de IRPJ, sobre os quais não incide, tipicamente, IRRF nas remessas internacionais de dividendos). Essa média também se aproxima da alíquota de 21%, do IRPJ federal dos EUA;

b) A eventual tributação da distribuição de lucros e dividendos no Brasil não pode representar perda de competividade internacional nem para empresas brasileiras, nem para o mercado de capitais do Brasil. Nesse sentido, já que tanto entre europeus, como entre Europa e EUA é comum não haver incidência de IRRF intragrupo – inclusive em dividendos pagos ao exterior – é fundamental que o Brasil isente a distribuição feita intragrupo (empresas controladas ou coligadas), seja nas distribuições no país (via legislação interna), seja para remessas internacionais (via tratados internacionais).

2. Eliminar o limite de 30% para compensação de prejuízos fiscais.

a) O modelo brasileiro deve eliminar a trava de 30% e permitir a compensação integral dos prejuízos fiscais em anos futuros.

3. Modernizar as regras de depreciação acelerada de dispêndios de capital.

a) Recomenda-se para o Brasil, além da manutenção da sistemática atual, que prevê aceleração com base em intensividade de uso (ou seja, “turnos”), a adoção das melhores práticas internacionais (sobretudo as do Canadá e dos EUA) de depreciação de bens incorporados ao ativo imobilizado das empresas (máquinas e equipamentos, infraestrutura, etc.), que inclui:

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• depreciação, no primeiro ano, de até 100% do valor desses bens adquiridos entre 2023 e 2027; e

• depreciação, no primeiro ano, de até 50% do valor desses bens, adquiridos a partir de 2028.

4. Aperfeiçoar o instrumento de Juros sobre Capital Próprio (JCP).

a) Aprimorar os Juros sobre Capital Próprio (JCP), hoje de uso restrito a poucos contribuintes, aproximando-o ao modelo de Allowance for Corporate Equity (ACE). Nesse sentido, o JCP deveria passar a ser por exclusão do lucro real das empresas e não por remuneração direta aos sócios. Visando conferir efetividade ao instrumento, é necessário também vincular a dedução apenas à existência de patrimônio líquido positivo (composto por capital social, com ou sem reservas adicionais ou lucros retidos).

5. Modernizar os Mecanismos de Incentivo à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica (PD&I).

• Modernizar a Lei do Bem (Lei 11.196/2005)

• Permitir, expressamente, a utilização das deduções incentivadas em anos posteriores ao do dispêndio, sem limitação temporal e sem limitação no ano do aproveitamento da dedução.

• Prever, expressamente, a permissibilidade da terceirização em território nacional, não limitada a universidades e a Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs).

• Despesas com depreciação ou amortização de ativos, utilizados na atividade incentivada, deveriam, igualmente, corresponder à dedução adicional (benefício permanente) e não apenas à depreciação acelerada (benefício temporal, equivalente a empréstimo).

• Outras despesas, inclusive de pessoal (não pesquisadores), consideradas necessárias ao desempenho e suporte da atividade e dos “centros de custo” de PD&I, ainda que acessórias, deveriam também ser incentivadas.

• Não incidir IPI na aquisição de quaisquer insumos, além de máquinas e equipamentos, utilizados nas atividades de PD&I, quer importadas, quer nacionais.

• Não incidir IR-Fonte, PIS/Cofins, IOF, nem ISS na importação de serviços e tecnologias.

• Deverá ser instituído um novo mecanismo de “lucro da exploração de intangíveis”, que funcionará através de redução de base de cálculo correspondente a, no mínimo, 50% do valor dos lucros oriundos de royalties ou de direitos autorais (inclusive no que tange ao licenciamento de software), ou de seu valor correspondente agregado a mercadorias vendidas. Tal benefício se aplicaria a lucros auferidos diretamente pelo contribuinte brasileiro, derivados de receitas internas ou de exportações, e correspondentes a intangíveis brasileiros, resultantes de processos de PD&I realizados no Brasil, qualificados e incentivados nos termos da Lei do Bem.

6. Ampliar e melhorar a rede brasileira de Acordos para evitar dupla tributação (ADT).

a) O Brasil precisa ampliar sua rede de ADTs;

b) Além disso, o Brasil precisa de novo modelo de ADT convergente com a Convenção Modelo da OCDE, sobretudo nos seguintes temas: regras de alocação (estabelecimentos permanentes, royalties, serviços, juros e preços de transferência), incentivos explícitos e desincentivos implícitos (créditos presumidos ou fixos e métodos para eliminar a dupla tributação) e solução de controvérsias e abuso dos tratados. Com destaque para a adoção do conceito de estabelecimento permanente e a eliminação de barreiras à importação de tecnologia e serviços.

7. Convergir as regras de Preços de Transferência do Brasil aos padrões internacionais.

a) Promover a convergência entre as regras de Preços de Transferência do Brasil e os padrões e práticas internacionais, adotando, em lei, o “princípio arm’s length” (ALP), mantendo-se os aspectos positivos das atuais normas brasileiras. Os métodos brasileiros com margens fixas podem ser aperfeiçoados, compatibilizando-os com o ALP, sob o controle da administração tributária, passando a funcionar como salvaguardas opcionais.

8. Aperfeiçoar as regras de tributação de lucros no exterior.

a) O Brasil deve substituir seu regime de TBU por uma regra CFC comparável às dos países membros da OCDE. Não tributar antecipadamente rendas ativas por presunção indiscriminada, nem tributar antecipadamente rendas de coligadas, tampouco tributar antecipadamente rendas passivas indiscriminadamente.

9. Criar novo programa de Cumprimento Cooperativo de Obrigações Tributárias (CCT), destinado aos maiores contribuintes e empresas transnacionais.

10. Instituir um sistema de consultas mutuamente vinculantes (inclusive em matéria de Preços de Transferência – Acordo Prévio de Precificação) e a Arbitragem Tributária no procedimento amigável (MAP) dos tratados (ADTs), além de viabilizar o incremento de acesso a esses mecanismos, para os casos de contribuintes que aderirem ao CCT.

Reforma da tributação do consumo: competitividade e promoção do crescimento

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Um dos principais gargalos ao crescimento da economia brasileira é o sistema de tributação do consumo, repleto de distorções e ineficiências que retiram competitividade das empresas, inibem investimentos e limitam a inserção internacional.

A cumulatividade, a oneração das exportações e dos investimentos, a indução à alocação menos eficiente dos recursos, a alta complexidade e a falta de transparência representam os problemas mais graves do sistema brasileiro de tributação do consumo e mostram o quanto ele é obsoleto e desalinhado com as melhores práticas internacionais.

É unânime o entendimento de que esse sistema precisa ser alterado – e com urgência. O Brasil já discute a reforma da tributação do consumo há 30 anos e, desde 2018, todos os segmentos da sociedade têm-se manifestado e ajudado intensamente na construção de um debate maduro do ponto de vista técnico e político.

O modelo proposto pela CNI está em linha com o proposto pela PEC 110/2019 e contempla a substituição dos principais tributos incidentes sobre o consumo por um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), modelo de tributação utilizado em mais de 170 países.

Além de tornar o sistema tributário mais simples, diversos estudos apontam que a realização de uma reforma tributária ampla da tributação do consumo, com base nos mesmos princípios e características defendidos pela CNI, tem o potencial de acelerar o ritmo de crescimento de todos os setores econômicos e, consequentemente, da economia brasileira como um todo.

Além disso, os estudos apontam que a adoção de um novo modelo tributário simples e eficiente terá impactos positivos sobre a geração de empregos, a distribuição da renda e a redução das desigualdades regionais.

É necessário agir com rapidez e realizar as mudanças necessárias para que a tributação do consumo deixe de ser um obstáculo para o desenvolvimento do país. Não podemos continuar a perder oportunidades. Afinal, a cada ano de atraso com a reforma, é a população quem mais perde.

Este documento apresenta a posição da CNI sobre a reforma da tributação sobre o consumo no Brasil. Essa posição coincide amplamente com a proposta da PEC 110/2019 e reduz ou elimina as principais distorções do sistema atual, sem elevar a carga tributária e com período de transição suficiente para que as mudanças ocorram suavemente.

Fundamentos de um sistema eficiente de tributação do consumo

O modelo tributário adotado pelo Brasil deve ser reformulado de forma a respeitar os princípios de um sistema eficiente, marcado pela simplicidade, neutralidade, transparência, isonomia e progressividade. Esses princípios estão presentes nos melhores sistemas tributários do mundo e estão consolidados na literatura.

Esse é o caminho a ser seguido pelo país, para que a tributação deixe de ser um entrave ao crescimento mais acelerado da economia e passe a permitir a melhor alocação possível dos fatores produtivos e recursos disponíveis.

Embora a arrecadação tributária tenha papel fundamental no financiamento dos serviços públicos ofertados à sociedade, seu funcionamento não pode comprometer a competitividade e a produtividade do país.

Tributar a circulação e o consumo de bens e serviços é uma medida necessária. O desafio é saber como combiná-la com um ambiente econômico favorável aos negócios, onde os produtos locais sejam capazes de competir com os produtos estrangeiros, tanto no mercado doméstico como no exterior, permitindo que o país otimize o uso de suas competências e vocações.

Simplicidade

A complexidade tributária não pode ser nem uma barreira à entrada de novos empreendedores, nem um fator de aumento de custos para as empresas em operação. Se os custos com a apuração e o recolhimento dos tributos no Brasil forem superiores aos de outros países, não somente perdemos competitividade como também ficamos menos atrativos frente aos olhos de potenciais investidores.

Quanto mais complexo for o sistema tributário, mais tempo e dinheiro as empresas gastarão para estar em conformidade com o Fisco. Junto com o excesso de burocracia, a complexidade desvia recursos de atividades produtivas para atividades não produtivas.

Além disso, complexidade se traduz em maior dificuldade de aplicação das regras e normas, gerando insegurança nos agentes, aumentando a litigiosidade e afastando os investimentos do país.

Um sistema simples permite que o contribuinte pague seus tributos e cumpra suas obrigações acessórias com facilidade e segurança jurídica. Isso reduz os custos de conformidade e os conflitos na interpretação da legislação, que são, atualmente, a principal causa de litigiosidade no âmbito tributário.

Neutralidade e isonomia

É essencial garantir a neutralidade e a isonomia dentro do sistema tributário, para que a tributação sobre o consumo não crie distorções no ambiente de negócios, permitindo alocação eficiente dos recursos. O sistema tributário deixa de ser neutro, quando sua mera aplicação altera os preços relativos dos bens e serviços e passa a interferir nas decisões de consumo e de investimento.

A isonomia do sistema, por sua vez, indica que o tratamento tributário de pessoas e negócios, em situações semelhantes, deve ser equivalente. Com isso, espera-se que o sistema tributário reparta o ônus, de forma justa, entre os agentes econômicos, observando a capacidade contributiva individual. A equidade tributária é um dos requisitos básicos para a concepção de um ambiente de concorrência plena.

Uma determinada atividade econômica não deve ficar mais ou menos competitiva apenas por conta da tributação a que está sujeita. Assim como um determinado bem não deve ficar mais ou menos atrativo ao consumo por conta da tributação. Se isso ocorrer, há o risco de a tributação distorcer o processo de decisão dos investimentos e do consumo e gerar ineficiência na economia.

Se os princípios da neutralidade e isonomia forem respeitados, as decisões de investimento dos empresários serão guiadas por determinantes puramente de mercado, que valem para todos. Assim, as características de um empreendimento, como, por exemplo, o tamanho e a localização de uma fábrica, não sofrerão interferência da tributação, sendo influenciadas apenas por questões de natureza econômica, como a disponibilidade de mão de obra, a distância em relação ao mercado consumidor, a disponibilidade de infraestrutura logística, etc.

Transparência

Os contribuintes precisam conhecer com clareza quanto estão pagando de tributos. Para tanto, é preciso que as regras de tributação garantam que as alíquotas efetivas sejam iguais – ou, o mais próximo possível, das alíquotas nominais.

Quando as regras são complexas, o cálculo do tributo devido é mais difícil. Com isso, muitas vezes, o resultado final não reflete exatamente a alíquota prevista na legislação, o que compromete a transparência do sistema.

Sem transparência, o diálogo em torno das decisões de política tributária fica fragilizado, uma vez que os agentes envolvidos nesse processo não têm informações de qualidade para tomar as decisões mais adequadas, inclusive no que tange à definição de alíquotas.

Todos ganham com o aumento da transparência do sistema tributário, dado que esse requisito permite uma compreensão mais apurada do peso dos tributos, seja na ótica das empresas, seja na ótica dos consumidores. Com isso, a sociedade passa a ter uma melhor condição para posicionar-se frente às decisões do governo com relação às questões tributárias.

Progressividade

É desejável que o sistema tributário onere mais aquele que detiver maior riqueza tributável e menos os que detiverem menor riqueza tributável, desde que não seja incompatível com os demais princípios listados anteriormente.

A tributação do consumo, contudo, possui caráter regressivo, por definição. Isso acontece porque a tributação do consumo independe da capacidade contributiva das pessoas, uma vez que a alíquota cobrada é a mesma para todos os contribuintes. Com isso, quanto menor a renda da pessoa, maior será a parcela da renda destinada ao pagamento desse tipo de imposto. Desse modo, é importante que o sistema de tributação sobre o consumo a ser adotado não reforce seu caráter regressivo.

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PROPOSTAS

É preciso modernizar a tributação do consumo, por meio de uma reforma ampla, nos moldes da PEC 110/2019, de modo a

1. Substituir os atuais tributos incidentes sobre o consumo (PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um modelo baseado no IVA – tendo o IVA-Dual como alternativa (um IVA Federal e outro Subnacional) –, com as seguintes características:

a) alíquotas uniformes para todos os bens e serviços;

b) base ampla de incidência;

c) crédito amplo;

d) tributação no local de destino das operações;

e) crédito imediato nas aquisições de bens para o ativo fixo;

f) devolução ágil dos saldos credores (em, no máximo, 60 dias);

g) cálculo “por fora”, sem inclusão do tributo na sua própria base de cálculo;

h) recolhimento centralizado por empresa;

i) uso limitado do regime de Substituição Tributária;

j) legislação unificada nacionalmente;

k) imunidade tributária das exportações de bens e serviços; e

l) prazo de pagamento compatível com o fluxo de caixa das empresas.

2. Estabelecer período de transição para o novo sistema de tributação.

3. Não aumentar a carga tributária global.

4. Criar fundo de desenvolvimento regional.

5. Garantir a manutenção do tratamento tributário favorecido à Zona Franca de Manaus e às micro e pequenas empresas.

6. Garantir, no novo sistema, o reconhecimento e o ressarcimento dos saldos credores acumulados dos tributos extintos, findo o período de transição.

Relações de trabalho: avançando na modernização

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Relações de trabalho adequadas para a realidade social, produtiva e econômica de um país são essenciais para o desenvolvimento, competitividade e geração de emprego e renda. Em 2017, foram aprovadas duas leis fundamentais para a modernização trabalhista: a Lei 13.429 (Terceirização) e a Lei 13.467 (Reforma Trabalhista).

Entre os desafios nas relações de trabalho que o país precisa continuar enfrentando estão: alto e persistente nível de desemprego; elevada informalidade no trabalho; baixo crescimento da produtividade; custos não remuneratórios do trabalho formal; crises econômicas e sanitárias; e a disrupção provocada pelos avanços tecnológicos nas formas de trabalhar e produzir.

Para tanto, é necessário continuar prestigiando, entre outros, as negociações coletivas de trabalho e o uso de mecanismos para prevenção e resolução de conflitos.

Neste documento, são apresentadas propostas para seguir avançando na modernização trabalhista por meio da simplificação da legislação e da sua adequação às demandas de empresas e empregados. Também são apresentadas propostas para reduzir burocracias e custos não remuneratórios do trabalho, e para estabelecer regras claras, com o objetivo de aumentar a segurança jurídica.

Modernização para um futuro sustentável

Relações de trabalho adequadas à realidade social, produtiva e econômica de um país são essenciais para o desenvolvimento, a competitividade e a geração de emprego e de renda. De fato, as relações entre empresas e trabalhadores e sua regulação são elementos basilares, que contribuem para o desenvolvimento sustentável, eficiente, produtivo e duradouro.

Em 2017, após décadas sem grandes avanços, foram aprovadas duas leis fundamentais para a modernização trabalhista: a Lei 13.429, de 31 de março, que regulamentou a terceirização, e a Lei 13.467, de 13 de julho, a qual alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Assuntos que há muito demandavam novas regras, como negociação coletiva e estabelecimento expresso do negociado sobre o legislado, regulamentação da terceirização, fim da ultratividade das cláusulas coletivas de trabalho, regras para o teletrabalho, extinção das horas in itinere, e vários outros, foram regulamentados ou atualizados. Tais modificações legais alinharam esses temas, considerados fundamentais às demandas atuais das relações de trabalho para produção, competitividade, geração de emprego e renda.

Além dessas mudanças, outros importantes fatos aconteceram nos últimos anos, tais como a edição da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, o reconhecimento de constitucionalidade da terceirização pelo Supremo Tribunal Federal – STF, a Reforma da Previdência, mudanças em regras para pagamento de lucros e resultados6, entre outros.

Foram avanços de suma importância para que o país tenha regulações adequadas para enfrentar desafios no mercado de trabalho e no mundo produtivo. Contudo, é preciso avançar mais.

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PROPOSTAS

1. Aumentar o prazo do contrato de experiência para até 180 dias.

2. Reduzir intervalo para a recontratação de um mesmo empregado por prazo determinado e autorizar seu uso, conforme a necessidade das empresas.

3. Prever expressamente o trabalho multifunção, e a alteração entre diferentes funções em um mesmo contrato de trabalho, com vistas ao aumento de segurança jurídica e ganhos de produtividade.

4. Aperfeiçoar a aprendizagem para, entre outros:

a) considerar no cálculo da cota apenas as ocupações que exigem formação técnico-profissional metódica e os vínculos de emprego por prazo indeterminado;

b) ampliar o prazo máximo do contrato para até 4 anos;

c) estimular a contratação do aprendiz após o fim do contrato; e

d) permitir que o número de aprendizes com deficiência seja considerado também no número de vagas reservadas às pessoas com deficiência.

5. Aperfeiçoar a regulamentação do teletrabalho para:

a) permitir expressamente a realização de regime híbrido de teletrabalho e trabalho presencial;

b) permitir o teletrabalho de aprendizes e estagiários; e

c) definir que as leis e instrumentos coletivos aplicáveis são os do local do estabelecimento que contratou o empregado.

6. Aperfeiçoar o contrato de trabalho temporário para, entre outros, ampliar sua prorrogação para até 180 dias, e excluir o intervalo entre dois contratos.

7. Aperfeiçoar a exigência de contratação de pessoas com deficiência, para, entre outros:

a) definir prazo de preenchimento de vaga aberta em razão de pedido de demissão;

b) prever que a empresa que cumpre a cota não é obrigada a substituir pessoa com deficiência desligada do emprego; e

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c) dispor que a base de cálculo da cota considera o número de empregados contratados por prazo indeterminado em tempo integral.

8. Prever a não aplicação de penalidades para as empresas que se esforçam para preencher as vagas destinadas às pessoas com deficiência.

9. Permitir o trabalho aos domingos e feriados para todas as atividades da indústria, com vistas ao aumento de produtividade, competitividade e empregos.

10. Dispor expressamente que capacitações e treinamentos oferecidos pela empresa fora da jornada de trabalho não configurem tempo à disposição do empregador.

11. Estabelecer que a supressão de horas extras habituais não gera indenização compensatória.

12. Extinguir a contagem ficta da hora noturna.

13. Estabelecer requisitos claros para a validade do pagamento dos prêmios, reafirmando a sua natureza indenizatória.

14. Aprimorar a PLR para permitir a utilização de metas de SST vinculadas à prevenção de acidentes e sua concessão em até 4 vezes no ano.

15. Permitir a realização do exame de gravidez quando do desligamento da empregada, para conferir segurança jurídica e permitir que a gestante usufrua tempestivamente de sua estabilidade.

16. Permitir a rescisão do contrato de trabalho após cinco anos da aposentadoria por invalidez, ou do encerramento de atividades da empresa se o empregado estiver recebendo auxílio-doença, para conferir segurança jurídica quanto à duração da relação de trabalho.

17. Permitir a compensação do valor da condenação judicial indenizatória com o recebido a título de seguro de vida e de acidentes pessoais.

18. Estabelecer tratamento trabalhista diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte, entre outros, prever que o salário-maternidade seja pago diretamente pela Previdência Social; possibilitar o pagamento do vale-transporte em dinheiro; e permitir o parcelamento das verbas rescisórias.

19. Estimular a dupla visita orientadora, para fortalecer o papel educativo da fiscalização, aumentando o grau de comprometimento e de cumprimento das normas trabalhistas.

20. Criar Conselho Administrativo de Recursos Trabalhistas, tripartite, para julgamento dos recursos apresentados contra aplicação de penalidade por infração trabalhista.

21. Extinguir a exigência do recolhimento prévio de multa como condição de admissibilidade de recurso administrativo contra auto de infração trabalhista.

22. Vedar a aplicação de penalidades cumulativas pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência e Ministério Público do Trabalho (MPT) pelo mesmo fato.

23. Extinguir a exigência do depósito recursal prévio no âmbito da Justiça do Trabalho, para preservar o direito de defesa e a disponibilidade financeira das empresas.

24. Explicitar que a homologação do acordo extrajudicial pela Justiça do Trabalho deve ser total, inclusive quanto à cláusula de quitação geral do contrato de trabalho, afastando a possibilidade de homologação apenas parcial do acordo.

SST e Previdência: segurança no presente e no futuro

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O mundo do trabalho evoluiu e se diversificou. Nesse processo, algumas regras foram modernizadas, enquanto outras ainda precisam ser ajustadas às necessidades atuais e aos desafios futuros. As regras de segurança e saúde no trabalho (SST) e de previdência ainda estão desconexas, apesar de sua importância e necessária sinergia.

Um resultado desse quadro é menor prioridade à premissa de prevenção de acidentes e de retorno dos trabalhadores afastados à ocupação formal, o que acarreta consequências negativas para empresas, trabalhadores e Estado. Por exemplo, mesmo com a redução da taxa de acidentes do trabalho (por mil vínculos) no país de 2007 a 2019 em cerca de 40%, ainda há excessivo número de trabalhadores com afastamentos de longa duração.

Ocorre também desarmonia entre as principais regras de SST e previdência. Por exemplo, há diferenças quanto a critérios de caracterização de insalubridade, e quanto à definição das responsabilidades de empresas e empregados. Esse desalinhamento é inadequado, pois são legislações de perspectivas complementares, e vinculadas aos programas de gestão de riscos ocupacionais das empresas, que têm como finalidade a prevenção de riscos.

Além disso, tem-se um quadro de baixa disponibilidade de informações, especialmente previdenciárias, para as empresas. Com isso, elas têm dificuldades em articular as estratégias de prevenção de acidentes e gerir as obrigações de recuperação de trabalhadores para as atividades profissionais.

Este documento apresenta propostas para mudar esse quadro, por meio da modernização das regras de SST e previdência a partir de três elementos fundamentais: prioridade na prevenção de acidentes; harmonia e clareza em suas regras; e disponibilidade de informações relativas à situação dos empregados frente à Previdência Social.

São também apresentadas propostas que estimulam as práticas de gestão das empresas para eliminação ou neutralização de riscos, conferindo-lhes segurança jurídica.

Prevenção como premissa fundamental

O mundo do trabalho evoluiu e se diversificou. O trabalho do século XXI é cada vez mais dinâmico e tecnológico, cada vez mais integrado e digital, de tal forma que modelos adequados ao trabalho do século XX vão se tornando antiquados, à medida que surgem disrupções e ocorrem mudanças.

Para fazer frente às mudanças, algumas de suas regras foram alteradas, enquanto outras ainda precisam ser modernizadas, para se ajustarem às necessidades atuais e aos desafios do futuro. Entre as regras que precisam ser atualizadas, destacam-se aquelas essenciais de segurança e saúde no trabalho (SST) e de previdência vinculadas ao ambiente de trabalho, de suma importância para o trabalho produtivo e sustentável.

É urgente a realização de uma efetiva modernização de SST e previdência, para que a premissa fundamental de suas regulamentações e de suas práticas seja a prevenção de acidentes e doenças do trabalho, com regras harmônicas e eficientes, capazes de estabelecer, de forma precisa, as obrigações de empregadores, de trabalhadores e do Estado.

O quadro a ser superado

A legislação e a prática em SST e em previdência no Brasil atuam sobre questões interligadas do ambiente de trabalho: riscos ocupacionais e suas consequências para empresas e empregados.

Nesse sentido, há problemas interrelacionados de SST e previdência que geram consequências negativas para as empresas, para os trabalhadores e para o Estado. Entre elas, se destacam a estrutura obsoleta de monetização de riscos ocupacionais, a falta de harmonia entre as regras de ambas as áreas e a pouca disponibilidade de informações, no âmbito da Previdência Social, para os empregadores.

Esses problemas devem ser superados, sendo direcionados para a criação de um ambiente de trabalho e de negócios de estímulos a práticas de maior cuidado com a saúde e a higidez. Vale destacar que a compreensão sobre esses problemas auxilia na decisão de avançar na modernização necessária.

Uma estrutura obsoleta: monetização de riscos

Hoje, no Brasil, existe uma cultura de monetização de riscos no cenário legal e judicial, que estabelece a compensação monetária pelo trabalho em condições adversas, ao invés do necessário foco em prevenção.

Há décadas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê a compensação monetária do trabalho em condições de risco, por meio das figuras dos adicionais de insalubridade ou de periculosidade ao salário do trabalhador exposto a tais condições (artigos 192 e 193 da CLT). Essa regra se baseia na antiga premissa de que o trabalho em condições de risco era inevitável e deveria, portanto, gerar pagamento de compensações monetárias por isso.

Outra forma de monetização, prevista também há muito tempo na legislação previdenciária, são as alíquotas de aposentadoria especial, em decorrência do trabalho em condições potencialmente danosas à saúde do trabalhador.

O foco dessas alíquotas é financiar a retirada precoce do trabalhador do mercado de trabalho, independentemente de terem ocorrido, de fato, impactos na higidez do trabalhador. Ou seja, financia-se uma aposentadoria antecipada. Oneram-se, assim, os empregadores –, cujas atividades produtivas envolvem o contato com algum agente nocivo – com a cobrança da contribuição adicional de 6%, 9% ou 12% (artigo 57, §6o, da Lei 8.213/91) à alíquota do RAT – Riscos Ambientais do Trabalho (art. 22, II, Lei 8.212/91), calculada sobre a remuneração do empregado.

Nas últimas décadas, contudo, o mundo da Segurança e Medicina do Trabalho evoluiu. Gradativa, mas rapidamente, tornou-se prioridade o trabalho seguro. Diversos países passaram a adotar práticas e políticas centradas na prevenção dos riscos, afastando- se de premissas de compensações monetárias.

Em 1988, o Brasil avançou sobre o tema, ao estabelecer, na Constituição Federal, a prioridade de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7o, XXII). Contudo, restou a herança da cultura da monetização, pois se manteve a previsão de pagamento de adicionais àqueles que trabalham em condições insalubres ou perigosas (art. 7o, XXIII), de forma a compensar potenciais danos à saúde dos empregados.

Ou seja, “a redução dos riscos inerentes ao trabalho”, nos termos da letra do inciso XXII art. 7o da Constituição, deve ser a marca central das premissas modernas relativas a SST e previdência. Somente se essa redução não for de fato eficaz, deve haver a compensação pelo trabalho inseguro. Destaque-se que a tendência da evolução das políticas em saúde e segurança no trabalho hoje (confirmada pelos exemplos internacionais), é focada na prevenção, com a consequente eliminação ou redução dos riscos.

Contudo, a base legal do país ainda concentra seus esforços e sua atenção no reconhecimento das condições de trabalho que ensejam o pagamento dos referidos adicionais. E, com isso as autoridades do mundo do trabalho no Brasil seguem com maior foco nesses elementos, inclusive pela dificuldade de ultrapassar as premissas do modelo há décadas existente.

Trata-se de um sistema ineficiente para garantir uma efetiva proteção ao trabalhador, gerador de altos custos para a sociedade e com excesso de burocracias. Além disso, a insegurança jurídica é recorrente, acarretando uma constante judicialização do tema, seja no âmbito trabalhista (adicionais de insalubridade e de periculosidade), seja no previdenciário (alíquotas para aposentadoria especial), pela busca constante de caracterização de atividades como de risco, a gerar o pagamento de adicionais ou ensejar aposentadoria especial.

Importante reconhecer que o estabelecimento dos adicionais em lei acaba por impactar a busca de prevenção de riscos. Vale dizer que o pagamento de adicionais termina por reduzir o interesse na prevenção com medidas pertinentes em matéria de segurança e saúde no trabalho, pois, em uma perspectiva imediatista, é mais vantajoso financeiramente manter o trabalho em condições insalubres ou perigosas.

Cabe destacar ainda que há casos em que trabalhadores recebem adicionais, mesmo estando afastados de suas atividades. Aliás, esse é um dos elementos de estímulo à judicialização (que traz grandes custos, difíceis de serem mensurados, resultantes de uma maior morosidade judicial). Não é incomum que, mesmo tomando medidas de prevenção, a empresa termine condenada ao pagamento de adicional, ou sofra o reconhecimento de insalubridade para fins previdenciários.

Trata-se de uma situação de desincentivo para a implementação de mudanças efetivas em prol de uma postura preventiva, o que traz impactos para a sociedade, tais como gastos elevados com tratamentos de saúde, inclusive por meio do SUS, e custos com benefícios previdenciários.

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Insegurança jurídica e custos para a sociedade

Além da monetização, vê-se na legislação desarmonia entre as principais regras de SST e previdência. Como exemplo, existem diferenças na caracterização de insalubridade, nos prazos para caracterização de acidentes e na definição das responsabilidades de empresas e empregados, entre outros. Nesse sentido, um exemplo é o fato de o acidente de trajeto ainda ser tratado como acidente de trabalho para fins previdenciários.

Com efeito, na discussão e definição de estratégias e políticas públicas sobre trabalho seguro, muito pouco se preza pela interlocução e harmonia entre as regras previdenciárias e a legislação trabalhista em SST (são 36 Normas Regulamentadoras que tratam de segurança e saúde no trabalho). O desalinhamento entre esse conjunto de regras é totalmente inadequado, pois são legislações simbióticas, de perspectivas complementares sobre diversas questões e vinculadas, em nível mais fundamental, aos programas de gestão de riscos ocupacionais das empresas, que têm como finalidade última a prevenção do risco.

Diante desse quadro, o gerenciamento de riscos é prejudicado por questões, como, por exemplo, a disparidade dos conceitos trabalhistas e previdenciários para a caracterização da insalubridade, aliada a uma mistura entre os conceitos caracterizadores de riscos e perigos. Também é prejudicial o desencontro entre limites de tolerância, entre métodos de proteção aceitados como eficazes para a eliminação do risco e mesmo entre os conceitos que definem, para cada esfera, o que seria eliminação, redução ou neutralização de riscos.

Também é digna de nota a existência de excessivo número de documentos díspares e dispersos – para descrever um mesmo ambiente de trabalho para fins previdenciários e trabalhistas – a falta de estudos técnicos e de impactos econômicos para embasar a identificação de agentes nocivos no ambiente laboral e os critérios para sua prevenção. Com isso, inexiste um tratamento integrado de práticas para a efetiva prevenção de riscos, dada a complexidade do sistema. No mais, o arcabouço legal do tema sequer está padronizado.

Aliado a esses problemas, há excesso de órgãos com linhas de ação sobre um mesmo ambiente de trabalho (Auditoria Fiscal do Trabalho, INSS, Receita Federal e Cerests, integrantes do SUS), nos quais prevalece o viés repressivo.

Disso tudo resulta uma disparidade de entendimentos normativos, judiciais e administrativos sobre o tema, tratado de forma isolada em cada esfera, acarretando prejuízos para os trabalhadores, para as empresas e para o Estado. Uma das consequências é a hiperjudicialização, que está aumentando no país. Dados do CNJ revelam que, entre 2015 e 2018, houve o aumento de 140% do número de ações judiciais referentes à discussão sobre a concessão de benefícios previdenciários, sendo que, nesse período, tramitaram no Judiciário aproximadamente oito milhões de processos relacionados a esse tema.

Portanto, de forma geral, o referido quadro traz uma série de consequências negativas, sendo a mais direta o prejuízo ao tratamento integrado das políticas e práticas de SST e de previdência, de forma a compatibilizar, de forma global, estratégias de eliminação ou redução do risco, via prevenção.

Prejuízo à prevenção e à recuperação para o trabalho

Outro problema a ser combatido é a baixa disponibilidade de informações, especialmente previdenciárias, ao público interessado, com destaque para as empresas. Não só isso, como todo o processo administrativo previdenciário e procedimentos correlatos precisam ser revisitados, para que se simplifiquem os instrumentos hábeis à obtenção de informações pelos interessados, a fim de estabelecer uma articulação entre prevenção de acidentes e recuperação para o trabalho.

Situação que ilustra bem esse problema, que constitui uma das maiores dificuldades atuais das empresas para gerir suas obrigações relativas à Previdência Social – e que também impacta negativamente os trabalhadores – é o chamado “limbo previdenciário”, que ocorre quando um empregado, afastado pelo INSS, recebe da autarquia autorização para retorno ao trabalho, ainda que o médico do trabalho constate impedimentos de natureza de saúde para esse retorno. Nessa situação, não pode o empregador admitir retorno de trabalhador ainda doente ao trabalho, pois a situação pode se agravar.

Ao mesmo tempo, apesar de melhorias nos últimos anos, ainda há dificuldades a serem vencidas no que importa ao acesso a informações, pelas empresas, perante o INSS.

Com efeito, houve melhoria na disponibilidade de informações aos beneficiários do sistema, por meio da plataforma digital “Meu INSS”.

Já para as empresas, a Portaria DIRBEN/INSS No 1.012, de 06/04/2022 previu o acesso às decisões administrativas de benefícios requeridos por seus empregados, em serviço de consulta no sítio eletrônico oficial do INSS. Segundo essa norma, as informações de benefício que serão fornecidas referem-se à data do requerimento, da concessão, de início e de cessação, quando houver, além do seu status no momento da consulta.

Apesar de ter, em boa hora, franqueado às empresas acesso a essas informações básicas, é necessário aprofundar na disponibilização de diversas informações essenciais pois, de fato, ainda faltam informações, por exemplo, sobre as perícias marcadas e seus resultados (o que impacta, por exemplo, a concessão de complementações remuneratórias8 devidas pelas empresas), impedindo que se saiba se os empregados deveriam ou não retornar ao trabalho e, eventualmente, fazer adaptações para o acolhimento daqueles que retornam. Também, em muitos casos, as empresas somente tomam ciência de um nexo atribuído entre o afastamento e o trabalho ao serem cientificadas de seu FAP9, sem que tenham tido a possibilidade de apresentar elementos que as defendam da atribuição desse nexo.

Em conjunto com esse cenário, é importante também destacar a dificuldade imposta à própria sociedade, pela proliferação de leis, portarias, decretos, instruções normativas, entre outros, o que torna muito difícil conhecer os procedimentos previdenciários relativos, por exemplo, à solicitação, prorrogação, concessão e contestação de benefícios. Essa situação se agrava pela inexistência de um canal público, onde sejam disponibilizados, de forma atualizada e consolidada, todos os normativos sobre o tema.

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PROPOSTAS

1. Aperfeiçoar as regras para embargo e interdição, para privilegiar a fiscalização orientadora.

2. Aprimorar as regras da CIPA para, entre outros:

a) permitir a utilização de meios eletrônicos e reuniões virtuais;

b) permitir uma única reeleição do empregado para cargo de direção;

c) explicitar que a estabilidade não se estende aos suplentes, e cessa com o encerramento das atividades do estabelecimento, e

d) estabelecer tratamento diferenciado a micro e pequenas empresas.

3. Explicitar na lei conceitos de gerenciamento de riscos ocupacionais.

4. Dispor sobre a caracterização, a classificação e a adoção de medidas para eliminar ou neutralizar a exposição aos agentes nocivos em atividades e operações insalubres, para dar maior efetividade à redução dos níveis de riscos ocupacionais.

5. Explicitar procedimentos para a efetiva neutralização da exposição do trabalhador a agentes nocivos por Equipamentos de Proteção Individual, para conferir segurança técnica e jurídica na adoção de medidas de prevenção.

6. Permitir a realização de exames ocupacionais por meio de recursos de telemedicina.

7. Unificar os critérios de caracterização de acidentes de trabalho.

8. Disciplinar prazos para notificação de acidentes de trabalho e doenças profissionais pela empresa à Previdência Social.

9. Excluir o acidente de trajeto das situações equiparadas a acidente de trabalho, para conferir maior segurança jurídica ao tema.

10. Estabelecer requisitos para a caracterização de acidentes de trabalho posteriormente à rescisão contratual.

11. Revisar a metodologia do NTEP.

12. Padronizar os procedimentos adotados pelo INSS na definição dos acidentes do trabalho.

13. Garantir o acesso a andamentos e a disponibilização integral dos processos administrativos às empresas, por meio eletrônico.

14. Atribuir efeito suspensivo para todos os recursos administrativos em matéria de acidente de trabalho.

15. Permitir que o serviço médico da empresa subsidie a perícia médica do INSS e tenha acesso ao laudo emitido, para garantir que eventual declaração de nexo acidentário ocorra apenas nos casos em que haja efetiva vinculação com o trabalho.

16. Permitir que o médico do trabalho solicite a prorrogação do auxílio-doença, para evitar que o empregado entre em situação de limbo jurídico-previdenciário.

17. Facilitar o retorno ao trabalho por readaptação do empregado incapacitado em outra função (reabilitação profissional).

18. Vincular expressamente a concessão da aposentadoria especial à efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, inclusive cancerígenos, e dispor sobre a obrigação de o empregado informar à empresa sobre sua aposentadoria especial.

19. Explicitar a possibilidade de neutralização, por medidas de prevenção, dos agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos que ensejem aposentadoria especial.

20. Revisar a metodologia do RAT.

21. Prever que as empresas sejam chamadas a participar das ações contra o INSS, como requisito para propositura de ação regressiva.

22. Prever a possibilidade de compensação entre a contribuição do RAT paga pelas empresas e eventual condenação em ação regressiva.

Políticas de emprego: reunir trabalhadores e empresas

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Em 2020 e 2021, a taxa de desocupação atingiu o nível mais alto desde 2012: 14,7%. A taxa superou a de 2017, quando foi registrado o expressivo índice de desemprego de 13,7%, na comparação com o piso de 6,2%, observado em 2013.

Entre as pessoas ocupadas (89 milhões), há 7,7 milhões subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas. Também há 5,4 milhões de pessoas que gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, porém não procuram trabalho por achar que não teriam chance de encontrá-lo (“desalentados”).

Esse quadro resulta da combinação entre dificuldades de ordem conjuntural e problemas estruturais.

No campo conjuntural, sucessivas recessões determinaram quedas no número de pessoas empregadas. O aumento da desocupação, até 2017, se deveu à recessão de 2014- 2016. Entre 2017-2019, as taxas indicaram recuperação, acompanhando o ritmo lento de crescimento do período. A partir de 2020, a pandemia da covid-19 contribuiu substancialmente para a evolução das taxas de desemprego.

Entre os aspectos estruturais, destacam-se o acelerado processo de envelhecimento da população, os elevados níveis de informalidade, a baixa qualidade da educação e as rápidas mudanças tecnológicas. Esses fatores são determinantes para as dificuldades encontradas no mercado de trabalho.

Há amplo consenso de que o crescimento econômico é requisito fundamental para a geração de postos de trabalho. Contudo, ações de modernização e desburocratização trabalhista, bem como ações para superar falhas de mercado, podem contribuir para a reversão de problemas.

Nesse sentido, a incorporação de padrões associados à 4ª. Revolução Industrial gera a necessidade de formação de trabalhadores com aprendizado contínuo e condições de rápida adaptação a novos contextos profissionais. São necessárias, portanto, a requalificação da população ocupada e a promoção de mudanças no sistema educacional.

Serviços de intermediação de mão de obra, combinados a políticas públicas de apoio à renda e a estratégias de combate ao desemprego, são também importantes. No Brasil, o Sine é o sistema responsável pelos esforços públicos nesse sentido, mas tem sido pouco efetivo, em parte pelas dificuldades na captação de vagas.

Há também dificuldades de alocação, no mercado de trabalho, de estratos da população, como jovens e pessoas com 50 anos ou mais. Modelos de contratação flexíveis, ajustados às características desses grupos, podem contribuir para o preenchimento de novos postos de trabalho.

Portanto, o quadro atual demanda aprofundamento em políticas de emprego que articulem ações para redução dos déficits de qualificação de mão de obra e aprimoramento na intermediação de mão de obra, bem como foco em melhorias na regulamentação trabalhista com vistas a promover a formalização no mercado de trabalho.

Diante do cenário atual, as políticas de emprego estão entre os temas prioritários para o país. O assunto é especialmente relevante em um momento marcado por um elevado número de pessoas desocupadas, subocupadas e desalentadas.

Embora intimamente relacionadas à agenda de modernização e desburocratização trabalhista, as propostas relativas às políticas de emprego tratam, essencialmente, de falhas de mercado (ou “fricções”), que dificultam a alocação rápida dos recursos humanos. Essas falhas dizem respeito a) a déficits de qualificação de mão de obra; b) à intermediação de mão de obra; e c) à formalização e à regulamentação trabalhista.

No primeiro caso, o foco recai sobre o descasamento entre as qualificações demandadas pelas empresas e as qualificações dos trabalhadores desocupados. Já no segundo, o objetivo é facilitar a conexão entre os trabalhadores habilitados e as vagas disponíveis nas empresas. Finalmente, no terceiro caso, o foco recai sobre a rigidez da regulamentação trabalhista, especialmente no que diz respeito aos obstáculos que impactam a preservação de postos de trabalho em conjunturas desfavoráveis.

Há um amplo consenso de que o crescimento econômico é requisito fundamental para a geração de novos postos de trabalho. É evidente que a grave situação do emprego no país não será resolvida apenas com a superação dessas falhas de mercado e com a modernização e a desburocratização trabalhista.

Nesse sentido, o enfrentamento dos problemas apontados deve ocorrer simultaneamente à busca de soluções para um conjunto mais amplo de problemas que, em última análise, reduzem o potencial de crescimento da economia brasileira. Trata-se, em particular, de enfrentar o desafio de aumentar os níveis de produtividade do país, que vem perdendo, ao longo dos últimos anos, posições nos rankings internacionais de competitividade.

Situação do emprego no Brasil

A situação do emprego no Brasil é afetada tanto por dificuldades de ordem conjuntural como por problemas estruturais. A combinação desses dois problemas levou o país a observar, em 2020 e 2021, taxas de desemprego especialmente elevadas. Os dados mais recentes indicam, no último trimestre de 2021, uma taxa de desocupação de 11,1%. Trata-se de um contingente de 12 milhões de pessoas que não estão trabalhando e que tomaram alguma providência efetiva para encontrar trabalho, estando disponíveis para assumi-lo, caso encontrem alguma colocação.

As taxas de desemprego, por si sós, já são um problema particularmente sério a ser enfrentado pelo país. Há, porém, outros indicadores que apontam para a grave situação do trabalho no Brasil. Com efeito, no universo de 89 milhões de pessoas ocupadas, há 7,4 milhões de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas. Trata-se daqueles que têm jornada de trabalho inferior a 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais tempo e estão disponíveis para isso.

Além disso, há um expressivo contingente da população (cerca de 4,8 milhões de pessoas) classificado como “desalentado”. Esse grupo engloba as pessoas que gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, porém não procuraram trabalho por julgarem que não teriam chances de encontrá-lo. Nesse universo, incluem-se, por exemplo, aqueles que desistem de procurar trabalho porque não detêm experiência ou qualificação.

Destaca-se, ainda, que durante a pandemia da covid-19, a queda do número de pessoas ocupadas não se refletiu, na mesma proporção, no aumento do número de pessoas desocupadas. Houve pessoas que se afastaram do mercado de trabalho em decorrência das medidas de distanciamento social, envolvendo, inclusive, os responsáveis por crianças que deixaram de frequentar a escola. Desse modo, o número de pessoas que atualmente buscam postos de trabalho tende a ser superior ao número de desempregados apurado durante a pandemia.

Todo esse quadro é agravado por um acelerado processo de mudança do perfil etário da população e por reduzidas taxas de crescimento econômico. O Brasil, que há poucas décadas era caracterizado como um país de jovens, com a evolução de sua pirâmide etária, passou a ser considerado um país de adultos em idade de trabalhar.

No entanto, o chamado “bônus demográfico” tem-se reduzido aos poucos, com o envelhecimento da população, o que traz reflexos sobre o mercado de trabalho e sobre os programas de seguridade social.

As reduzidas taxas de crescimento do PIB, por sua vez, dificultam a geração de novos postos de trabalho e impõem uma pressão ainda maior sobre as taxas de desocupação.

Assim, existe um amplo conjunto de fatores conjunturais e estruturais que afetam os indicadores relativos ao mercado de trabalho no Brasil.

Embora a situação do emprego no Brasil seja afetada por um amplo espectro de problemas estruturais, a conjuntura atual revela-se especialmente preocupante. No período recente, alguns fatores conjunturais têm contribuído para o agravamento do desemprego no país, acrescentando ingredientes danosos às condições de absorção da mão de obra. Por exemplo, em 2020 e 2021, as taxas de desocupação atingiram os níveis mais altos desde 2012 (Pnad Contínua), tendo alcançado 14,9%. Cabe ressaltar que, em 2017, também já havia sido registrado um índice de desemprego muito expressivo (13,7%), sendo que, em 2013, essa taxa chegou ao valor mínimo, de 6,2%.

A trajetória dessa ascensão do desemprego até 2017 associa-se ao período recessivo vivenciado pelo Brasil a partir de 2014, evidenciado pelo comportamento do PIB. A partir do segundo trimestre de 2014, o país vivenciou a recessão mais longa e uma das mais profundas de sua história, marcada por uma queda praticamente contínua do PIB ao longo de quase três anos e por uma lentidão sem precedentes no ritmo de recuperação.

Após 19 trimestres do início do período recessivo, a atividade econômica encontrava-se mais de 5% abaixo dos seus níveis precedentes. Considerando-se o comportamento médio das recuperações anteriores, o PIB brasileiro situava-se em um patamar 12,6% inferior a seu padrão histórico.

Além disso, estimativas apontavam que, ao ritmo de crescimento registrado naquele momento, apenas no terceiro trimestre de 2023 a economia brasileira conseguiria retornar ao nível de produção do início de 2014 (Borça Jr., Barboza e Furtado; 2019).

No triênio 2017-2019, as taxas de crescimento do PIB indicam alguma recuperação. Trata-se de um período marcado pelo retorno da estabilidade macroeconômica, por baixas taxas de inflação, taxas de juros em queda e por taxas de crescimento do PIB positivas, ainda que reduzidas.

Esse cenário reflete a aprovação de algumas reformas estruturantes, com destaque para o novo regime fiscal ou “teto de gastos” (Emenda constitucional 95/2016), para a Lei da Modernização Trabalhista (Lei 13.467/2017), para a regulamentação da terceirização (Lei 13.429/2017) e para a reforma da Previdência (Emenda constitucional 103/2019).

Nesse período, adotaram-se ainda algumas medidas de estímulo ao crescimento da demanda compatíveis com as restrições fiscais, a exemplo da liberação dos saldos do fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS). Esses movimentos concorreram para uma redução das taxas de desocupação, que passaram de 13,7%, em meados de 2017, para 11,0%, no fim de 2019. Trata-se de uma melhoria gradual do nível de desocupação, em linha com o crescimento lento que marcou o período.

Em outras palavras, a solução para os problemas do mercado de trabalho requer uma expansão forte e sustentada da capacidade de produção da economia. Não há solução mágica para geração de emprego que não passe pelo crescimento e não há crescimento sem ganho de produtividade.

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Relações de trabalho

Em 2020, a pandemia provocada pela covid-19 repercutiu de maneira imediata na evolução das taxas de desemprego.

De um lado, as estratégias de distanciamento social, implementadas para tentar controlar a crise sanitária, engendraram condições de produção e de prestação de serviços adversas, chegando a congelar quase que totalmente segmentos nos quais a interação presencial é inevitável, como bares, restaurantes e salões de beleza, por exemplo.

De outro lado, a interrupção do fluxo de fornecimento em diversas cadeias produtivas, decorrente da paralisação das atividades produtoras de insumos, estabeleceu um gargalo para a produção em muitos setores. Paralelamente a essas restrições de oferta, as empresas defrontaram-se também com um choque de demanda motivado pelas fortes incertezas, pela retração dos negócios e pela consequente redução da massa salarial e da renda.

Embora esse quadro tenha sido observado em praticamente todo o mundo, suas implicações na América Latina e no Brasil, em particular, parecem ter sido especialmente graves. Estimativas do FMI apontam que a contração econômica da América Latina e do Caribe foi da ordem de 6,9% em 2020. A drástica redução do nível de atividade teve impactos especialmente profundos nos níveis de ocupação da região.

Também foi estimado que cada 1% de queda no produto na América Latina levou a uma queda de 1,5% no emprego da região (Maurizio, 2021), o que faz com que a redução das taxas de ocupação seja bem maior do que a redução do PIB no período.

Em CNI (2020), verifica-se que que 92% das 734 empresas que responderam à consulta consideraram-se afetadas negativamente pela pandemia, sendo que 43,5% delas classificavam o impacto como muito intenso.

Praticamente 80% dessas empresas revelaram a percepção de uma queda na demanda, enquanto 86% afirmaram enfrentar dificuldades para conseguir insumos ou matérias primas e 83% identificaram problemas em sua logística de transporte.

Adicionalmente, 41% das indústrias consultadas declaravam ter interrompido a produção por conta da covid-19, enquanto outras 40% afirmaram ter reduzido seus níveis de produção.

Com relação aos pagamentos rotineiros (tributos, fornecedores, salários, energia elétrica e aluguel), 73% das respondentes registraram dificuldades. Isso explica o fato de 61% das empresas terem procurado acessar capital de giro, sendo que 78% responderam ter enfrentado maiores dificuldades nesse processo.

Entre os principais impactos da crise, 70% das empresas apontaram queda de faturamento, 49% incluíram o cancelamento de pedidos/encomendas, 33% mencionaram a queda da produção e 30% sua paralisação.

Segundo estimativas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o impedimento à operação de estabelecimentos devido à pandemia levou a uma perda de faturamento no setor varejista. Até início de abril de 2020, estimaram-se perdas de R$ 53,3 bilhões, o que corresponde a uma retração de 46,1% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Dados relativos ao segundo trimestre de 2020, consolidados pela empresa Cielo, também indicaram a magnitude da queda da atividade comercial no país, revelando contração nominal de 29,2% do faturamento do setor varejista, em relação a igual período do ano precedente.

Desde então, os dados da Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE têm mostrado que o volume de vendas do setor (já considerando as variações sazonais que ocorrem ao longo de cada ano) tem oscilado. Conforme se observa na figura 3, após uma queda significativa no início da pandemia, houve uma recuperação relativamente rápida até novembro, período a partir do qual o índice se manteve mais ou menos estável.

Essa crise conjuntural, disseminada e sem precedentes, trouxe repercussões diferentes sobre as atividades econômicas. Diferentes graus de comprometimento das cadeias globais de valor, variados sinais de deformação das condições de produção e armazenamento, distintos graus de mudanças nos padrões de consumo, por exemplo, tiveram implicações heterogêneas sobre os níveis de oferta e demanda e sobre os preços relativos das mercadorias, com fortes repercussões sobre a situação do emprego.

Todo esse cenário repercutiu na queda do número de pessoas ocupadas e no crescimento do número de pessoas fora da força de trabalho. Com efeito, entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, o número de pessoas ocupadas caiu de 92,22 milhões de pessoas para 83,35 milhões. Por outro lado, o número de pessoas fora do mercado de trabalho saltou de 67,28 milhões para 77,78 milhões.

As repercussões da pandemia também variaram entre os diferentes tipos de ocupação. Vale dizer que, no setor formal, entre o primeiro e o terceiro trimestre de 2020, o número de pessoas ocupadas caiu cerca de 8,5%. Ainda que, no final do segundo trimestre de 2021, uma parte já tivesse sido sido recuperada, a queda ainda superava 5,0%. Em algumas categorias específicas do setor formal, a queda chegou a superar 20% (no caso dos trabalhadores domésticos com carteira de trabalho assinada), sem que tenha havido recuperação significativa.

Já no setor informal, no segundo trimestre de 2020 o número de pessoas ocupadas caiu mais de 15%, tendo havido alguma recuperação posterior, mas sem retorno ao patamar original. Além disso, o número de trabalhadores domésticos sem carteira de trabalho assinada apresentou queda de quase 25% no período, embora alguma recuperação tenha ocorrido nos trimestres subsequentes. Ainda assim, houve queda praticamente generalizada no setor informal, exceto no caso dos trabalhadores por conta própria sem CNPJ e dos trabalhadores familiares auxiliares.

Na indústria, em particular, os impactos da pandemia sobre os níveis de ocupação foram especialmente significativos. Entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020, o número de pessoas empregadas no setor caiu de 10,55 milhões para 9,79 milhões (considerando os empregos formais) e de 7,67 milhões para 6,26 milhões (considerando os empregos informais). Entre os três setores (agropecuária, indústria e serviços) vinculados aos empregos formais, o setor industrial foi o mais severamente atingido.

Para lidar com esse cenário, instrumentos foram acionados pelo governo. Foram implementadas medidas para minimizar o impacto negativo da crise sobre o mercado de trabalho, materializadas no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que facultava a possibilidade de redução proporcional de jornada de trabalho e salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho.

Adicionalmente, instituiu-se também o pagamento de um auxílio emergencial como outra forma de proteção social durante a crise. Em 2020, estima-se que cerca de 68,1 milhões de pessoas receberam ao menos uma parcela do auxílio. Nesse universo. 19,5 milhões já recebiam Bolsa Família e 10,5 milhões estavam cadastrados na base do governo para inscrição em benefícios sociais (“Cadastro Único”).

Restou, assim, um total de 38,1 milhões de pessoas, considerados “invisíveis”. Trata-se, na verdade, de um grande contingente de trabalhadores não protegidos pelos mecanismos de seguro social existentes no país. De acordo com análise publicada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), “esse grupo vive em domicílios com renda habitual de aproximadamente R$ 1.300”, no limiar da pobreza.

O ônus de instituir medidas de preservação de emprego e ampliar programas de proteção e assistência social, associado aos esforços de liquidez para empregadores, resultou em gastos públicos extraordinários, que fragilizaram ainda mais a delicada situação das contas públicas brasileiras.

Segundo a base de dados Covid-19 Economic Stimulus Index, que inclui 168 nações, o pacote fiscal brasileiro, voltado para minimizar os danos socioeconômicos da pandemia, alcançou o patamar de 12% do PIB. Para o conjunto dos países considerados, registrou-se gasto médio equivalente a 6,3% do PIB, enquanto para os países da América Latina esse valor correspondeu a 4% do PIB (Pessoa, 2021).

A dimensão do pacote fiscal adotado no Brasil contribuiu para que a expectativa de queda da atividade econômica – que chegou a quase 7%, em meados de 2020 – fosse parcialmente revertida. Ao longo daquele ano, as expectativas de mercado para o crescimento do PIB – registradas no relatório Focus, publicado pelo Banco Central do Brasil – foram aumentando, tendo chegado a um valor negativo ao final do ano (– 4,36%), não tão baixo como o que se previa por volta de junho de 2020.

Embora não se discuta que o esforço legítimo e indispensável tenha resultado, em maior ou menor grau, no arrefecimento da retração econômica, na sobrevivência de muitas empresas e na preservação de numerosos empregos, é preciso ressaltar que os elevados gastos fiscais assumidos não evitaram que a economia brasileira exibisse, ao final do ano de 2020, uma taxa de contração do PIB próxima daquela estimada no final daquele ano (– 4,1%). Em resumo, ao final, os gastos fiscais superiores aos do restante da América Latina resultaram em uma queda menor do PIB no caso do Brasil, mas com passivos acumulados maiores a serem equacionados no futuro (Pessoa, 2021).

Apesar do vultoso pacote de apoio instituído, os níveis de desemprego atingiram patamares mais elevados do que os registrados em anos anteriores. No entanto, o avanço da vacinação em massa e o consequente controle da pandemia levaram a uma melhora da atividade econômica no país e à recuperação das taxas de desemprego ao patamar observado antes da pandemia. Ainda assim, mesmo superada a crise sanitária, os efeitos dos processos de falências, da retração nas intenções de investimento e do aumento dos níveis de desemprego e subemprego persistem.

A persistência da taxa de desemprego em patamar elevado (acima de 10%), provoca enorme inquietação, uma vez que o desemprego de longa duração ocasiona uma depreciação do capital humano e tende a repercutir em maiores dificuldades de recolocação dos profissionais apartados de suas atividades por um extenso período.

Trata-se, assim, da dificuldade de a taxa de desocupação retornar a seu estado original após um choque. Essa desorganização pode retardar o processo de crescimento de longo prazo, não apenas pela redução de habilidades, decorrente do afastamento dos empregados de suas funções, mas também pelas dificuldades de prover novas correspondências entre trabalhadores e vagas, sobretudo quando se consideram os elevados contingentes de desocupados por muito tempo, as novas características do mercado e a generalização do uso de tecnologias emergentes e inovadoras.

Para parcelas específicas da população, essas perspectivas apresentam-se ainda mais desafiadoras, pois os impactos da pandemia foram muito heterogêneos em diferentes grupos populacionais (ver seção 2.3). Segundo dados extraídos da Pnad Contínua, de modo geral, os trabalhadores pertencentes aos estratos mais vulneráveis foram os mais severamente atingidos.

Em particular, no caso dos estratos mais jovens, estima-se, com base em dados de 2020, que mais de um terço das pessoas com 19 anos não concluíram o ensino médio, o que dificulta sua inserção e sua capacidade de adaptação ao mercado de trabalho.

Além disso, dados referentes a 2019 indicam que, ao final dessa etapa de ensino, apenas 37,1% dos concluintes têm aprendizado adequado em Língua portuguesa e 10,3% em Matemática.

De acordo com dados da Pnad Contínua, as taxas de desocupação da população, com idade entre 14 e 17 anos e entre 18 e 24 anos, alcançaram, respectivamente, 43,2% e 29,5% no segundo trimestre de 2021.

Desse modo, o Brasil apresenta um expressivo contingente de jovens que não completaram a educação básica e não estudam nem trabalham, o que representa um elevado custo social e econômico para o país.

Esse quadro preocupante se tornou mais grave e evidente na crise acentuada pela pandemia da covid-19. As dificuldades de acesso ao ensino remoto, de distribuição de material didático, de formação continuada e de redução da evasão escolar foram agravadas em virtude da desarticulação das regras adotadas pelas redes estaduais e municipais de ensino (Todos pela educação, 2021a, p. 8-9).

Chama-se mais uma vez a atenção para o fato de que a crise decorrente da pandemia da covid-19 atingiu o mercado de trabalho quando os efeitos de uma grave recessão ainda eram claramente percebidos.

Na prática, portanto, diferentes fatores de ordem conjuntural sobrepuseram-se, provocando oscilações cíclicas prolongadas, capazes de comprometer o desempenho de médio e longo prazo da economia brasileira. Isso é particularmente alarmante neste momento de cenário fiscal desfavorável, de pressão inflacionária, de alta nas taxas de juros, de encarecimento do crédito, de corrosão da renda das famílias e de comprometimento da demanda.

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PROPOSTAS

Há amplo consenso de que o crescimento econômico é requisito fundamental para a geração de novos postos de trabalho. Contudo, ações voltadas para a modernização e a desburocratização trabalhista e para a superação das falhas de mercado, que dificultam a alocação rápida dos recursos humanos, podem contribuir, de maneira significativa, para a reversão dos problemas indicados.

Déficits de qualificação de mão de obra

1. Implementar e fortalecer programas de formação, especificamente dirigidos para jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho.

2. Implementar e fortalecer programas de formação, especificamente dirigidos para jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho e que já saíram do período do ensino médio (jovens nem/nem).

3. Implementar e fortalecer programas de qualificação para trabalhadores desempregados de longo prazo ou que estão ocupados em campo diferente do de sua formação (formular políticas de requalificação associadas ao seguro-desemprego, de modo a permitir a atualização e o aproveitamento das competências existentes).

4. Implementar programas de aprendizagem por toda a vida / requalificação para pessoas já inseridas no mercado.

Intermediação de mão de obra

5. Aprimorar o sistema público de intermediação de mão de obra, por meio da articulação do Sine com as políticas públicas de apoio à renda e as estratégias mais amplas de combate ao desemprego (integração de políticas e de bases de dados).

6. Aprimorar os sistemas de identificação e de agrupamento de perfis de trabalho do Sine, por meio do uso de novas tecnologias como inteligência artificial e aprendizado de máquina (machine learning).

7. Fomentar o compartilhamento de dados do Sine com instituições que atuam na intermediação de mão de obra, observadas as restrições impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

8. Fomentar a atuação de agências privadas em parceria com o Sine, inclusive por meio da implementação de sistemas de incentivos (por exemplo, premiações por desempenho no cadastramento e na colocação de trabalhadores no mercado).

Formalização e regulamentação trabalhista

9. Fomentar a contratação de estratos específicos da população, por meio da redução de custos não remuneratórios.

10. Implementar formatos mais flexíveis de contratação em tempo parcial, descontínua ou ocasional para estratos específicos da população.

Educação: preparando os jovens para o mundo do trabalho

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(Leudo Lima/DF/CNI/.)

A competitividade da indústria e dos outros setores da economia passa fundamentalmente pela educação. O Brasil precisa avançar, de forma significativa, na melhoria da qualidade educacional de sua população economicamente ativa e daqueles que nela irão ingressar. A garantia de um sistema educacional sintonizado com os avanços sociais, científicos e tecnológicos e que ofereça oportunidades a todos é a principal alavanca para o aumento da produtividade e para a retomada do crescimento.

A lógica da produção vem mudando nos últimos anos, exigindo novas competências e habilidades dos trabalhadores. Nesse ambiente de crescente complexidade tecnológica e organizacional, as empresas brasileiras vão demandar formação contínua dos seus trabalhadores, para suprir as lacunas que surgirão com o progresso tecnológico.

Nesse sentido, as instituições de ensino precisam estar alinhadas às novas demandas da sociedade e do mundo do trabalho, cumprindo sua missão de preparar as pessoas. A transição para um mundo cada vez mais digital e complexo exige a transformação do modelo educacional vigente.

Há um elo decisivo e indissociável entre a educação básica e a formação profissional, que precisa ser fortalecido para que o Brasil possa avançar na formação dos recursos humanos necessários para equacionar a defasagem de produtividade e competitividade em relação aos países mais desenvolvidos.

O Brasil tem desafios históricos do campo educacional a enfrentar. Apesar das conquistas observadas nas últimas décadas, o atual quadro educacional ainda revela um conjunto de fragilidades, que denunciam o quanto o país se encontra, ainda, distante de promover padrões desejáveis de aprendizagem à população.

O dinamismo da economia, a competitividade global, o forte avanço tecnológico e as rápidas mudanças do conhecimento exigem níveis cada vez mais altos de formação e qualificação da população. Consequentemente, os países mais desenvolvidos têm buscado aperfeiçoar suas políticas educacionais, fazendo atualizações nos currículos, renovando as metodologias de ensino e investindo fortemente na formação e atualização dos professores.

Hoje, com a limitação fiscal imposta pelo alto nível de endividamento público, prover meios de atender às demandas educacionais mais relevantes se impõe como um grande desafio. Para que o país avance, é preciso contar com um Estado mais eficiente e comprometido com a inovação da gestão pública, ampliando sua capacidade de produzir benefícios para a sociedade, por meio de estratégias que não precisem, necessariamente, de novos investimentos e levem em consideração a expertise de diversos atores no setor educacional brasileiro.

A competitividade da indústria e dos outros setores da economia passa fundamentalmente pela educação. O Brasil precisa avançar, de forma significativa, na melhoria da qualidade educacional de sua população economicamente ativa e daqueles que nela irão ingressar. A garantia de um sistema educacional que ofereça oportunidades a todos e que esteja sintonizado com os avanços sociais, científicos e tecnológicos é, indiscutivelmente, a principal alavanca para o aumento da produtividade e retomada do crescimento.

A consolidação de um sistema educacional dessa natureza requer tempo, investimento, inovação e, principalmente, comprometimento e colaboração da sociedade e dos governos nas esferas federal, estadual e municipal. Esse foi o caminho trilhado pelos países que deram saltos de qualidade na educação, ao adotar políticas públicas consistentes que tiveram continuidade.

DESAFIOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O desafio da qualidade da educação

O debate em torno da qualidade da educação vem ganhando espaço na sociedade brasileira. Cabe reconhecer que, nos últimos 20 anos, o país alcançou algumas importantes conquistas. Entre os progressos observados, encontra-se a universalização do atendimento no ensino fundamental e a expressiva expansão das matrículas no ensino médio e na educação pré-escolar.

A ampliação do acesso à escola está refletida nos dados do Censo Escolar, que registra atualmente cerca de 46,6 milhões de estudantes matriculados na educação básica1, da creche ao ensino médio, consideradas as diversas modalidades – inclusive a educação profissional e a educação de jovens e adultos (EJA). A grandeza do número sinaliza o tamanho do desafio que precisa ser enfrentado e o papel central do setor público, uma vez que mais de 80% das matrículas estão concentradas nas redes públicas de ensino.

Apesar das conquistas observadas nas últimas décadas, o atual quadro educacional brasileiro revela um conjunto de fragilidades e desafios que denunciam o quanto o Brasil se encontra distante de promover padrões desejáveis de aprendizagem à população.

a) Baixa aprendizagem

De acordo com os dados do Sistema de Avaliação da educação básica (Saeb), em um período de 20 anos (1999 a 2019), o percentual de estudantes do 3o ano do ensino médio com aprendizado adequado em Matemática caiu de 11,9% para 10,3%. Isso significa que o Brasil mantém um patamar muito baixo de aprendizagem, no qual apenas um em cada dez estudantes aprende o que é esperado ao final da educação básica.

Cabe mencionar que, no mesmo período, observa-se, em Língua Portuguesa, um aumento no percentual de estudantes do ensino médio com aprendizado adequado: de 27,6%, em 1999, para 37,1%, em 2019 (Gráfico 2).

Apesar do avanço, o cenário atual ainda está muito distante da meta do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014), que estabeleceu que, em 2019, pelo menos 70% dos estudantes já deveriam demonstrar aprendizado adequado.

b) Disparidade regional

Para além dos déficits de aprendizagem, os resultados do Saeb também revelam disparidades de resultados nas diferentes regiões do país. Enquanto, no Distrito Federal, 49,7% dos estudantes do 3º. ano do ensino médio apresentam aprendizado adequado em Língua Portuguesa, no Amazonas esse percentual é de apenas 18,1%.

Em Matemática, a situação é ainda mais desafiadora: a localidade de melhor resultado é o Distrito Federal, onde 18,3% dos estudantes têm aprendizado adequado. No Amapá, estado com o desempenho mais baixo, o percentual é de apenas 2,6%.

c) Distância em relação às outras nações do mundo

Enquanto os dados do Saeb permitem constatar as disparidades regionais de aprendizagem, os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), revelam a distância do Brasil em relação às outras nações do mundo. Na edição de 2018, o país ficou em 57º. em Leitura, 70º. em Matemática e em 66º. em Ciências no ranking dos 79 países participantes.

Os resultados revelam que o Brasil segue estagnado em um patamar muito baixo de desempenho. Em que pese o discreto aumento nas médias das três disciplinas nessa última edição, o país continua nas últimas posições do ranking mundial. Em Ciências, o Brasil alcançou 404 pontos, enquanto a média dos países da OCDE foi de 489 pontos. Em Matemática, foram 384 pontos, contra 489 da OCDE.

De acordo com a escala da OCDE, cada 35 pontos representam, em média, um ano letivo de aprendizagem. Portanto, é possível afirmar que, em Ciências, os estudantes brasileiros estão quase dois anos e meio de aprendizagem atrás da média dos estudantes dos países desenvolvidos que, em Matemática, a defasagem é de cerca de três anos.

d) Metodologia de ensino passivo-reprodutiva

O baixo desempenho do Brasil no PISA é apenas o efeito mais evidente do fracasso da educação no país. Para compreender os entraves do campo educacional de forma mais aprofundada, é preciso um olhar que considere a complexidade de um conjunto de fatores.

Um desses fatores diz respeito ao propósito do PISA, que busca não apenas avaliar se os estudantes podem reproduzir o conhecimento, mas sobretudo se são capazes de extrapolar o que aprendem e de aplicar esse conhecimento em contextos diferenciados. Essa perspectiva do PISA reflete as demandas da sociedade contemporânea, que valoriza os indivíduos não pelo que sabem, mas pelo que podem fazer com o que sabem.

É exatamente nesse ponto que se encontra uma das fragilidades da educação brasileira. Muitas escolas no Brasil ainda utilizam metodologias de ensino que reforçam um modelo passivo-reprodutivo, no qual cabe ao aluno apenas repetir e memorizar informações. Em tal modelo, não sobra espaço para trabalhar com atividades e projetos, que permitam aos estudantes avançar na compreensão dos conceitos, entender sua aplicabilidade e desenvolver habilidades fundamentais, como o pensamento crítico e a criatividade.

Recentemente, o Brasil deu importante passo ao avançar em políticas públicas – por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Novo Ensino Médio – por meio de mudanças relevantes na legislação, que sinalizam o compromisso do país na superação desse modelo educacional passivo-reprodutivo. As novas políticas trazem um conjunto de inovações que, se forem bem conduzidas, poderão representar um ponto de inflexão na qualidade da educação brasileira.

É importante destacar que o fracasso dos estudantes brasileiros de 15 anos no PISA não começa no ensino médio. O baixo desempenho tem de ser analisado à luz do que ocorre no ensino fundamental. O problema começa já no processo de alfabetização.

Dados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA, 2016) revelam que cerca de 55% dos estudantes concluem o 3º. ano do ensino fundamental com nível insuficiente de aprendizado em Matemática e Leitura. Esses estudantes avançam no processo escolar, acumulando dificuldades e chegam ao ensino médio com um conjunto de lacunas pedagógicas, que impõem desafios à aprendizagem.

e) Falta de equidade socioeconômica

Para além dos gargalos apontados anteriormente, a educação brasileira tem uma marca histórica que precisa ser superada: a falta de equidade. A análise dos resultados do PISA revela que o nível socioeconômico é forte preditor do desempenho educacional, tanto para o Brasil, como para os demais países. Estudantes com menor nível de renda, cujos pais possuem baixa escolaridade, são mais propensos a apresentar desempenho acadêmico inferior.

Entre os participantes do PISA, o Brasil está no grupo de países com estudantes detentores dos menores índices de status socioeconômico, o que significa que a tarefa do país é ainda maior. Os dados revelam que os estudantes brasileiros com vantagem socioeconômica superaram os estudantes desfavorecidos em 97 pontos na avaliação de leitura. O mais preocupante é que essa diferença de desempenho entre estudantes de alta e baixa renda aumenta, ano a ano, no Brasil. Tal indicador é um sinal de alerta para a crescente falta de equidade da educação brasileira.

O resultado positivo no PISA em países como o Vietnã, que também tem alta taxa de estudantes em camadas desfavorecidas, demonstra que a vulnerabilidade econômica e social não determina o destino. Os estudantes vietnamitas alcançaram médias de desempenho superiores à média da OCDE nas três disciplinas avaliadas.

Para além da experiência internacional, o Brasil pode se inspirar em boas práticas, desenvolvidas por estados como Ceará, Goiás e Pernambuco, que estão conseguindo alcançar bons resultados nas avaliações nacionais, mesmo com estudantes que estão na base da pirâmide social. Os resultados desses estados indicam que, por meio de políticas públicas bem direcionadas, é possível superar os obstáculos.

No entanto, para desenhar e implantar políticas assertivas, é fundamental que as avaliações em larga escala, como o PISA, não sirvam apenas como ferramenta para ranquear países, mas possam, por meio de análises diferenciadas dos dados, servir também como bússola que indique caminhos a seguir.

f) O impacto da pandemia na aprendizagem

Em função da pandemia da covid-19, os desafios de aprendizagem foram agravados, fazendo com que o país vivenciasse uma crise sem precedentes na área da educação. Os estudantes ficaram quase dois anos sem aulas presenciais e, apesar da utilização de algumas soluções paliativas, como as aulas online e o envio de materiais didáticos, os dados indicam que houve grande impacto na aprendizagem dos estudantes brasileiros.

Em 2020 e 2021, – anos em que as aulas presenciais foram interrompidas – houve aumento considerável do percentual de crianças entre 6 e 7 anos que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever. O percentual, que era de 25,1%, em 2019 subiu para 32,9%, em 2020 e para 40,8%, em 2021. Isso representou, cerca de 2,4 milhões de crianças de 6 e 7 anos não alfabetizadas em 2021.

O impacto na aprendizagem foi sentido principalmente entre as populações pardas e pretas. Em 2021, o percentual de crianças pretas não alfabetizadas foi de 47,4%, enquanto o de crianças pardas foi de 44,5%, percentuais superiores ao de crianças brancas (35,1%). Tal disparidade agrava ainda mais a desigualdade de oportunidades educacionais, já observada antes da pandemia.

Tal cenário requer ação imediata para mitigar e reverter o atraso na alfabetização e as perdas de aprendizagem. O país precisa investir em estratégias de reforço escolar, para que os estudantes possam superar as dificuldades acumuladas. Se não atuarmos para eliminar as lacunas educacionais já existentes, intensificadas pela pandemia, não teremos como avançar nas etapas subsequentes. Sem uma boa base em Leitura e Matemática, os déficits educacionais futuros serão inevitáveis, e o país não conseguirá corrigir o fluxo escolar, mantendo altas taxas de reprovação, abandono e distorção idade-série.

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O fluxo escolar e o impacto na escolaridade da população

As altas taxas de abandono e de reprovação no ensino médio representam um sinal de alerta quanto à pouca efetividade da educação para a juventude brasileira. No 1º. ano, as duas taxas, somadas, representam 19,5%3, ou seja, cerca de um em cada cinco estudantes é reprovado ou abandona a escola no início do ensino médio.

Tais índices impactam sobremaneira a taxa de conclusão da Educação Básica, atualmente na casa de 69%4 . Como consequência, o Brasil fica entre os países com os menores percentuais de adultos com o ensino médio completo: apenas 57%, contra 92% no Canadá e 67% no Chile, por exemplo.

Especialmente para os jovens, a pandemia intensificou inúmeros impactos decorrentes da desigualdade social e tecnológica, da redução de renda e do aumento do desemprego. Tais impactos, somados ao aumento da evasão escolar e à falta de preparo para o mercado de trabalho, contribuem para ampliar as estatísticas relacionadas aos jovens que nem estudam nem trabalham.

Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE)5 , indicam que, no terceiro trimestre de 2021, 11,6 milhões dos jovens, com idade entre 15 e 29 anos, não estavam nem trabalhando nem estudando, o que representa 23,7% da população nessa faixa etária.

O custo social e econômico dessa marginalização é altamente elevado, pois cerca de um quarto dos jovens do país não está avançando na sua escolaridade, tampouco na sua qualificação profissional, o que dificulta sua inserção e permanência no mercado de trabalho.

O Brasil vive acelerado processo de transição demográfica, devido ao envelhecimento da população, o que implica que teremos cada vez mais idosos e uma redução da população em idade economicamente ativa. Projeções do IBGE indicam que, em 2060, um em cada quatro brasileiros terá 65 anos ou mais.

Diante desse cenário, o país não pode deixar nenhum jovem para trás e precisa investir fortemente na formação e qualificação de todos. São necessárias, portanto, medidas urgentes para promover as mudanças que já eram necessárias antes da pandemia.

Além de capacitar bem os jovens e ampliar sua inserção no mercado de trabalho, é preciso requalificar a força de trabalho existente, com especial ênfase nos mais idosos.

A importância do investimento nas novas tecnologias para a educação

Outro aspecto central em que o Brasil precisa avançar ficou explícito, de forma cabal, na crise gerada pela pandemia do coronavírus: a falta de integração da tecnologia ao processo educativo. Segundo dados da última edição da pesquisa TIC Educação6, 39% dos estudantes de escolas públicas urbanas não contam com nenhum tipo de computador no domicílio, proporção que é de 9% entre os estudantes de escolas particulares urbanas.

O acesso dos estudantes à internet também é um grande empecilho: apesar de 83% dos domicílios brasileiros terem acesso à internet, esse percentual cai para 64% nas classes D/E. Nas escolas, as dificuldades multiplicam-se e as estatísticas evidenciam gargalos que precisam ser superados na infraestrutura física e tecnológica, bem como na formação digital de estudantes e professores.

A cultura digital tem de ser absorvida pelos espaços educacionais. As escolas precisam dialogar com a era digital e oferecer oportunidades para que os estudantes se apropriem das novas tecnologias, que hoje são fundamentais para a inserção na sociedade e o exercício da cidadania. Assim como no passado a alfabetização foi vista como indispensável, hoje o letramento digital configura-se como essencial para a inserção no mundo contemporâneo.

Principalmente para crianças e jovens vulneráveis, as tecnologias digitais são importantes ferramentas de transformação para favorecer oportunidades de aprendizagem, contribuindo para a quebra de ciclos intergeracionais de pobreza.

Nesse contexto, a escola tem um papel imprescindível, uma vez que, como os dados demonstram, o acesso dessas crianças e jovens às tecnologias em suas residências é mais limitado, criando um abismo de oportunidades entre grupos socioeconômicos mais e menos privilegiados.

Para além das habilidades tecnológicas que os estudantes devem desenvolver, as novas tecnologias se apresentam hoje como um grande aliado para a recuperação de defasagens de aprendizado, acentuadas pela interrupção das aulas presenciais durante a pandemia. O ensino híbrido, mediado pelas tecnologias digitais, é uma alternativa às dificuldades que muitas Secretarias de Educação têm de aumentar o tempo que os estudantes deveriam passar presencialmente nas escolas.

Contudo, para que as novas tecnologias sejam sinônimo de inovação no contexto escolar e consigam impactar, de fato, a educação, será necessário implementar e dar continuidade a um conjunto de políticas públicas, voltadas para a garantia de infraestrutura, conteúdo e recursos digitais e formação da comunidade escolar. O Brasil precisa avançar nessa direção, para que educação, equidade, tecnologia e futuro estejam sintonizados.

Professores: atratividade, seleção e formação

Para concluir o cenário da educação, é preciso destacar um aspecto central para garantia da aprendizagem: a qualidade dos professores. Qualquer política pública educacional só terá chance de sucesso, se o país investir fortemente nos docentes. Essa tem sido a estratégia determinante para o êxito dos países que mais avançaram nos resultados e alcançaram o topo do PISA.

Esses países conseguem trazer para a docência os melhores estudantes do ensino médio. Tal atratividade está relacionada com bons salários, carreira estimulante, valorização social, formação de excelência e melhores condições de trabalho. O Brasil ainda tem longo caminho a percorrer para avançar nessa direção.

Baixos salários e pouco reconhecimento social impactam negativamente a atratividade para a carreira docente no país. Apenas 2,4% dos jovens brasileiros de 15 anos desejam ser professores9. Esse mesmo percentual era de 7,5% há 10 anos. A baixa atratividade impacta o perfil daqueles que se dispõem a exercer o magistério: cerca de 48% dos estudantes que ingressam no curso de Pedagogia têm renda familiar inferior a 3 salários mínimos.

O processo de seleção e formação é de fundamental importância para garantir os melhores professores em sala de aula. Países como Chile, Finlândia, Coreia do Sul e China deram grande salto na educação, a partir de reformas nos processos de seleção e formação dos professores. Na Finlândia, a seletividade é alta: só ingressam em cursos para formação de professores os candidatos situados entre aqueles com melhor desempenho no ensino médio. Contudo, em nosso país, os estudantes que possuem interesse na carreira docente têm, em média, um desempenho acadêmico inferior em relação aos jovens que buscam outras carreiras.

No Brasil, os cursos de formação inicial de professores tendem a enfatizar o conhecimento teórico, muitas vezes desarticulado da prática pedagógica e do dia a dia escolar. Uma tendência observada nos países que se destacam no campo educacional é a articulação entre teoria e prática, como um dos eixos da formação inicial. A experiência internacional aponta também para a realização de estágios supervisionados ao longo de toda a formação, seja nos cursos de pedagogia, seja nos cursos de licenciatura.

Entre 2019 e 2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou uma Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores e outra para Formação Continuada. As novas bases apresentam as Diretrizes Curriculares, que vão funcionar como referência para a reestruturação dos cursos de Pedagogia e licenciatura no país e para os processos de formação continuada. Outro ponto positivo é que as novas bases estão alinhadas com a BNCC, de modo que a expectativa é que a formação de professores se articule com o que se espera da formação dos estudantes.

Ações voltadas à formação dos docentes que atuam na educação profissional técnica de nível médio também se fazem necessárias. Ao dar maior visibilidade à opção de formação profissional articulada com o ensino médio, a reforma traz à tona a necessidade de formação pedagógica e atualização tecnológica dos profissionais condutores do processo de aprendizagem, de modo a contribuir para que os avanços nas matrículas, no itinerário da formação técnica e profissional, ocorram com qualidade.

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PROPOSTAS

Consolidação do Novo Ensino Médio e da BNCC

1. Articular um regime de colaboração entre os entes federativos, visando dotar os estados, o Distrito Federal e os municípios de condições técnicas e financeiras para planejar, acompanhar e executar, de maneira exitosa, as ações referentes à implementação do Novo Ensino Médio, evitando-se retrocessos e atrasos.

2. Apoiar e criar condições efetivas para que todas as escolas possam ofertar os diferentes itinerários formativos, especialmente no que diz respeito à Formação Técnica e Profissional, garantindo que todos os estudantes tenham a possibilidade de fazer escolhas alinhadas a seus projetos de vida.

3. Garantir que o Inep disponha de todos os recursos técnico-financeiros necessários para elaboração do Novo Enem, que deverá ser realizado pelos estudantes no final de 2024.

4. Criar programa de orientação de carreira para os estudantes e desenvolver estratégias para melhorar o acesso às informações sobre o mercado de trabalho, apresentando aos jovens as possibilidades de itinerários formativos e de trajetórias de profissionalização ao longo da vida.

Tecnologia e inovação

5. Implantar a cultura digital na rede pública de ensino, garantindo a infraestrutura tecnológica necessária para que todas as escolas tenham equipamentos, conexão com a internet, serviços de armazenagem na nuvem e uma formação continuada da comunidade escolar, para saber lidar com as mudanças da era digital.

6. Elaborar políticas e diretrizes pedagógicas para o uso de tecnologias educacionais, que fomentem a interdisciplinaridade, a resolução de problemas e o desenvolvimento de habilidades para a tomada de decisões, fortalecendo a cultura maker e colaborando, dessa forma, para o alcance das competências preconizadas na BNCC.

7. Criar condições para a reestruturação de laboratórios de ciências e construção de fablabs, que favoreçam a implantação de metodologias voltadas à robótica e à investigação científica, com vistas ao desenvolvimento de habilidades relacionadas ao empreendedorismo e à inovação.

8. Possibilitar novas arquiteturas para o contexto escolar, capazes de garantir maior flexibilidade para desenvolvimento de projetos e criação de espaços diferenciados para integração das novas tecnologias.

9. Estimular o desenvolvimento de propostas pedagógicas, que valorizem e incorporem diferentes possibilidades formativas para os jovens na educação básica – incluindo a formação para o trabalho – e estimulem a educação ao longo da vida, em alinhamento com as tendências atuais do mundo do trabalho.

Formação dos professores, salário e carreira docente

10. Garantir que a Base Nacional Comum para a Formação Inicial e a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da educação básica sejam implementadas em todos os cursos de Pedagogia e licenciaturas no país e em todos os processos de formação continuada.

11. Desenvolver e apoiar a oferta de cursos de licenciatura organizados por área de conhecimento, com foco no desenvolvimento de competências e habilidades docentes, para preparação efetiva dos professores da educação básica.

12. Valorizar os profissionais do magistério e assegurar a existência de planos de carreira em todos os municípios brasileiros, como preconiza o PNE.

13. Implantar programas voltados à capacitação dos docentes da educação profissional e tecnológica com ênfase na formação pedagógica e atualização tecnológica, com vistas a assegurar uma boa formação aos estudantes.

Educação Profissional e Lei da Aprendizagem

14. Ampliar as matrículas na educação profissional e tecnológica, especialmente no ensino médio, aumentando progressivamente o número de jovens que concluem a educação básica com certificação profissional.

15. Identificar e implantar mecanismos de previsão permanente das necessidades (qualitativas e quantitativas) do mercado de trabalho em termos de competências e perfis profissionais, com vistas a adequar a oferta da educação profissional e tecnológica às demandas de médio e longo prazo dos setores produtivos.

16. Implantar um sistema nacional de avaliação da educação profissional, para definir indicadores capazes de avaliar a qualidade e a efetividade dos cursos ofertados, envolvendo a coleta e análise de informações sobre o desempenho dos alunos, dos docentes e gestores, das instituições de ensino e dos programas de educação profissional e tecnológica.

17. Estimular a Aprendizagem Profissional enquanto itinerário de formação técnica e profissional no ensino médio, buscando fortalecer o diálogo com os setores produtivos, por meio da atuação das respectivas instituições de educação profissional e tecnológica.

18. Desenvolver estratégias e programas voltados para atrair jovens em situação de risco social para os processos de formação e qualificação profissional, por meio de política pública específica, que possa prepará-los para o mundo do trabalho em constante transformação, de forma articulada com a elevação da escolaridade.

19. Implantar estratégias de incentivo às empresas para implementação de ações de requalificação profissional e aperfeiçoamento de trabalhadores frente aos impactos da transformação digital e das profissões do futuro.

20. Implantar programas de formação de gestores, com o objetivo de ampliar e aprofundar os conhecimentos sobre os princípios e as especificidades da educação profissional e tecnológica, contribuindo para viabilizar, nas instituições de ensino especializadas nesta modalidade, as condições efetivas para uma oferta de cursos alinhada com a demanda de desenvolvimento socioeconômico sustentável do país.

21. Ampliar as matrículas na educação de jovens e adultos, especialmente na modalidade profissionalizante.

22. Fomentar e expandir processos de certificação de competências de jovens e adultos, utilizando metodologia de reconhecimento de saberes para valorizar conhecimentos e habilidades adquiridos ao longo da vida.

23. Melhorar a efetividade dos resultados da EJA e desenvolver mecanismos de assistência e apoio aos alunos que favoreçam a aprendizagem, a permanência e a conclusão dos cursos.

24. Utilizar metodologias inovadoras, com base nos princípios da andragogia que norteiam o aprendizado de adultos.

Financiamento: base do desenvolvimento

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O fácil acesso das empresas a linhas de financiamento é fundamental para o crescimento econômico sustentado de um país, como forma de viabilizar os investimentos, tão importantes para o aumento da capacidade de produção e da produtividade.

No Brasil, as empresas enfrentam, historicamente, dificuldades para ter acesso a financiamento, tanto pelo custo elevado como pela baixa disponibilidade de recursos. Essa restrição ao crédito limita o investimento nos setores produtivos e, consequentemente, reduz o potencial de crescimento da economia brasileira.

No caso de pequenas e médias empresas, as dificuldades no acesso a financiamento são ainda maiores, tanto pela dificuldade que as empresas têm em oferecer as informações financeiras exigidas pelos bancos, como pela menor capacidade que elas têm de prover garantias. Assim, as taxas de juros cobradas das pequenas e médias empresas são tipicamente mais elevadas, os prazos são menores e o acesso a fontes de financiamento não bancário (bolsa de valores e debêntures, por exemplo) se torna mais restrito.

As propostas de apoio ao crédito pedem, principalmente, a adoção de prática sistemática de avaliação de impacto das políticas de crédito direcionado ou incentivado; a ampliação das de concessão de garantias voltadas às pequenas e médias empresas; e a atuação governamental na concessão de crédito para exportações e para inovação.

Historicamente, a disponibilidade de fontes de financiamento para novos empreendimentos no Brasil é limitada. Dessa forma, boa parte das empresas brasileiras enfrenta restrições para financiar suas atividades regulares, assim como para investir em expansão, modernização e criação de novos negócios.

As origens da baixa disponibilidade de financiamento para o setor privado estão associadas, sobretudo, a questões institucionais (inclusive limitações informacionais e de insegurança jurídica), à instabilidade macroeconômica – que caracterizou as últimas décadas – assim como à competição do setor público pela poupança doméstica. A interação desses fatores tem criado sérios obstáculos ao desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, impedindo que ele se tornasse uma fonte efetiva de captação de recursos por parte das empresas para o financiamento de seus negócios.

Panorama histórico semelhante pode ser traçado para o mercado de crédito bancário. Apesar do crescimento expressivo nos últimos anos, a relação “crédito/PIB” ainda é baixa, quando comparada a padrões internacionais.

O quadro de escassez de capitais de terceiros no país pode ser percebido pelos elevados custos de empréstimos, o que faz com que haja subinvestimento nos setores produtivos e, consequentemente, menor crescimento econômico.

No caso de pequenas e médias empresas, as dificuldades no acesso ao crédito são ainda maiores. Devido a problemas de assimetrias de informação e sua menor capacidade de prover garantias, essas empresas enfrentam maiores dificuldades quando buscam capital de terceiros para financiar suas atividades. As taxas de juros cobradas são tipicamente mais elevadas, e o acesso a fontes não bancárias, mais restrito.

Todos esses fatores contribuem para que o financiamento continue sendo um dos principais entraves ao desenvolvimento das empresas, sobretudo as de pequeno e médio porte.

Nesse contexto, é fundamental identificar onde estão os principais gargalos do financiamento às empresas – sobretudo as de pequeno e médio porte – e propor medidas para superá-los, de forma a ampliar o financiamento, tão necessário para o crescimento econômico do Brasil.

Três pilares são fundamentais:

• a redução de custo do crédito bancário e a ampliação do seu acesso;

• o aprimoramento do crédito não bancário e;

• as políticas de crédito público ou incentivado.

O financiamento de empresas no Brasil

A relação entre poupança, investimentos e crescimento

O desenvolvimento econômico sustentável depende da expansão contínua da capacidade de produção e, sobretudo, da inovação. Essa expansão, por sua vez, é resultante de investimentos em capital, recursos humanos e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Tais investimentos funcionam quando produzem dois efeitos: acumulação do capital produtivo e aumento da produtividade (do capital e da mão de obra). O crescimento se acelera quando os investimentos são direcionados para as melhores alternativas, isto é, aquelas que apresentem os maiores retornos econômicos e sociais.

Os investimentos e a forma como são realizados estão, portanto, na raiz do processo de desenvolvimento econômico e social. A poupança, que viabiliza os investimentos, é outro componente essencial do processo. Cabe salientar que a eficiência na utilização da poupança é crucial, pois é ela que determina o custo do investimento. A melhor conjugação de todos esses fatores gera o círculo virtuoso do desenvolvimento, que permite à sociedade desfrutar de níveis crescentes de bem-estar e de redução da pobreza.

Todos os países desenvolvidos ou em acelerado processo de desenvolvimento ostentam elevadas taxas de poupança, alta eficiência na sua intermediação ou uma combinação dessas duas virtudes. O crescimento econômico está associado, assim, a elementos incentivadores da formação de poupança e de sua intermediação eficiente, criando um ambiente acessível para quem queira investir.

Nas últimas décadas, vários países asiáticos, como Coréia do Sul e Cingapura, saíram de uma situação de pobreza e miséria e se tornaram nações industrializadas. Esses países se destacaram por altíssimas taxas de poupança.

O desenvolvimento da Europa e dos Estados Unidos, no século passado, também foi impulsionado por uma continuada eficiência na intermediação de poupanças. Esse desenvolvimento dificilmente teria ocorrido sem um sofisticado mercado financeiro e de capitais.

Efetivamente, o mercado financeiro e de capitais constitui a forma mais eficiente de intermediação entre poupadores e investidores. É essa a função primordial desses mercados: a de aproximar o poupador, que tem excesso de recursos, mas não tem oportunidade de investi-los em atividades produtivas, e o tomador, que está na situação inversa. Desse modo, os mercados financeiros viabilizam o aproveitamento das oportunidades em toda a economia.

Neste sentido, fazer com que os mercados de intermediação financeira funcionem de forma adequada e eficiente representa potencializar as possibilidades de desenvolvimento econômico, a médio e longo prazos, de uma sociedade, dado seu potencial para promover um aumento geral da produtividade, da eficiência e do bem-estar.

A questão da poupança no Brasil

Existem várias razões para o que Brasil não alcance níveis de poupança similares aos dos países asiáticos. A combinação de alguns fatores, como a desigualdade de renda, o acúmulo de necessidades insatisfeitas de consumo das famílias de renda mais baixa e o sistema previdenciário, faz com que o brasileiro tenha uma baixa propensão a poupar. Além disso, o histórico de instabilidade e insegurança econômicas também desestimulam a poupança e reforçam a propensão a consumir.

A poupança pública é outro problema. No passado, o governo foi o principal captador de poupança, o principal investidor, bem como o maior responsável pelo direcionamento da poupança para o setor privado. A maior parte dos investimentos realizados obedecia então a diretrizes governamentais, ainda que indiretamente, pela proteção e incentivo a determinadas indústrias e empresas. Porém, desde a crise fiscal iniciada no final dos anos 1970, houve uma reversão desse cenário. A poupança pública, que já chegou a representar um terço da poupança doméstica em 1974, tornou-se cronicamente negativa nas últimas décadas.

Atualmente, o Estado contribui negativamente para a poupança agregada, tanto direta como indiretamente. Diretamente, por conta dos déficits. Indiretamente, porque esses déficits frequentes produzem aumento da dívida pública e induzem desconfiança quanto à capacidade de pagamento do setor público. O resultado são juros mais elevados, em função da maior demanda de recursos pelo governo e maior incerteza macroeconômica, o que desincentiva a poupança e, sobretudo, o investimento.

As consequências de uma taxa de poupança doméstica cronicamente baixa no Brasil são: a menor disponibilidade de recursos para investimentos e a elevação do custo de capital.

Os principais desafios dos empreendedores, principalmente em empresas de menor porte, são o elevado custo do capital e as dificuldades de acesso a financiamento. Tais problemas afetam tanto os investimentos produtivos como o capital de giro, as inovações e as exportações.

Apesar de a relação crédito/PIB ter crescido no país nos últimos 15 anos, saltando de 25%, em 2004, para 54%, em 2020, essa participação não é elevada para padrões internacionais. Segundo dados do Banco de Compensações Internacionais, a média da relação crédito/PIB nos países pertencentes ao G-20 é de 106,8% e nas economias emergentes, de 118%.

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Alternativas para o financiamento de empresas

Existem três formas principais de se financiar um empreendimento. A mais simples e primitiva – e mais limitada – é o autofinanciamento, por meio do qual as empresas ou indivíduos investem apenas aquilo que eles mesmos poupam.

A segunda alternativa é através do governo, direcionando recursos da sociedade, via arrecadação de tributos ou imposição de mecanismos compulsórios de poupança, para os investimentos que julgar mais adequados. Em geral, portanto, envolve algum mecanismo impositivo, seja na captação, seja na aplicação. Embora a atuação de bancos públicos no financiamento de empresas tenha um papel muito importante, uma atuação ampla e irrestrita pode não ser a mais eficiente, tendo em vista os riscos que acarreta – em particular, o risco de desestimular a provisão privada, impedindo seu desenvolvimento.

A terceira alternativa é através dos mercados financeiro e de capitais. Trata-se da forma mais eficiente de captar poupança e direcioná-la para as atividades mais produtivas. Essa terceira via assume papel mais destacado, à medida que as economias se tornam mais sofisticadas e a alocação dos recursos é, em geral, feita de maneira mais eficiente. O crescimento econômico sempre esteve ligado ao desenvolvimento dos mercados financeiros. Nas economias modernas, a atividade econômica está intimamente ligada à intermediação de recursos entre poupadores e investidores.

No Brasil, o sistema financeiro é bastante evoluído, sendo mais avançado do que o da maioria das economias emergentes. O Sistema Financeiro Nacional (SFN) é formado por um conjunto de entidades e instituições que promovem a intermediação financeira. Além dos órgãos normativos, que determinam regras gerais para o bom funcionamento do sistema, e as entidades supervisoras, o sistema é formado por um grande conjunto de operadores, representados pelas instituições que ofertam serviços financeiros, no papel de intermediários.

Conforme dados do Banco Central3, em dezembro de 2021, 177 bancos estavam autorizados a operar no Brasil, sendo 137 bancos múltiplos e 20 bancos comerciais4. Havia ainda 860 cooperativas de crédito, 142 administradoras de consórcios e cerca de outras 460 instituições financeiras, incluindo corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários, corretoras de câmbio, instituições de pagamentos e outras instituições não bancárias.

Apesar de os bancos ocuparem papel central no SFN, sendo o crédito bancário a principal fonte de financiamento das empresas no Brasil, nos últimos anos tem ganhado destaque o surgimento de novos atores, como instituições de pagamentos e fintechs. Essas instituições apresentaram um salto importante na esteira de desenvolvimentos tecnológicos e novas regulações.

O mercado de capitais no Brasil também apresentou evolução significativa nas últimas duas décadas, devido a inúmeros avanços institucionais, com a criação de novos instrumentos e melhorias na regulação para proteção do investidor e na promoção de um ambiente de maior competição nesse mercado.

Hoje, o Brasil possui um sólido conjunto de instituições financeiras, incluindo corretoras, bancos de investimento, bolsa de valores e gestoras de recursos, além de possuir aparatos regulatórios e autorregulatórios de qualidade e reconhecidos internacionalmente. No entanto, como será visto na Seção 3.6, o mercado de capitais ainda responde por parcela relativamente pequena do financiamento ao investimento privado no país, tendo um vasto potencial a ser explorado.

Pequenas e médias empresas: as dificuldades para o financiamento

Pequenas e médias empresas normalmente têm limitações na disponibilidade de recursos próprios para investimentos e administração de fluxo de caixa. Isso torna o acesso a crédito uma questão particularmente relevante para elas. No entanto, há uma série de particularidades dessas empresas que dificultam seu acesso a crédito.

As dificuldades mais relevantes para esse mercado são:

• a menor capacidade de prover garantias colaterais, uma vez que pequenas e médias empresas são, por natureza, menos capitalizadas e dispõem de um montante menor de ativos; e

• as opacidades informacionais, pois há menor volume de informações sobre pequenas e médias empresas do que sobre empresas grandes. Há ainda forte presença de informalidade, o que implica que essas firmas também têm maior dificuldade em prover documentação comprobatória a respeito de seus dados.

Essas duas dificuldades agravam outro problema comum em pequenas e médias empresas, que é a menor capacidade de auferir vantagens derivadas de sua reputação. Pequenas e médias empresas, por serem frequentemente iniciantes e terem menor visibilidade, em geral não têm uma reputação tão bem estabelecida como as firmas grandes.

Esse fato lhes rende desvantagens. Em primeiro lugar, porque bancos frequentemente têm interesse em prover crédito a firmas de boa reputação, em função de efeitos positivos que a associação com essas empresas gera sobre sua própria reputação.

Adicionalmente, bancos têm mais confiança em emprestar a empresas conhecidas, uma vez que essas empresas têm interesse maior em respeitar contratos para garantir a manutenção de sua reputação. O fato de pequenas e médias empresas não contarem com essas vantagens dificulta sua capacidade de firmar bons contratos de empréstimo. Trata-se de um ingrediente adicional, que torna justificável que políticas de crédito deem foco especial a pequenas e médias empresas.

Todos esses elementos também contribuem para que esses negócios tenham maior risco. Além dos pontos levantados, é importante lembrar que pequenas e médias empresas são tipicamente mais novas e, portanto, foram pouco testadas quanto a sua viabilidade. Isso significa que são empreendimentos mais arriscados. Além disso, essas firmas tipicamente dispõem de menos instrumentos financeiros que as protejam contra eventos adversos. Esses fatos fazem com que o risco associado a essas empresas seja maior. Devido a essas circunstâncias, bancos costumam exigir taxas de juros mais altas dessas empresas.

Esse fato amplifica ainda mais o risco das pequenas e médias empresas, o que faz com que restrições de crédito sejam um problema particularmente severo para elas.

A situação do financiamento de pequenas e médias empresas no Brasil

Dada a relevância do porte de empresas na determinação de seu comportamento no que se refere a crédito e intermediação financeira, tanto bancos como organizações governamentais têm políticas distintas para empresas de diferentes portes. Para orientar essas políticas, normalmente classificam as empresas em faixas de tamanho, utilizando critérios como faturamento ou número de empregados.

Firmas de pequeno porte tipicamente têm menor utilização de crédito do que grandes firmas. Utilizando dados que combinam informações da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) com o Sistema de Informações de Crédito (SCR) do Banco Central, Koyama et. al. (2018)8 mostram que, entre as firmas com mais de 50 funcionários, cerca de 75% têm contratos ativos registrados no SCR, percentagem mais elevada do que a verificada para empresas menores.

Empresas pequenas praticamente não utilizam recursos oriundos dos mercados de capitais. A composição de instrumentos de empréstimos para firmas pequenas e médias também é diferente da composição de instrumentos de empréstimos para firmas grandes. Entre as empresas de menor porte, há predomínio de crédito bancário.

Estudo da Fipe (2017)9 aponta que, em 2017, aproximadamente 88% do saldo de empréstimos dos mercados de capitais eram destinados a empresas grandes, sendo que os 12% restantes ficavam com as empresas médias.

No total, considerando-se crédito bancário e financiamento não bancário, empresas pequenas têm menor participação no mercado de crédito do que no valor adicionado à economia. O mesmo estudo da Fipe estima que, embora fossem responsáveis por 19% do valor adicionado em 2017, essas firmas utilizavam apenas 11% do total de crédito da economia (considerando- se o crédito bancário, cuja participação era de 15,1%, e o financiamento não bancário).

Em dezembro de 2020, dados do Banco Central mostravam que as micro e pequenas empresas respondiam por 18% das carteiras de crédito de instituições financeiras, conforme mostra a Figura 2, o que indica que elas ainda respondem por um percentual pequeno do mercado de crédito.

Outra particularidade importante de pequenas e médias empresas no que diz respeito a crédito é a menor participação de crédito direcionado. Segundo dados do BNDES, entre 2010 e 2020, 63% dos recursos concedidos anualmente foram para empresas grandes. Embora a participação de empresas de grande porte na distribuição de recursos tenha caído, desde 2015, ela ainda é elevada (48% em 2020).

Quanto aos demais portes de empresas, no início da década passada as microempresas recebiam um percentual maior dos recursos concedidos em relação às empresas de pequeno e médio porte. Entre 2010 e 2015, em média, 15% dos desembolsos do BNDES se destinavam às microempresas. Desde 2018, elas perderam participação, ao passo que as pequenas – e, principalmente, médias empresas – passaram a receber um porcentual maior dos recursos concedidos.

Outra diferença relevante entre empresas pequenas e médias e empresas de grande porte diz respeito à inadimplência. Por terem, geralmente, recursos humanos, materiais e financeiros mais limitados, a probabilidade de as empresas de menor porte não conseguirem honrar o pagamento de suas obrigações de crédito é maior.

Entre 2012 e 2021, a taxa de inadimplência das micro, pequenas e médias empresas foi de, em média, 4,4%, enquanto entre grandes empresas essa taxa foi, em média, de 0,9% no mesmo período. Ainda que essa diferença esteja diminuindo, ainda é significativa – em 2021, a taxa de inadimplência das MPMs foi 2,10 pontos percentuais superior à das grandes empresas.

A maior inadimplência das empresas de menor porte se traduz em taxas de juros mais elevadas e, portanto, em maiores custos de crédito. Em momentos de crise econômica, a elevação das taxas de juros para micro e pequenas empresas é mais intensa do que para empresas de maior porte, tornando ainda mais expressiva a diferença entre o custo de crédito.

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(Luiz Souza/NurPhoto/Getty Images)

PROPOSTAS

Redução do custo de crédito e ampliação do seu acesso

1. Assegurar o equilíbrio fiscal e a trajetória sustentável da dúvida pública.

2. Criar um marco regulatório e normas compatíveis com as práticas internacionais a fim de fomentar captação de recursos externos.

3. Imprimir esforço na promoção e certificação, pelo governo, de práticas socialmente e ambientalmente responsáveis por empresas que buscam investimentos no exterior.

4. Reduzir os custos tributários e administrativos.

5. Reduzir a tributação sobre a intermediação financeira, em particular sobre a concessão de crédito.

6. Reduzir os encargos que impactam custos administrativos da atividade de intermediação financeira.

7. Estimular a competição.

8. Adotar uma agenda de flexibilização dos requisitos regulatórios de instituições financeiras, baseada em um acompanhamento constante e qualificado do balanço entre riscos a serem regulados e barreiras à entrada de empresas.

9. Definir legislação compatível com a atuação de bancos estrangeiros.

10. Adotar medidas que facilitem a migração de tomadores de crédito entre diferentes provedores.

11. Ter cautela e ponderação em medidas de controle de tarifas.

12. Reduzir as assimetrias informacionais.

13. Imprimir esforços para promover o compartilhamento de informações, a exemplo do cadastro positivo e Open Banking.

14. Criar novas ferramentas para o acesso seguro de instituições financeiras a dados de clientes, hoje disponíveis apenas para o Estado, por meio da validação de informações junto a órgãos públicos.

15. Criar um plano simplificado de contas para ser preenchido por pequenas e médias empresas interessadas em obter crédito.

16. Adotar agenda de aprimoramentos na legislação, visando a clarificação de normas e eliminação de ambiguidades.

17. Acompanhar o impacto das inovações recentes na Lei de Falências sobre empresas de menor porte, com eventuais simplificações adicionais.

18. Criar regras distintas e simplificadas em relação às adotadas em processos desse tipo envolvendo firmas grandes.

19. Criar instâncias especializadas em processos relativos a contratos financeiros.

20. Simplificar procedimentos administrativos em processos de cobrança ou de execução de garantias, com o uso de processos extrajudiciais.

21. Adotar medidas no sentido de ampliar o conjunto de ativos que podem ser utilizados como garantia.

22. Manter a agenda de aprimoramentos do marco legal do sistema de garantias, com estruturas efetivas de centralização de informações sobre garantias.

Ações para a ampliar o financiamento não bancário

23. Acompanhar constantemente e realizar eventuais revisões e simplificações de normas e procedimentos regulatórios para facilitar o financiamento por capital próprio.

24. Instituir rotina de acompanhamento de planos de negócios e evolução regulatória, com o objetivo de viabilizar novos negócios e fomentar desenvolvimento de fintechs.

25. Desenvolver um arcabouço regulatório específico para a abertura de capital de empresas menores.

26. Estimular o uso de sandboxes temáticos para testar tecnologias emergentes e subsidiar a tomada de decisão com relação à regulação.

27. Promover a atuação do Estado no mercado de capitais.

28. Promover a atuação do Estado no papel de coordenador na criação de ativos financeiros ou de infraestrutura para sua operacionalização.

29. Promover a atuação do BNDES juntamente com agentes privados na compra de cotas de FIPs e FIDCs que financiem pequenas e médias empresas.

Aprimorar as políticas de provisão pública e apoio ao crédito

30. Adotar prática sistemática de avaliação de impacto de políticas de crédito direcionado ou incentivado.

31. Intensificar rotina de acompanhamento dessa avaliação de impacto, no BNDES.

32. Desenvolver protocolos de implementação, aprofundamento e descontinuação de políticas em função destas avaliações.

33. Manter e ampliar a política pública de concessão de garantias voltados à pequenas e médias empresas, sujeita a uma rotina de acompanhamento e avaliação de impacto.

34. Intensificar programas de educação financeira.

35. Incentivar programas de educação financeira, voltados à população em geral e a empresários.

36. Revitalizar imediatamente os instrumentos de financiamento e seguro de crédito. Garantir existência e continuidade do funding do sistema de apoio oficial às exportações.

37. Aperfeiçoar a governança e aumentar a segurança jurídica do sistema de apoio oficial às exportações.

38. Definir e implementar o operador do Seguro de Crédito à Exportação (SCE).

39. Buscar alinhamento do sistema brasileiro de financiamento e garantias às exportações às melhores práticas internacionais, com a adesão do país ao Arranjo sobre Diretrizes para Créditos Oficiais à Exportação da OCDE.

40. Apoiar o desenvolvimento de instrumentos privados complementares de financiamento a exportações.

41. Promover o financiamento à inovação.

42. Assegurar que o orçamento público para CT&I seja executado na sua totalidade.

43. Alinhar o orçamento público para CT&I à uma estratégia de longo prazo que vise à superação de grandes desafios nacionais.

44. Aumentar a dotação destinada à subvenção econômica e aporte de capital a fim de que o FNDCT apoie projetos mais ambiciosos, de maior risco tecnológico.

45. Reformular o modelo de gestão do FNDCT, de modo a aumentar sua aderência à Política Nacional de CT&I e garantir resultados mais efetivos para o SNCT&I.

46. Explorar as fontes alternativas de financiamento à CT&I já existentes e estimular o desenvolvimento de novas fontes, de maneira a diversificar os instrumentos de apoio à inovação e aumentar a disponibilidade de recursos.

Economia de baixo carbono: para um futuro sustentável

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(Hiroshi Watanabe/Getty Images)

Para limitar o aumento da temperatura global em 1,5°C até o final do século, os países estão sendo conclamados a apresentar metas cada vez mais ambiciosas de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

As mudanças climáticas são uma realidade no mundo e têm exigido cada vez mais capacidade adaptativa da indústria e ações coordenadas e multidisciplinares dos governos.

A indústria tem sido afetada tanto pelos eventos climáticos extremos como pelas ações necessárias para mitigação dos GEE que se desenham no mundo, como imposição de metas de redução de emissões e precificação do carbono. A tendência global é que essa agenda afete o acesso a financiamentos, os investimentos externos e a aceitação dos produtos em mercados internacionais.

Os planos de recuperação da pandemia de covid-19 dos principais países do mundo estabeleceram a redução de emissões como um de seus principais eixos. A indústria é parte relevante de uma agenda positiva de retomada do desenvolvimento econômico sustentável do Brasil, capaz de dinamizar um ciclo virtuoso de geração de emprego e renda em direção a uma economia de baixo carbono.

A proposta da Indústria para consolidar a economia de baixo carbono no Brasil está ancorada em 4 pilares: transição energética, mercado de carbono, economia circular e conservação florestal.

As propostas de transição energética se destinam a fortalecer a política de biocombustíveis, aprimorar os programas de eficiência energética, incentivar e trazer segurança jurídica para fontes renováveis de energia e tecnologias de captura e armazenamento de carbono.

Para consolidar o mercado interno de carbono, a indústria propõe um Sistema de Comércio de Emissões, menos danoso à atividade econômica que a mera taxação do carbono. Também são apresentadas propostas para ampliar a participação do Brasil no mercado internacional de carbono e para criar um sistema robusto de Mensuração, Relato e Verificação (MRV) para o setor produtivo nacional.

O pilar de economia circular propõe a elaboração de uma política nacional, com organização de uma base de dados nacional que mapeie as melhores práticas, simplifique e desburocratize a logística reversa e incorpore critérios de sustentabilidade nas compras públicas.

O pilar de conservação florestal propõe o fortalecimento da gestão de florestas públicas e o incentivo à expansão da bioeconomia e do uso sustentável da biodiversidade. São também propostos melhor uso dos instrumentos previstos no Código Florestal e a aceleração do processo de regularização fundiária.

Mudanças climáticas e tendências internacionais

As mudanças climáticas são um desafio global e impactam mercados e governos de diferentes formas, a depender do estágio de desenvolvimento do país. Reverter seus efeitos devastadores irá demandar uma nova lógica econômica, que sincronize o pensar global com ações transformadoras em nível local. O cenário é especialmente complexo, visto que o mundo enfrentou nos últimos anos, ao mesmo tempo, uma pandemia e a crise climática.

A questão climática colocou a agenda de mudança do clima como protagonista invariável da relação entre os países. Mais um desafio àqueles que precisam implementar pacotes de recuperação ambiciosos e sustentáveis, sem espaço fiscal e com regras de acesso a financiamento externo cada vez mais rigorosas.

Segundo relatório recente, emitido pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas que produz informações científicas sobre mudança do clima, o planeta está aquecendo com mais rapidez, uma vez que a camada de gases que forma o efeito estufa está se tornando mais espessa e retendo mais calor. O alto grau de interferência humana no planeta é apontado como causa principal desse aquecimento.

O relatório mostra, a partir da sistematização de dados científicos, que o mundo deve atingir ou ultrapassar 1,5°C de aquecimento nas próximas duas décadas e que somente cortes ambiciosos nas emissões de gases de efeitos estufa (GEE) permitirão sustentar o aumento da temperatura global nesse patamar até o final do século.

As consequências do aquecimento global são diversas: secas e chuvas intensas, escassez de água, incêndios, ondas de calor e frio, aumento do nível do mar, inundações, tornados, tempestades catastróficas e perda da biodiversidade.

Os eventos climáticos extremos se traduzem em perdas humanas e financeiras. O Relatório da Organização Mundial de Meteorologia (OMM, 2021) aponta que os desastres relacionados às mudanças climáticas foram responsáveis, no mundo, por 115 mortes diárias em média e perdas econômicas de cerca de US$ 3,64 trilhões nos últimos 50 anos.

O Brasil responde por 40% das perdas econômicas relatadas na América do Sul, com uma média de quatro desastres por ano.

As consequências para o futuro serão piores, se não forem tomadas medidas urgentes. As ações implementadas até hoje não são suficientes para conter o avanço do aquecimento global.

Em todo o mundo, governos têm sido pressionados a reconhecer publicamente a urgência dessa agenda e a apresentar medidas mais ambiciosas para conter o aquecimento até 2030, com vistas à neutralidade climática até meados do século.

Em cenário projetado pelo IPCC (2021) a temperatura na Terra já se elevou em 1,07°C pela ação humana desde a revolução industrial, o que mostra que não há mais espaço para gradualismo e ações incrementais.

Para além de uma agenda de integridade ambiental, as mudanças climáticas exigem capacidade adaptativa da indústria e ação coordenada e multidisciplinar dos governos.

Relatório do Banco Mundial estima um prejuízo econômico anual global entre US$ 77 e 89,6 bilhões, resultante das mudanças climáticas até 2050 (CNI, 2019a). O Swiss Re Institute, uma das maiores empresas de seguros do mundo, aponta que a economia global pode perder 10% do Produto Interno Bruno (PIB) até 2050, se a temperatura média do planeta aumentar em 2oC. No Brasil, o estrago pode ser ainda maior e alcançar 17% do PIB até 2048, se o aquecimento global não for contido (SRI, 2021).

As significativas perdas socioeconômicas, decorrentes das mudanças climáticas, estão sendo precificadas em toda a cadeia de valor dos países, com relevante impacto na indústria. Do ponto de vista operacional, os impactos das mudanças climáticas na cadeia produtiva podem se traduzir em:

• aumento da competição por recursos sensíveis ao clima, como a água;

• interrupção de atividades de portos, ferrovias e estradas;

• aumento do custo da energia;

• danos físicos aos ativos da indústria;

• redução da eficiência de equipamentos, exigindo mudanças operacionais, influenciando, até mesmo, a demanda por serviços específicos; e

• impactos na infraestrutura crítica relacionada à energia, transporte, telecomunicações e fornecimento de água.

A indústria entende ser improrrogável que o Brasil defina estratégias claras para enfrentar os desafios desse cenário de urgência climática.

Os impactos negativos decorrentes dos eventos climáticos repercutem na competitividade das empresas e impactam diretamente o custo de produção, a segurança do fornecimento dos insumos primários e a logística de escoamento.

A indústria é afetada tanto pelos eventos climáticos extremos, quanto pelas ações necessárias para mitigação dos GEE que se desenham no mundo, tais como imposição de metas de redução de emissões, precificação do carbono e barreiras ao crédito, a depender do tipo de negócio.

O carbono deve tornar-se uma nova commodity mundial. A tendência global é de uma mudança brutal nos serviços de infraestrutura, no acesso a financiamentos, nas condições de atração de investimento externo e nos requisitos de admissão a mercados consumidores internacionais, levando-se em consideração toda a cadeia de valor dos produtos.

O Brasil tem diferenciais competitivos que o habilitam a se posicionar como um dos líderes do processo de transição para uma economia de baixo carbono. O setor industrial, que responde por parte das emissões de GEE, pode contribuir para uma solução sistêmica do país.

O inventário das emissões de GEE do Brasil

As Comunicações Nacionais (CN) à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (do acrônimo, em inglês, de UNFCCC) reúnem informações dos inventários nacionais das emissões de GEE antrópicas (por ação humana). Esse é um compromisso assumido pelo governo brasileiro em 1998, ao aderir à Convenção do Clima.

A 4a CN do Brasil, de dezembro de 2020, agrega o período de 2011 a 2016 à série histórica, iniciada em 1990.

No setor Uso da Terra, Mudança do Uso da Terra e Floresta (LULUCF, do acrônimo em inglês), o desmatamento é o principal responsável pela maior parte das emissões nacionais. O solo e as áreas florestais atuam como sumidouros de carbono, ou seja, constituem grandes reservatórios naturais, com capacidade de absorver e estocar CO2. No setor LULUCF, o Brasil é o maior emissor de GEE do mundo.

A 4a CN aponta que os Processos Industriais e Uso de Produtos (IPPU, do acrônimo em inglês) respondem por 6,4% das emissões de GEE do Brasil, desagregadas do setor de energia. É o segundo setor inventariado que menos contribui para as emissões de GEE do Brasil. Nele, o Brasil não figura entre os 10 maiores emissores de GEE do mundo.

Segundo o World Research Institute (WRI, 2021), os 10 países que mais emitem GEE respondem por quase 70% das emissões globais. Juntos, representam mais de 50% da população global e 75% do PIB mundial.

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O Acordo de Paris e as tendências internacionais

O Acordo de Paris, assinado em 2015, foi um marco na agenda do clima, ao estabelecer uma meta global para limitar o aquecimento do planeta. Celebrado na 21a Conferência das Partes (COP21) e adotado no âmbito do tratado internacional conhecido como UNFCCC, o Acordo de Paris definiu o compromisso de manter o aumento de temperatura média global “bem abaixo” de 2°C, acima dos níveis pré-industriais, e de conjugar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C.

Mais recentemente, durante a COP26, o Brasil reafirmou seu compromisso de redução das emissões líquidas totais de gases de efeito estufa em 37%, em 2025, e anunciou a intenção em elevar a meta de redução das emissões para 2030 de 43% para 50% e de atingir a neutralidade climática até 2050. Esses compromissos foram formalizados em 21 de março de 2022, em comunicação do governo brasileiro ao Secretariado da UNFCCC. Entre as principais diretrizes para a agenda estratégica de redução de emissões, anunciadas pelo governo, destacam-se:

• Cessar o desmatamento ilegal até 2028;

• Restaurar e reflorestar 18 milhões de hectares de florestas até 2030;

• Alcançar, em 2030, a participação de 45% a 50% das energias renováveis na composição da matriz energética;

• Recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas; e

• Incentivar a ampliação da malha ferroviária.

A COP26, realizada em novembro de 2021, em Glasgow, era vista como a grande oportunidade de se definirem ações mais ambiciosas para conter o impacto das mudanças climáticas. Entretanto, após duas semanas de negociações, as partes novamente apontaram para a urgência de expandir as metas concernentes a ações de mitigação, adaptação e financiamento, sem grandes compromissos na mesa. Salientaram que esta é a década crítica para implementar o Acordo de Paris, reconhecendo que limitar o aquecimento em 1,5oC requer compromissos bastante ambiciosos, que significariam uma redução média das emissões de GEE em 45% até 2030, com base nas emissões de 2010.

Um dos principais destaques da COP 26 foi o acordo no âmbito do Artigo 6, último item necessário para finalização do Livro de Regras do Acordo de Paris. Em síntese, o Artigo trata dos mecanismos para criação de um mercado global de carbono.

Merece destaque a menção – pela primeira vez em um documento final da COP – à necessidade de redução gradual do uso do carvão mineral e ao corte dos subsídios ineficientes, destinados aos combustíveis fósseis.

Em relação ao financiamento climático, os países desenvolvidos se comprometeram a continuar trabalhando para aportar US$ 100 bilhões para financiamento climático até 2023. O financiamento climático era ponto relevante da COP26 e motivou a celebração de diversos acordos, que contarão com recursos financeiros aportados por governos, empresas, atores financeiros e líderes não estatais. Dentre eles, destacam-se abaixo, instrumentos dos quais o Brasil é signatário:

– Compromisso de Financiamento Florestal Global ou Forest Deal: US$ 19 bilhões, entre aportes público (63%) e privado (37%), para que os países em desenvolvimento restaurem terras degradadas, combatam incêndios florestais e reconheçam os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais. O Brasil é signatário, juntamente com outros 100 países.

– Memorando de Entendimento entre o Consórcio Interestadual para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal e a Coalizão Reduzindo Emissões pela Aceleração do Financiamento Florestal (LEAF, 2021): US$ 1 bilhão para países e estados comprometidos em aumentar a ambição de proteger as florestas e reduzir o desmatamento.

– Compromisso Global do Metano: assinado por mais de 100 países, prevê a redução global de 30% das emissões de metano até 2030.

Para além da COP26, outros instrumentos e mecanismos de comércio internacional em negociação por governos nacionais, entes subnacionais e o setor privado também refletem a temática das mudanças climáticas, com potencial de alterar a cadeia global de valor. Como exemplo:

Acordo Mercosul – União Europeia
Segundo maior acordo do mundo em relação ao PIB, traz um capítulo dedicado ao “Comércio e Desenvolvimento Sustentável”, com diretrizes de conservação e uso sustentável da biodiversidade, promoção do manejo florestal sustentável e implementação de Acordos Multilaterais Ambientais, principalmente o Acordo de Paris.

União Europeia – CBAM
Em 2021, o bloco europeu apresentou uma proposta legislativa de Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, do acrônimo em inglês, Carbon Border Adjustment Mechanism), que visa estabelecer um instrumento de cobrança adicional sobre produtos importados pela União Europeia, com base na quantidade de carbono emitida em sua produção.

Organização para a cooperação e desenvolvimento econômico – OCDE
Recentemente, a OCDE aprovou o início das negociações para acesso do Brasil à organização. A entrada do país no grupo permitirá não só a melhoria do ambiente de negócios, como também a captação de mais investimentos relacionados ao desenvolvimento sustentável. O ingresso depende do alinhamento do país ao acervo normativo, sendo cerca de 40% dos instrumentos referentes a temas ambientais (CNI, 2021a).

PROPOSTAS

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Biocombustíveis e RenovaBio

1. Fortalecer o ambiente institucional da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) para expandir os biocombustíveis, por meio de:

a) previsibilidade no estabelecimento e cumprimento das metas de adição de biodiesel ao diesel, para trazer maior estabilidade ao setor, a exemplo do que já é feito com o etanol e a gasolina;

b) definição da forma de tributação do CBIO e da validade dos créditos de CBIOs, tanto para a emissão como para a transação; e

c) designação de uma autoridade competente, responsável pela definição, regulamentação e introdução dos biocombustíveis avançados no RenovaBio.

Eficiência Energética

2. Articular maior direcionamento dos recursos dos programas de eficiência energética existentes no país para a indústria, por meio de:

a) estabelecimento de uma regra de transição coerente para a governança das políticas públicas que serão impactadas com a capitalização da Eletrobras, a exemplo do Procel; e

b) resgate e reestruturação de programas de eficiência energética desativados, como o Conpet.

Eólica Offshore

3. Articular e apoiar o estabelecimento de uma regulamentação, que viabilize a implantação de parques de energia eólica offshore, por meio de:

a) designação de uma autoridade competente, responsável pela regulação e operacionalização da energia eólica offshore;

b) elaboração e aprovação do marco legal da atividade de geração de energia eólica offshore;

c) definição de regras mais claras e eficientes para licenciamento ambiental; e

d) elaboração de projetos de eólica offshore, condizentes com as melhores práticas internacionais.

Hidrogênio

4. Articular e apoiar a elaboração da regulamentação do mercado de hidrogênio, por meio de:

a) designação de uma autoridade competente, responsável pela coordenação do tema; e

b) avanço na implementação do Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), com vistas a definir os marcos institucionais, legais e regulatórios para a produção, comercialização, transporte, exportação e uso do hidrogênio no país.

CCS – Carbon, Capture and Storage

5. Articular e apoiar a elaboração da regulamentação do mercado de CCS, por meio de:

a) promoção de programas para prover os incentivos necessários para que a tecnologia CCS se desenvolva e larga escala, na carteira de ações voltadas à sustentabilidade de empresas energointensivas;

b) estabelecimento de leis ou normas infralegais específicas, fundamentalmente no que diz respeito à etapa de armazenamento do CO2; e

c) incentivo aos investimentos em inovação tecnológica de CCS – em parceria com Universidades e Centros de Pesquisas, com projetos científicos que incluam colaborações internacionais – a fim de reduzir os custos da tecnologia, principalmente no que tange à captura do CO2.

Recuperação Energética

6. Implementar os instrumentos econômicos previstos na PNRS para beneficiar a recuperação energética, por meio de:

a) harmonização das regras previstas nas legislações existentes no Brasil sobre a recuperação energética de resíduos sólidos; e

b) mitigação dos entraves políticos e econômicos para tornar a recuperação energética viável em larga escala.

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MERCADO DE CARBONO

Mercado Global de Carbono

7. Atuar em parceria com o setor produtivo, para posicionar o país como protagonista no Mercado Global de Carbono, por meio de:

a) apresentação de um plano claro e transparente de implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC);

b) definição de arranjo institucional do governo, eficiente e dinâmico, que permita ao país o melhor aproveitamento das oportunidades no âmbito do Mercado Global de Carbono; e

c) apoio ao setor produtivo para que a transição do MDL para o MDS seja justa, viável e com segurança jurídica.

Sistema de Comércio de Emissões na ótica cap and trade

8. Estabelecer um ambiente institucional e legal robusto e transparente, com a participação do setor produtivo, para criação e implementação do mercado regulado de carbono no Brasil, segundo o modelo de Sistema de Comércio de Emissões, por meio de:

a) aprovação de lei que regulamente o mercado regulado de carbono no Brasil, na forma de um Sistema de Comércio de Emissões, que contemple os principais pleitos do setor industrial;

b) criação de um órgão colegiado, que conte com a participação do governo e do setor privado, de caráter deliberativo, normativo, consultivo e recursal, responsável pela aprovação das normativas, regras e funcionalidades do mercado regulado de carbono;

c) criação de comitês técnicos especializados, também com a participação do setor privado, para subsidiar o órgão colegiado; e

d) designação de uma autoridade competente responsável pela gestão do mercado.

Mensuração, Relato e Verificação

9. Consolidar um sistema robusto de Mensuração, Relato e Verificação (MRV) e articular com o setor produtivo as seguintes medidas:

a) implementação de uma estrutura de MRV em escala nacional antes do início da operação do mercado, compatível com os recursos disponíveis no país;

b) instituição de um Sistema de Mensuração, Relato e Verificação (MRV) robusto, com regras uniformizadas – incluindo interligação com iniciativas estaduais existentes – e que preveja a participação do setor privado na estrutura de governança; e

c) alinhamento metodológico para relato de emissões de GEE dos diversos índices e metodologias (Exemplos: ABNT NBR ISO 14.064, Programa Brasileiro GHG Protocol, CDP, ISE e o ICO2) ao SIRENE, visando otimizar o trabalho do setor industrial.

ECONOMIA CIRCULAR

Estratégia Nacional

10. Instituir uma Política Nacional de Economia Circular para o Brasil.

a) construir uma Política Nacional de Economia Circular, que promova o desenvolvimento socioeconômico do país, por meio da gestão estratégica dos recursos naturais; e

b) definir uma instância de governança, com a participação do setor produtivo, para coordenar a implementação da Política Nacional de Economia Circular.

Ferramentas de Mensuração

11. Organizar base de dados nacional de economia circular, contendo informações sobre a disponibilidade, o uso e o destino dos recursos, bem como seu fluxo no território nacional, por meio de:

a) definir indicadores para o mapeamento e a rastreabilidade do fluxo dos recursos; e

b) integrar as bases de dados existentes distribuídas em diferentes sistemas do governo.

Incentivos à Logística Reversa

12. Adotar medidas para favorecer a harmonização de regras fiscais, oferecer incentivos econômicos, bem como simplificar e desburocratizar o sistema de logística reversa de resíduos no país.

a) propor medidas para harmonizar as regras fiscais no Conselho de Política Fazendária (Confaz) para os diversos sistemas de logística reversa;

b) regulamentar os incentivos econômicos para as cadeias da reciclagem; e

c) propor medidas para harmonizar e simplificar as obrigações das empresas obrigadas à logística reversa.

Compras Públicas Sustentáveis

13. Incluir requisitos de sustentabilidade no processo de compras públicas.

a) elaborar e validar fichas técnicas com requisitos de sustentabilidade para as compras públicas no país, de forma colaborativa entre os setores público e privado; e

b) implementar um programa de desenvolvimento de fornecedores em parceria com entidades setoriais.

CONSERVAÇÃO FLORESTAL

Concessão Florestal

14. Fortalecer a Gestão de Florestas Públicas, desburocratizando os processos de concessão florestal e aumentando a atratividade do negócio.

a) articular junto ao Congresso Nacional para a aprovação de projeto de lei que visa aprimorar o processo de concessão florestal de forma a:

• possibilitar a revisão dos contratos após a elaboração do plano de manejo e a cada cinco anos, para reequilíbrio econômico-financeiro;

• possibilitar a unificação da operação de áreas concedidas, para alcançar ganho de escala; e

• permitir a comercialização de créditos de carbono e o acesso ao patrimônio genético;

b) melhorar a gestão dos contratos de concessão, fortalecendo os órgãos responsáveis na administração federal.

Implementação do Código Florestal

15. Efetivar a implementação dos instrumentos previstos no Código Florestal e acelerar o processo de regularização fundiária, em especial na Amazônia Legal, por meio de:

a) articulação com os estados para garantir a celeridade na análise e validação dos cadastros ambientais rurais (CAR), em especial nas áreas de produção de commodities voltadas à exportação;

b) implementação do sistema de controle florestal (Sinaflor), sob a coordenação do Ibama, e sua integração com os sistemas estaduais;

c) transparência dos dados ambientais, em especial do Sinaflor, e fortalecimento dos sistemas de detecção de desmatamento (Prodes, p.ex.), possibilitando, inclusive, a distinção entre a supressão de vegetação autorizada e o desmatamento ilegal;

d) retomada da divulgação regular das informações do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) quanto à situação da inscrição, análise e regularização ambiental de imóveis rurais, possibilitando o controle social; e

e) agilização do processo de regularização fundiária, especialmente na Amazônia.

Bioeconomia

16. Aprimorar o ambiente institucional para o desenvolvimento da bioeconomia no Brasil.

a) criar estrutura de governança para a bioeconomia, considerando a transversalidade do tema e sua interface com os diversos atores da sociedade;

b) implementar, de maneira efetiva, os instrumentos previstos na Lei da Biodiversidade (Lei 13.123/2015), em especial o SisGen e o FNRB;

c) internalizar responsabilidades e obrigações previstas no Protocolo de Nagoia;

d) ampliar os recursos disponíveis e as linhas de financiamento para projetos de PD&I e empreendimentos em bioeconomia; e

e) priorizar a análise e aumentar a eficiência na concessão de patentes relacionadas à bioeconomia.

Licenciamento ambiental: desenvolvimento com conservação

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O processo de licenciamento ambiental vigente reflete o modelo burocrático e cartorial que tem regido a Administração Pública brasileira, com alto custo para o empreendedor.

Devido à falta de clareza desse processo – com ampla margem para a atuação discricionária dos agentes públicos que nele atuam – o empreendedor fica exposto a extrema insegurança jurídica. Isso prejudica o desenvolvimento da atividade econômica, que precisa de um ambiente regulatório estável e previsível para prosperar.

É importante que se diga que o setor industrial compreende a importância da Licença Ambiental como um dos instrumentos de proteção ambiental. É por intermédio do licenciamento ambiental que são avaliados os potenciais e efetivos danos ao meio ambiente dos empreendimentos ou atividades, mediante a elaboração e análise de estudos prévios.

A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), foi instituída há mais de quatro décadas pela Lei 6.938/1981, de modo que se encontra desatualizada e demanda revisão. Nesse contexto, são oportunas as discussões que ocorrem no âmbito do Projeto de Lei do Senado Federal 2.159/2021(conhecido como Lei Geral do Licenciamento Ambiental), por meio do qual poderão ser revistos e sanados os obstáculos que vêm sendo identificados ao longo da aplicação desse instrumento.

Os principais problemas identificados nessas décadas de implementação do licenciamento ambiental são o excesso de burocracia; a falta de clareza das etapas e critérios; o elevado custo dos estudos ambientais requeridos; e o longo período para sua conclusão. Tudo isso exaure a capacidade do setor empresarial de suportar os prazos e o ônus dele decorrente.

Um caminho para desburocratizar o processo de licenciamento sem perda da qualidade ambiental é promover sua integração aos instrumentos de planejamento ambiental. Tais instrumentos, muito adotados internacionalmente, são pouco utilizados no Brasil, e se destinam à avaliação do território do ponto de vista de desenvolvimento econômico e restrições ambientais. Assim, estudos já realizados permitem o aproveitamento de informações, que conferem maior agilidade ao processo de licenciamento de atividades específicas, sendo possível, inclusive, já liberar de licenciamento as atividades já previstas para aquele território.

São exemplos desses instrumentos o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e a Avaliação Ambiental Integrada (AAI). Contudo, esses dois últimos instrumentos sequer contam com disciplinamento específico na legislação ambiental brasileira.

Este documento apresenta propostas para aprimorar o licenciamento ambiental com a aprovação de uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental. A lei deve contemplar o fortalecimento da gestão territorial, com aproveitamento dos instrumentos de planejamento ambiental, o estímulo ao compartilhamento de dados e a desburocratização e simplificação do processo, sem perda de qualidade ambiental.

Da forma como vem sendo implementado no país, o processo de licenciamento ambiental não é satisfatório. Trata-se de procedimento burocrático, de custo elevado e que inibe o desenvolvimento de atividades produtivas.

A falta de clareza e a discricionariedade dos agentes que atuam no processo de licenciamento ambiental, entre outros fatores, geram incertezas e insegurança jurídica, que permanecem mesmo após a emissão das licenças ambientais pelo órgão competente.

A defesa ambiental é um dos princípios da Ordem Econômica e Financeira do país, conforme determinado pela Constituição de 19881, razão pela qual não há que se falar em desenvolvimento econômico sem a garantia da defesa ambiental. No entanto, as deficiências no processo de licitação não conferem as condições necessárias para o desenvolvimento econômico do país, que também deve ser considerado, conforme previsto na Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei 6.938/1981.

O setor industrial compreende a importância da Licença Ambiental como um dos instrumentos de defesa do meio ambiente. Afinal, é por intermédio desse instrumento que são avaliados os potenciais e efetivos danos ao meio ambiente, que possam ser causados pelos empreendimentos ou atividades, mediante a elaboração e análise de estudos ambientais prévios. Dessa forma, as licenças ambientais atendem a um dos importantes princípios da legislação ambiental: o Princípio da Prevenção, sobre o qual se baseia a Política Nacional do Meio Ambiente.

Após quatro décadas de implementação dessa política ambiental brasileira, há a necessidade de se revisar todo o processo de licenciamento ambiental, tendo em vista as lições aprendidas ao longo desses anos. Além disso, a atualização permitirá o ajuste da legislação às atuais exigências decorrentes da competitividade econômica a que se encontra submetido o setor industrial brasileiro, no contexto global.

Atualmente, está sendo debatido no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado Federal 2.159/2021, conhecido como “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”. O grande desafio é equilibrar a resolução dos problemas econômicos causados pelo sistema atual de licenciamento, com a garantia de conservação dos ativos ambientais do país.

O texto do Projeto de Lei analisado neste estudo é aquele finalizado na Câmara de Deputados, cujos trabalhos se encerraram em 18 de maio de 2021, após ter tramitado por 17 anos naquela casa legislativa (PL 3.729/2004).

Licenciamento ambiental no Brasil

A Licença Ambiental estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que devem ser observadas e cumpridas para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos capazes de causar degradação ambiental.

O processo de licenciamento ambiental deve levar em conta os estudos relacionados com os meios físico, biótico, social e econômico, entre outros. Essa ampla gama de informações implica a participação de inúmeras instituições na análise desses estudos, o que significa que o processo de licenciamento não depende de um único órgão governamental.

Assim, o empreendimento industrial lida com a regulação ambiental durante toda a sua existência: antes do seu início, durante a instalação, na fase de operação, na renovação periódica e na sua desativação.

Essas Licenças Ambientais são deferidas por órgãos ambientais do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), de acordo com as atribuições administrativas estabelecidas pela Lei Complementar 140/20114. Esse instrumento legal fixa normas para a cooperação entre os entes federados, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, a proteção do meio ambiente; o combate à poluição, em qualquer de suas formas;a preservação das florestas, da fauna e da flora.

No entanto, a integração entre as diversas esferas administrativas, na prática, enfrenta dificuldades, devido à necessidade de disciplinamento de aspectos de ordem legal; de fortalecimento institucional; e de capacitação de recursos humanos, entre outros.

No contexto da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela Lei 6.938/1981, a Licença Ambiental é um dos 13 instrumentos que buscam colocar em prática essa política pública. Esses instrumentos gerenciais podem ser assim agrupados:

• de planejamento: diz respeito ao zoneamento ambiental e à criação de espaços territoriais especialmente protegidos;

• de controle ambiental: diz respeito à avaliação de impactos ambientais no contexto do licenciamento ambiental;

• de incentivos à tecnologia: diz respeito à produção e instalação de equipamentos e à criação ou absorção de tecnologia;

• de apoio técnico e de prestação de informações ambientais: diz respeito ao sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; cadastros técnicos de atividades e instrumentos de defesa ambiental e de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais; e estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; e

• de natureza econômica: diz respeito à concessão florestal, servidão ambiental e seguro ambiental.

Apesar da existência de mais de uma dezena de instrumentos, a prática da Administração Pública tem centrado sua gestão no processo de licenciamento ambiental, o que tem causado distorções na condução dessa política. Por essa razão, o atual momento é propício para a discussão da futura “Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, cujo PL atualmente tramita no Senado Federal.

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(Mikael Vaisanen/Getty Images)

Visão do setor industrial

Para saber o que o setor industrial pensa sobre o licenciamento ambiental, a CNI consultou 583 indústrias em 2019. Essa pesquisa mostrou que o setor compreende bem o papel do licenciamento ambiental, tanto na defesa ambiental como na melhoria da gestão de seu empreendimento, conforme se vê pelo resultado que se segue:

• 95,4 % consideraram o licenciamento ambiental importante para a conservação do meio ambiente, embora 55,2% acreditem que o atual modelo não atinja esse objetivo;

• 84 % mencionaram que o licenciamento ajuda na melhoria da qualidade da gestão ambiental do seu empreendimento; e

• 65,5 % ponderaram que esse instrumento não deve ser apenas mais uma forma de arrecadação de tributos pelo Estado.

Contudo, o setor empresarial elencou algumas inconsistências decorrentes da aplicação do licenciamento ambiental, que tornam o processo mais custoso e demorado, sem contribuir para o alcance de seus objetivos de proteção ambiental.

Dentre as inconsistências apontadas, destaca-se a desvinculação do licenciamento dos instrumentos gerenciais de outras políticas públicas, incluindo aqueles relacionados com a governabilidade territorial. O fato de tramitar em inúmeras instituições – com muita burocracia, grande quantidade de documentos, etapas, prazos e alto custo, além de pouca valorização e organização das informações produzidas – também representa um obstáculo à maior eficiência do instrumento.

O processo de licenciamento ambiental também é afetado por conflitos de competências entre os diversos entes federados, que demandam muito tempo para sua resolução, o que acaba impactando o prazo e o custo dos empreendimentos e atividades.

Além disso, padece de falta de racionalidade sobre o que deve ser avaliado, sob o ponto de vista da viabilidade ambiental dos empreendimentos e atividades, o que sobrecarrega os órgãos ambientais e as entidades intervenientes, que contam com poucos recursos humanos, financeiros e tecnológicos.

Quanto ao excesso de burocracia, foi ressaltado que o instrumento baseia-se no procedimento trifásico de licenças ambientais, sem vislumbrar a simplificação desses procedimentos para micro e pequenos empreendimentos. Também não estimula investimentos em novas tecnologias, programas voluntários de gestão ambiental ou outras medidas que possam se traduzir em efetivos ganhos ambientais. Na grande maioria dos casos, os esforços da iniciativa privada não são reconhecidos como um diferencial na definição de prazos e de análise, validade e renovação das licenças.

Tudo isso traz uma série de consequências ao empreendedor, que tem de atender às exigências do órgão licenciador, no sentido de suprir a falta dos demais instrumentos, em especial, os de planejamento, que regulam a ocupação do território. Cabe ressaltar que compete somente à Administração Pública elaborá-los, a exemplo do Zoneamento Ambiental e a criação de espaços protegidos.

Nem sempre o empreendedor consegue entender, com clareza, a totalidade dos processos referentes à matéria, pois muitos aspectos dependem do poder discricionário do técnico e das instituições que participam do processo de licenciamento ambiental.

Tais situações fazem com que, muitas vezes, o empreendedor, tenha que desembolsar recursos financeiros não previstos no seu orçamento, além do risco de perder prazos, o que acarreta pagamento de multas e rompimento de contratos, fatos graves para qualquer empreendimento empresarial.

Tais situações deixam o empreendedor exposto à insegurança jurídica, fato que pode ocorrer até mesmo depois de ter sido deferida a licença ambiental por parte do órgão ambiental competente.

PROPOSTAS

O PL 2.159/2021 contempla boa parte das propostas apresentadas pelo setor industrial, razão pela qual espera-se que ele se torne, no menor espaço de tempo possível, a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, considerada um marco na legislação ambiental brasileira.

A título de contribuição para o aprimoramento e modernização do processo de licenciamento ambiental, a CNI, representando o setor empresarial brasileiro, sugere os temas que merecem maior atenção por parte dos Poderes Legislativo e Executivo na implantação da Política Nacional do Meio Ambiente, como forma de agilizar, desburocratizar e dar segurança jurídica ao licenciamento ambiental, sem perda da qualidade ambiental:

1. Fortalecer a gestão territorial, a partir da implementação dos instrumentos de planejamento e de integração das políticas públicas.

2. Fortalecer as relações inter institucionais, adotando a mediação e a conciliação. como meio de resolução conflitos.

3. Integrar as instâncias licenciadoras na construção do banco de dados de interesse para o processo de licenciamento ambiental, com a inclusão dos estudos ambientais.

4. Fortalecer as equipes das agências licenciadoras e das autoridades envolvidas;

5. Avaliar os impactos ambientais do empreendimento ou atividade, de forma concentrada.

6. Definir a tipologia de empreendimentos e atividades que não dependam de renovação de licença.

7. Mudar o modelo conceitual da política ambiental, com ênfase em processos indutivos, via estímulos e incentivos.

Segurança jurídica: estímulo aos negócios

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(Cristiano Mariz/.)

Há uma crescente percepção nas empresas sobre a importância e o agravamento da insegurança jurídica no Brasil. A insegurança jurídica abala a certeza sobre o passado consolidado, a confiança no presente, a legítima expectativa quanto ao futuro e – o que é mais grave – corrói valores indispensáveis à existência e à estabilidade da sociedade.

As ações para a redução da insegurança jurídica devem iniciar pelo reconhecimento dos custos que ela representa para o país e para a sociedade. No limite, esse agravamento da insegurança leva à paralisia decisória do próprio Estado e das empresas.

Por isso, promover a segurança jurídica deve ser uma política de Estado, conduzida com alta prioridade por qualquer governo. O Direito incorpora uma série de valores que, a despeito de sua relevância, podem entrar em choque, exigindo compressões e ajustes. Cumpre ressaltar que é da natureza dos mandatos eletivos – sempre temporários – que se dê ênfase a um ou a outro valor, de acordo com a orientação dos governantes eleitos em um período.

Os motivos da insegurança são diversos, entrelaçados e cumulativos. Parte relevante do papel do Poder Público é garantir o cumprimento do Direito pelos particulares, mas é preciso, em especial, que ele dê o exemplo, exigindo e oferecendo segurança jurídica. Cabe ao Estado, portanto, promover a estabilidade da ordem jurídica – em todos os Poderes, esferas e níveis – e também evitar ser, ele próprio, um agente de insegurança.

O Poder Executivo é encarregado da administração dos bens e dos serviços públicos, da tomada de decisões políticas em caráter individual ou coletivo, bem como da execução de políticas públicas definidas pelo legislador. Desde meados do século XX em diante, o Executivo também tem assumido papel normativo cada vez mais relevante.

Nessas esferas de competências, há diversos gargalos, causadores de insegurança jurídica, oriundos do Executivo, que podem ser reunidos em seis grupos: (a) incerteza quanto à edição de normas e em processos licitatórios; (b) descontinuidade de políticas, obras e serviços; (c) descumprimento da interpretação do Direito, firmada pelo Poder Judiciário; (d) riscos de corrupção e entraves decorrentes do exercício de poderes discricionários; (e) necessidade de fortalecimento das agências reguladoras; e (f) insubordinação em matéria tributária. Este documento apresenta propostas para aprimorar a segurança jurídica no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como na atuação do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

A segurança jurídica como prioridade para o Estado

Promover a segurança jurídica deve ser uma política de Estado, conduzida com alta prioridade por qualquer governo. O Direito incorpora uma série de valores que, a despeito de sua relevância, podem entrar em choque, exigindo compressões e ajustes. Cumpre ressaltar que é da natureza dos mandatos eletivos – sempre temporários – que se dê ênfase a um ou a outro valor, de acordo com a orientação dos governantes eleitos em um período.

Embora não seja diferente com a segurança jurídica – que pode ser promovida em maior ou menor extensão e de diferentes formas –, as circunstâncias particulares do Brasil se combinam para destacar o tema como uma das preocupações centrais do governo a ser eleito, qualquer que seja sua linha partidária.
A promoção da segurança jurídica é uma pauta suprapartidária, porque o tema envolve não só o funcionamento do Estado e dos agentes econômicos, mas também – e principalmente – a própria subsistência das famílias.

A confiança no Direito, nas instituições e na estabilidade das relações jurídicas é indispensável para que se possa empreender, investir e contratar. A percepção de insegurança e a desconfiança do mercado desestimulam a oferta de bens e serviços, assim como a inovação e a entrada de novos competidores, porque é apenas com um mínimo de previsibilidade quanto ao futuro que custo e retorno de projetos e iniciativas podem ser projetados.

Além disso, a sensação de instabilidade reduz a atratividade do país para investidores estrangeiros, aumenta os custos envolvidos na obtenção de financiamento, afeta a taxa de câmbio e pode alimentar a inflação. O consumidor é obrigado a arcar com as consequências de uma menor concorrência e de preços mais altos, e a sociedade em geral perde com a redução da capacidade de investimento e de contratação dos agentes econômicos. O que é gasto com custos maiores não retorna como aprimoramento e novos empregos.

A insegurança jurídica é um problema crônico no Brasil, que, apesar de ter sido uma marca do passado e do presente, não pode comprometer seu futuro. A preferência por soluções imediatistas, que resolvam um caso ou atendam a interesses de momento, precisa ceder em nome da imagem do país e da reconstrução da cultura do Estado e da sociedade.

Embora de difícil aplicação efetiva, a saída já é conhecida e passa pela simplificação das normas incidentes sobre as atividades econômicas, sua estabilidade – inclusive diante de novas interpretações – e sua efetiva execução, especialmente por parte do Estado.

Parte relevante do papel do Poder Público é garantir o cumprimento do Direito pelos particulares, mas é preciso, em especial, que se dê o exemplo, exigindo e oferecendo segurança jurídica. Cabe ao Estado, portanto, promover a estabilidade da ordem jurídica – em todos os Poderes, esferas e níveis – e também evitar ser, ele próprio, um agente de insegurança.

O Poder Público alimenta a desconfiança, ao constantemente alterar o Direito – por via legislativa, no momento da aplicação pela Administração, ou por interpretação judicial – mediante a sobreposição de sistemas de controle incoerentes.

Só há segurança quando os efeitos jurídicos dos atos podem ser minimamente previsíveis – i.e., quando se pode saber de antemão o que poderá acontecer. Se as normas são multiplicadas e pulverizadas, ou se seu conteúdo varia no momento de sua aplicação – por parte do Executivo, do Judiciário ou de órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público –,o próprio núcleo do princípio do Estado de Direito é atingido, expresso no ideal do primado do Direito (rule of law).

O mesmo ocorre quando o Estado, valendo-se do poder de legislar, edita medidas com o propósito de dificultar ou atrasar o reconhecimento ou a satisfação de suas dívidas.

É o que se verifica, por exemplo, nas inúmeras reformas dos precatórios. O problema também se dá quando o Poder Público se aproveita de prerrogativas e isenções processuais para estender, de forma indefinida, o tempo dos processos de que é parte – inclusive para obter, via modulações ou mudanças de jurisprudência, algo a que não faria jus, de início, de acordo com o Direito estabelecido à época.

Em todas essas ocasiões, o Estado vai de encontro ao rule of law, agindo contra a estabilização das pretensões e gerando uma percepção geral de resistência injustificada.

A complexidade do sistema normativo também contribui para uma sensação de insegurança. Quando até abrir empresas e pagar tributos é algo difícil, verifica-se uma prejudicial inversão: a atividade-fim dos agentes econômicos fica em segundo plano, porque as preocupações burocráticas exigem muito de sua atenção.

A palavra de ordem deve ser a simplificação de procedimentos e exigências – não para dispensar cautelas necessárias e relevantes, mas para garantir que as finalidades pertinentes sejam atingidas da melhor forma possível, sem impor sacrifícios dispensáveis aos agentes econômicos.

Não há dúvida alguma quanto à relevância do tema no Brasil – e são vários os indicadores que o confirmam. Um deles é o Rule of Law Index, divulgado pelo World Justice Project. Segundo o documento, a pontuação do Brasil, em 2020, era de apenas 0.50, de um total de 1.00. Essa nota, abaixo das médias global (0.56) e regional (0.53 – América Latina), é a pior já obtida desde 20152, ficando, hoje, atrás de países como Trinidad e Tobago, Jamaica, Argentina, Chile e Uruguai.

Embora elementos como a corrupção e a avaliação da Justiça criminal contribuam para prejudicar a pontuação do país, o Brasil segue abaixo da média mundial – e, em certos casos, da regional – em outros temas, como direitos fundamentais, segurança, execução e cumprimento da regulação, e Justiça civil.

Pesam aqui, por exemplo, a proteção insuficiente aos direitos fundamentais, a inefetiva tutela ao devido processo legal, a longa tramitação dos processos cíveis e administrativos e a dificuldade na execução das decisões judiciais.

Na mesma linha, o relatório Competitividade Brasil 2019-2020 da CNI aponta que a baixa competitividade do país se agravou no quesito segurança jurídica, onde ficamos em 15º. lugar entre os 18 países analisados. Como aponta o relatório, o tema inclui “aspectos regulatórios que impactam diretamente o setor privado, com base em percepções sobre a garantia do cumprimento das normas jurídicas (aspectos relacionados à execução de contratos, a direitos de propriedade, à polícia e à justiça) e a facilidade para questionar ações e regulamentações do governo por meio do sistema legal, e em indicadores de eficiência na execução de contratos”.

Apesar de se situar no terço intermediário do ranking quanto à execução de contratos e normas jurídicas, o Brasil ficou na penúltima posição na variável “Eficiência do arcabouço legal em questionar a regulação governamental”.

O custo Brasil, que segue sendo um problema, se soma à percepção dos empresários acerca do rumo político no país: 60% dos empresários ouvidos pela Amcham Brasil em 2021 registram que “a maior preocupação do ano é a incerteza política”, à qual se seguem o custo Brasil (48,5%) e a insegurança jurídica (40%).

Em outras palavras, a agenda política do país segue tendo a tutela e a promoção da segurança jurídica como uma de suas prioridades centrais. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo é apresentar sugestões de aprimoramento da segurança jurídica no âmbito do Poder Executivo Federal. Ao final, tangenciam-se também alguns pontos relativos aos Poderes Legislativo e Judiciário, e também ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas.

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(Nelson Jr./SCO/STF)

PROPOSTAS

As ações para a redução da insegurança jurídica devem iniciar pelo reconhecimento dos custos que ela representa para o país e a sociedade. No limite, esse agravamento da insegurança leva à paralisia decisória do próprio Estado e das empresas.

É preciso se evitar o agravamento dessa virtual crise de governança. Não há uma ação única para romper os problemas identificados, e cada Poder tem uma agenda de problemas a serem enfrentados. O que existe é uma ação política, representada pela concertação da ação dos Poderes, conforme a Constituição. Essa tensão entre os limites dos Poderes exige diálogo, entendimento e revisão de posturas.

Poder executivo:

1. Divulgar os atos que impactam a esfera dos cidadãos também pela internet, de forma completa e mais facilmente acessível.

2. Dar prosseguimento ao processo de consolidação e atualização das normas infralegais.

3. Tornar obrigatória a obtenção de licença ambiental prévia pelos órgãos da Administração Pública federal, como condição para a realização de licitações.

4. Exigir análise de impacto regulatório e custo-benefício em qualquer processo que envolva a criação, a modificação ou a interrupção de políticas públicas, inclusive quando envolver a edição de decretos ou o envio de projetos de lei ao Legislativo.

5. Reduzir a discricionariedade dos agentes públicos, no âmbito da regulação e na fiscalização das atividades econômicas.

6. Fortalecer as agências reguladoras, garantindo sua autonomia.

Poder legislativo:

7. Incluir análise de impacto legislativo no processo de elaboração das normas.

8. Valorizar informações técnicas relevantes ao editar normas.

9. Maximizar a aderência ao devido processo legislativo.

10. Promover a coerência regulatória no processo legislativo.

Poder Judiciário:

11. Promover a cultura de respeito aos precedentes em todos os graus de jurisdição.

12. Democratizar procedimentos de participação da sociedade civil previamente à superação de precedentes.

13. Conferir maior efetividade à participação de representantes empresariais como amicus curiae nos feitos que resultem em precedentes de maior destaque ou força vinculante.

Ministério Público e Tribunais de Contas:

14. Harmonizar a atuação dos órgãos de controle, de modo que cada um respeite as orientações dos demais, inclusive no tocante aos acordos de leniência.

Segurança jurídica em relações de trabalho: reflexões para avançar

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(FG Trade/Getty Images)

Segurança jurídica significa um cenário estável, previsível e razoável para a tomada de decisões de negócios. A previsibilidade das consequências com relação aos atos praticados se reflete positivamente nas decisões de investimento das empresas, de contratação de trabalhadores, de inovação, entre outros. Inversamente, em um cenário de insegurança jurídica, as empresas não conseguem planejar e prever os efeitos dos seus atos baseados nas normas jurídicas vigentes.

Historicamente, o nível de segurança jurídica no Brasil era inadequado, especialmente em matéria de relações de trabalho e de previdência. Indicador de segurança jurídica da Foundation pour le droit continental (2015) colocou o país na penúltima posição entre 12 países ao examinar o tema direito do trabalho. Essa percepção é corroborada ao se identificar que em 2016, portanto antes da Lei 13.467/2017, quase 7 milhões de ações trabalhistas tramitavam na Justiça do Trabalho entre novos processos e remanescentes dos anos anteriores.

A Modernização Trabalhista (Lei 13.467/2017) e a Lei de Terceirização (Lei 13.429/2017) são verdadeiros marcos, que contribuíram para a simplificação e maior clareza da lei. Como consequência, contribuíram para a pacificação da interpretação de temas controversos e a redução da litigiosidade.

Desde a entrada em vigor da Lei, em 2017, o número de novos casos nas varas do trabalho caiu mais de 45%. Conforme dados da Coordenação de Estatística do TST, em alguns temas a redução foi significativa: na terceirização, o número de casos no ano de 2021 representou 25% do número de 2017; negociação coletiva sobre horas in itinere, 30%, e sobre intervalo intrajornada, 50%.

Na esteira dessa legislação, outras ações importantes foram tomadas, como o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais (Decreto 10.854/2021).

Mas é preciso continuar avançando na ampliação da segurança jurídica em relações de trabalho.

Este documento apresenta propostas para, entre outros, impulsionar a solução extrajudicial de conflitos trabalhistas; regulamentar de forma clara e moderna os temas relacionados aos novos desafios trabalhistas; e ampliar a segurança jurídica ao alinhar a legislação de segurança e saúde no trabalho à legislação previdenciária.

A insegurança jurídica está entre os temas que mais preocupam o setor produtivo brasileiro, sobre o qual tem havido crescente debate nos últimos anos, de tal sorte que já se consagrou a seguinte frase, que resume a situação: “No Brasil, até o passado é incerto”.

A preocupação advém do fato de que a segurança jurídica é de suma importância para o crescimento e o desenvolvimento sustentado do país, pois reflete diretamente nas decisões de investimento das empresas, de contratação de trabalhadores e de inovação, entre outros.

Em um contexto de insegurança jurídica, não se sabe, de antemão, quais e como as normas serão aplicadas. Isso impede que os atores sociais e econômicos tenham maior confiança para tomar decisões, pois elas podem ter consequências imprevisíveis e indesejáveis, mesmo que tomadas de acordo com a lei vigente. Complexidade do texto da lei, divergências de entendimento na sua interpretação, desconhecimento sobre qual a norma (entre duas ou mais possíveis) a ser aplicada e mesmo falta de acesso às normas pertinentes ao caso são dificultadores da tomada de decisões.

No âmbito trabalhista, a lógica é a mesma: quanto maior a insegurança jurídica, mais arriscada é a decisão de criar postos de trabalho – ou até mesmo de se conceder uma simples bonificação –, pois se aumenta a chance de, no futuro, surgirem passivos trabalhistas em decorrência dessas decisões. Isso ocorre mesmo que a empresa busque observar detalhadamente os textos legais e as jurisprudências sobre determinado tema, pois as interpretações da legislação podem ser dissonantes entre os juízes e tribunais – e até mesmo mudar repentinamente em um mesmo tribunal.

Tudo isso traz implicações para o crescimento e o desenvolvimento do país. Com efeito, segundo estimativa de Armando Castelar, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV – 2018), a insegurança jurídica reduz o potencial de crescimento anual do Brasil entre 0,2% e 0,5%.
Em linha com esse pensamento, José Pastore menciona que:

“A conexão entre segurança jurídica e crescimento econômico é vasta. Weder mostrou que 23% da variação do crescimento da renda per capita são explicados pela qualidade das leis e das sentenças judiciais. Sherwood provou que um dos responsáveis pelo baixo crescimento econômico de países da América Latina, Brasil inclusive, é o mau funcionamento do Poder Judiciário. Com uma ação coerente e consistente dos magistrados, esses países poderiam aumentar os investimentos em 14%, os empregos em 12% e as vendas em 18%. No seu já clássico trabalho, Possner indica que os problemas do lado do crescimento econômico se agravam quando a ideologia e a pressão da opinião pública interferem nas decisões dos juízes. […]
Para os investidores, a segurança jurídica é fundamental, pois ninguém investe ao saber que as regras de uma lei ou de um contrato podem não valer no dia de amanhã. No mundo inteiro, os investidores fogem de países onde as autoridades têm poderes para anular acordos legais e aplicar penalidades. Numa palavra, a imprevisibilidade é apontada pelos estudiosos do Poder Judiciário como o maior empecilho ao desenvolvimento econômico, em especial, no Brasil.”

Portanto, quanto mais se fortalece a segurança jurídica, maior é a tendência de que exista um cenário estável, previsível e razoável para a tomada de decisões de negócios, o que é especialmente verdadeiro no âmbito das relações de trabalho. Em outras palavras, pode-se dizer que a segurança jurídica está diretamente relacionada a um ambiente de negócios favorável à competitividade do país, à geração de empregos e à melhor qualidade de vida da sociedade em geral.

Felizmente, no que diz respeito às relações de trabalho, tem havido esforços para aumentar a segurança jurídica, sem comprometer a proteção dos direitos individuais e sociais dos trabalhadores. Maior exemplo disso é modernização trabalhista, trazida pela Lei da Modernização Trabalhista (Lei 13.467/2017), que tem mostrado resultados positivos no tocante à litigiosidade em geral (queda de cerca de 46% de casos novos nas Varas do Trabalho entre 2016 e 20205), e à liberdade negocial coletiva e individual, por exemplo.

Contudo, mesmo que considerados os grandes benefícios que a Modernização de 2017 vem trazendo, ainda há desafios a serem enfrentados pelo país, para seguir no caminho do fortalecimento da maior segurança jurídica nas relações de trabalho.

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(FG Trade/Getty Images)

PROPOSTAS

Dados e indicadores analisados no âmbito internacional demonstram que, embora a segurança jurídica não seja o único fator determinante para o desenvolvimento econômico, há uma forte associação entre essas duas variáveis.

Esses indicadores comparativos entre países, além de dados de litigiosidade no Brasil e de exemplos concretos relacionados a temas de relações de trabalho e previdência marcados por alta controvérsia, permitem confirmar a percepção de que, antes da Modernização Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017), o país estava sujeito a uma insegurança jurídica elevada em relações de trabalho.

Com a Modernização Trabalhista, o país deu passo decisivo e progrediu em direção ao aumento de segurança jurídica, o que pode ser confirmado pela clara redução do número de novos processos trabalhistas em Varas do Trabalho (superior a 46%), e no número de processos em que há discussão sobre temas como terceirização, dano extrapatrimonial, negociação coletiva sobre horas in itinere ou sobre intervalo para almoço, entre outros.

Naturalmente, há espaço para avançar ainda mais, seja com outras medidas em relações de trabalho que complementem as inovações da Lei 13.467/2017, seja com a realização de modernização da legislação da previdência relativa às condições de trabalho, que pouco avançou nos últimos anos.

Para tanto, sugeriu-se um conjunto não exaustivo de recomendações para aprimorar a segurança jurídica em relações do trabalho no país, entre elas:

1. Impulsionar ainda mais a solução pacífica, consensual e extrajudicial, de conflitos trabalhistas, explicitando em lei que a homologação do acordo extrajudicial pela Justiça do Trabalho é total, aumentando as hipóteses de utilização de arbitragem nas relações de trabalho e estimulando a utilização de mecanismos de prevenção de conflitos como as Comissões de Conciliação Prévia (CCPs).

2. Vedar a aplicação de penalidades cumulativas por diferentes órgãos e instituições públicas (como Ministério Público do Trabalho e Auditoria-Fiscal do Trabalho) pelo mesmo fato.

3. Reconhecer os temas relacionados aos novos desafios trabalhistas (tais como novas formas de trabalhar vinculadas à indústria 4.0 e à digitalização da economia.

4. Conferir clareza, acessibilidade e publicidade às leis e atos normativos infralegais pertinentes às relações do trabalho (trabalhistas e previdenciárias), por meio da criação de um portal nacional eletrônico, a exemplo do planalto.gov.br, com um grande compilado dessas regras, com expressa indicação do que está, ou não, em vigor.

5. Harmonizar a legislação de previdência e a trabalhista sobre condições de trabalho, de forma a alinhar, por exemplo, as regras e orientações no que tange à elaboração de programas, laudos, perícias e ao preenchimento do perfil profissiográfico previdenciário (PPP).

6. Resolver o chamado limbo previdenciário, especificando em lei que o médico do trabalho pode solicitar a prorrogação do benefício previdenciário.

7. Garantir acesso simples e rápido para as empresas quanto às informações previdenciárias relativas a seus empregados, quando vinculadas a nexos acidentários, por exemplo, bem como garantir que as decisões da Previdência sobre a situação de empregados sejam claras e estejam disponíveis às empresas.

Estas são apenas algumas ações na direção do aumento da segurança jurídica, em especial em relações do trabalho no país. Diversas outras podem ser discutidas e condensadas, sempre com foco na ampliação das condições de crescimento econômico, geração de emprego e renda e desenvolvimento social.

Para tanto, tais recomendações – e toda e qualquer ação com vista a alcançar maior segurança jurídica em relações do trabalho – devem ter como objetivo, ao fim, dar melhores condições aos cidadãos e às empresas de planejar seu futuro.

Regulação: qualidade a nível internacional

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(Pulse/Getty Images)

Melhorar a qualidade da regulação é ainda um desafio para o Brasil. Importantes avanços têm sido introduzidos nos últimos anos e alguns órgãos da administração federal têm feito mudanças profundas nos seus processos regulatórios.

Diferentes administrações têm tido limitações no escopo e nas ênfases dadas para a temática, nas capacidades necessárias para expandir esta agenda para o Governo como um todo e no apoio político oferecido ao uso de princípios e ferramentas da qualidade regulatória.

O resultado hoje é uma série de iniciativas, obrigações e projetos que promovem a temática e que gradualmente avançam em melhores práticas regulatórias, mas que ainda ficam limitados para alcançar uma melhoria da qualidade regulatória palpável para os regulados. Em particular, o setor privado e os consumidores não conseguem percebem os ganhos de regulações mais bem desenhadas e ser parte de processos regulatórios mais participativos.

A consolidação da governança regulatória deveria ser o objetivo principal dos próximos governos para tentar reverter uma tendência de aumento da carga regulatória imposta à sociedade, nem sempre justificada ou baseada em evidências.

Este relatório apresenta um breve diagnóstico sobre a situação atual da governança regulatória no Brasil, focando em alguns temas relevantes.

O primeiro tema é o marco institucional e a coordenação interinstitucional necessários para promover e garantir que os processos regulatórios sejam mais efetivos, eficientes e transparentes.

O segundo tema elabora uma avaliação dos avanços no uso de três ferramentas para melhorar a qualidade da regulação:

• As análises de impacto – Análise de Impacto Regulatório (AIR) e a Avaliação de Resultado Regulatório (ARR);

• As ferramentas para reformar os processos de fiscalização e inspeção; e

• A simplificação administrativa.

Outras ferramentas vêm sendo usadas no Brasil, mas o diagnóstico considera que essas três são as mais relevantes para contribuir com um ambiente jurídico que ofereça garantia para a atividade econômica e abra espaços para a inovação e a concorrência.

Finalmente, o relatório faz recomendações com vistas a fomentar as discussões sobre a necessidade de concretizar os avanços alcançados, mas também elevar a temática da qualidade regulatória a um nível político adequado para que se possa acelerar sua implementação.

As recomendações partem de um ponto de vista abrangente sobre a necessidade de fortalecer a função reguladora de forma efetiva e eficiente para que seus resultados não sejam onerosos para o setor regulado.

As propostas e recomendações são apresentadas em dois grupos. O primeiro foca o fortalecimento da governança regulatória, com foco em mecanismos para aprimorar a qualidade regulatória. O segundo grupo de propostas está voltado ao fortalecimento do uso das ferramentas regulatórias, como a AIR e ARR, e os mecanismos de participação social no processo regulatório.

Embora haja um consenso sobre a complexidade do sistema regulatório e sobre as condições adversas criadas pela desproporcional quantidade de regulações existentes, o tema da qualidade regulatória é relativamente recente na discussão pública no Brasil.

A tradição legalista do país faz com que a regulação seja muito empregada e os esforços por mantê-la atualizada para que responda aos desafios econômicos e sociais do país têm sido precários. Melhorar a qualidade da regulação é ainda um desafio para o Brasil.

A complexidade regulatória resulta em custos. De acordo com estimativas do Boston Consulting Group (BCG), em estudo organizado pela Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (SEPEC) do Ministério da Economia e o Movimento Brasil Competitivo (MBC), o Custo Brasil foi estimado em aproximadamente R$ 1,5 trilhão no ano de 2018, montante equivalente a 22% do PIB do mesmo ano. Somente os custos associados ao ambiente jurídico-regulatório do Custo Brasil constituem R$ 181,2 bilhões, o que representa o 12% do custo total. Tais custos incidem diretamente sobre o setor produtivo e não raramente posicionam as empresas brasileiras em uma situação de desvantagem competitiva em relação aos seus competidores internacionais.

O desenvolvimento da economia brasileira requer um ambiente de negócios que seja compatível com o seu tamanho e a sua diversidade. Para aprimorar o ambiente de negócios são necessários esforços no sentido de aumentar a segurança jurídica e melhorar a qualidade regulatória, para que o setor produtivo possa ter maior previsibilidade para planejar com segurança os seus investimentos e menores custos para acessar, compreender e cumprir os normativos que regulam as diferentes atividades econômicas.

A atuação do Estado deve ser equilibrada e racional como forma de reduzir o peso de sua atuação sobre a iniciativa privada, de forma a construir um ambiente de negócios estável e previsível e não impactar negativamente a competitividade.

Boas práticas regulatórias estão diretamente relacionadas à previsibilidade para o mercado e, consequentemente, à maior segurança jurídica para o empreendedor. Nesse sentido, destaca-se a necessidade de se desenvolver processos, sistemas, ferramentas e métodos para aprimoramento das regulamentações.

É preciso avançar no sentido de assegurar que a intervenção do Estado ocorra tão somente quando imprescindível, com foco para solução de problemas e que não seja mais custosa do que o necessário para a iniciativa privada.

Com foco em contribuir com esse debate, o presente relatório parte de um breve diagnóstico, apresentado na segunda seção, sobre a situação atual da governança regulatória no Brasil, analisando o arcabouço institucional existente e o estágio de implementação e uso de ferramentas regulatórias. A partir do diagnóstico, a terceira seção apresentada recomendações com vistas a acelerar o processo de implementação das boas práticas regulatórias e consolidar os avanços alcançados.

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PROPOSTAS

Fortalecer a governança regulatória

Esse primeiro grupo de medidas está relacionado à governança regulatória e à capacidade do Estado em implementar uma política de melhoria regulatória.

1. Garantir compromisso político em nível da Presidência da República para aprofundar o processo que visa melhorar a qualidade regulatória.

Qualquer estratégia para melhorar a qualidade regulatória precisa contar com um compromisso político do mais alto nível de poder para introduzir novas medidas e aprofundar o processo atual que procura a melhoria da qualidade regulatória no Brasil. Em um sistema presidencialista, como o brasileiro, esse compromisso parte do presidente da República.

O apoio e o compromisso político não são só uma expressão de estar de acordo com alguma iniciativa ou política. Eles significam também a capacidade que o futuro governo terá para implementar ações e iniciativas que visam introduzir mudanças importantes na máquina pública federal em termos dos processos regulatórios. Se o apoio e o compromisso político são efetivos, há uma possibilidade maior de desenvolver uma política de qualidade regulatória abrangente que seja prioridade do futuro governo e maior a possibilidade de introduzir e fazer cumprir obrigações para os órgãos e entidades da administração pública federal.

2. Desenvolver uma política da qualidade regulatória com princípios e definição das ferramentas que serão promovidos na administração federal, criando as capacidades necessárias para a sua implementação.

O apoio político precisa se traduzir na adoção e na promoção de uma política regulatória focada na melhoria da qualidade, que seja formalizada em um documento específico que contenha claramente os princípios que serão promovidos e as ferramentas que serão usadas. Logo após a publicação desse documento de política, será necessário regulamentar a implementação dos princípios e ferramentas que ela contém. A política também precisa contar com atividades e estratégicas claras, com uma sequência lógica, partindo do que já existe, melhorando as questões onde seja preciso melhorar e avançando com uma agenda mais abrangente. A política precisa de metas e objetivos claros, além de indicadores que permitam mensurar o progresso feito.

Para uma implementação bem-sucedida da política é necessário desenvolver capacidades técnicas nos órgãos e entidades que farão a aplicação dos princípios e as ferramentas. Continuar com capacitações e treinamentos é fundamental, pois o objetivo final é criar as condições em nível técnico e decisório para aplicar os princípios e as ferramentas e que elas façam parte do processo regulatório cotidiano.

Será necessário também contar com recursos destinados à implementação desta política e a criação dessas capacidades. Uma alocação adequada de recursos humanos e orçamentários para o órgão responsável desta temática é importante para desempenhar as funções estabelecidas.

3. Consolidar a institucionalidade requerida para promover a qualidade regulatória.

Uma das maiores brechas atuais em termos de qualidade regulatória é a existência de uma institucionalidade que ainda precisa se consolidar. Isso significa, principalmente, que as diversas iniciativas existentes precisam estar vinculadas em torno das instituições claramente definidas para liderar esta política pública. Uma decisão política é necessária para determinar quem será responsável pela pauta e onde estará localizada a institucionalidade para a sua implementação. É necessária a definição de uma organização responsável por tratar do tema em uma posição hierárquica elevada e com competências claras para definir orientar a implementação de boas práticas regulatórias.

Em particular, desenvolver uma política da qualidade regulatória demanda uma instituição específica responsável pelo tema. Essa instituição deve posicionar a temática em um nível hierárquico alto dentro da estrutura governamental, pois a melhoria da qualidade regulatória demanda o estabelecimento de obrigações para toda a administração e esse órgão deverá cobrar o cumprimento das demais entidades.

Se o órgão responsável é uma unidade pequena dentro de uma outra área que se ocupa de diversas temáticas, como se verifica atualmente, é muito difícil ganhar espaço e relevância para implementar a política da qualidade regulatória. Entendendo a política de qualidade regulatória como prioritária, é necessário encontrar e criar o espaço institucional para o seu desenvolvimento.

Nesta matéria o Brasil tem várias opções para considerar e escolher a melhor. É importante pensar nas implicações práticas da implementação da política e a força política e de convencimento que esse órgão precisará. Uma decisão com forte apoio político será muito mais simples e permitirá escolher uma solução mais efetiva para o futuro da melhoria regulatória no país.

4. Fortalecer as atribuições e responsabilidades do órgão de supervisão regulatória.

As atribuições para o órgão de supervisão regulatória devem ser melhoradas, pois hoje não estão bem definidas e faltam atribuições que são fundamentais para desempenhar o papel esperado de tal instituição. Em particular, a função de revisar a qualidade das AIR produzidas e emitir um parecer se mostra um desafio que precisa de melhor definição e clareza. Embora a atribuição hoje esteja alocada no Ministério da Economia, observa-se que as funções se encontram dispersas entre a Subsecretaria de Competitividade e Melhorias Regulatórias, dentro da estrutura da SEAE, e a Secretaria Executiva do Ministério.

Uma definição da política regulatória precisaria de um órgão responsável pela sua implementação. Faz-se necessário elevar a responsabilidade de supervisão regulatória a uma área com maior apoio e influência. Nesse sentido, sugere-se a criação de um órgão dedicado à qualidade regulatória, preferencialmente na estrutura da Casa Civil, por se tratar de uma área natural de coordenação governamental com capacidade de orientação para o restante da administração. Esse órgão deve contar com autonomia política e administrativa, além de quantitativo adequado de pessoal altamente qualificado e treinado para desenvolver as funções relevantes em termos da promoção da qualidade regulatória. O relacionamento com outros órgãos deve ser fluido e deve-se buscar estabelecer incentivos que ajudem a convencer os órgãos da aplicação dos princípios e as ferramentas propostas.

5. Desenhar um programa de qualidade regulatória para os níveis estadual e municipal.

Um problema ainda grave para o Brasil é o custo que a regulação ineficiente impõe à sociedade. Além da duplicidade de requisitos ou procedimentos, as inconsistências possíveis dos poderes regulatórios entre os níveis de governo e as lacunas regulatórias que possam existir, a implementação complexa da regulação entre níveis de governo e o desenvolvimento de capacidades para desempenhar funções regulatórias e responder aos desafios regulatórios cotidianos se mostram questões urgentes.

Por isso é muito importante que o Brasil inicie corretamente o caminho de melhorar a qualidade regulatória em níveis estaduais e municipais. O desafio é muito grande, mas ele precisa ser vencido, para reduzir custos para a sociedade, proteger melhor os consumidores e criar melhores condições para a operação das empresas.

Embora estados e municípios sejam administrativamente autônomos, o governo federal pode desenhar um programa de qualidade regulatória para os demais entes federados com foco na transferência de conhecimentos, intercâmbio de experiências, apoio para desenvolvimento de capacidades e incentivos para promoção de boas práticas regulatórias. Gradualmente pode-se avançar na implementação de princípios e ferramentas, usando os meios já existentes em âmbito federal.

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Fortalecer o uso de ferramentas

Um segundo grupo de recomendações está relacionado com o uso de ferramentas para melhorar a qualidade regulatória. Considerando as dimensões do Brasil e da sua administração pública, os recursos que os órgãos possuem e os exemplos que existem de órgãos que já empregam essas ferramentas, tais como as agências reguladoras, sugere-se que o órgão de supervisão regulatória se ocupe de cinco ferramentas fundamentais: AIR; soluções para promover a transparência e a participação social; reforma das fiscalizações com uso de ferramentas como análise de risco; simplificação administrativa; e agendas regulatórias. Outras ferramentas podem e devem ser promovidas também, mas de início seria importante lançar programas específicos para o seu uso sistemático e coordenado. As cinco ferramentas propostas devem ser fortalecidas para obter resultados sustentáveis ao longo do tempo.

6. Melhorar o sistema da AIR atual.

O Brasil encontra-se no início da implementação da AIR. Um passo importante foi dado com a obrigatoriedade de preparar AIR prévia à emissão de regulações para todos os órgãos da administração federal. Agora é momento de garantir que essa obrigação seja implementada corretamente e que as AIR produzidas cumpram com as expectativas e sejam usadas para melhorar o processo de tomada de decisão. Por exemplo, será importante assegurar que as AIR sejam colocadas em consulta pública previamente à sua finalização para dar espaço à participação social antes da tomada de decisão.

Um elemento que ainda está pendente é o controle de qualidade dessas AIR. O Órgão de Supervisão Regulatória (atualmente a SEAE) precisa ter um mandato mais claro para executar essa tarefa. É necessário estabelecer aspectos como os aspectos a serem avaliados pelo parecer, em que momento será elaborado e os possíveis efeitos do parecer sobre a AIR e a continuidade do processo regulatório. São vários elementos que ainda carecem de respostas claras e que deverão ser atendidos rapidamente.

A política de qualidade regulatória deve estar entre as prioridades do próximo governo. Para isso, a institucionalidade para a sua implementação deve estar presente e a AIR será uma das ferramentas mais importantes para melhorar a qualidade da regulação. O órgão de supervisão regulatória deverá assumir essa responsabilidade plenamente e desenvolver uma estratégia para garantir que as análises sejam feitas oportuna e corretamente.

7. Promover o uso de soluções que fomentem a transparência e a participação social no processo regulatório.

O Brasil tem conseguido resultados importantes em práticas relativas à participação social e à transparência, mas algumas delas não estão harmonizadas. Mesmo havendo obrigatoriedade na realização de consultas públicas, os órgãos reguladores contam com ampla discricionariedade para determinar em que momento do processo regulatório procederão à consulta pública, aos aspectos a serem consultados, aos prazos de consulta, entre outros. É necessária uma maior padronização dos procedimentos de consulta pública e participação social como forma de assegurar ao setor regulador e à sociedade a ampla oportunidade de dialogar com o órgão regulador durante todas as etapas do processo regulatório.

Mais do que meras formalidades, processos de transparência e participação são necessários para redução de assimetrias de informação entre regulador, regulado e sociedade, possibilitando o fomento a um ambiente de maior confiança entre as partes. Documentos técnicos e jurídicos que orientam a identificação do problema regulatório, a alternativa regulatória adotada e seus impactos positivos e negativos devem ser de amplo acesso público para possibilitar a informação do setor regulado e da sociedade, a apresentação de argumentos contraditórios e questionamentos técnicos e, em última instância, a previsibilidade sobre a regulação.

8. Propor um programa de reforma integral para as fiscalizações.

A fiscalização e as inspeções continuam a ser áreas complexas que impõem custos desnecessários tanto para o setor privado como para o próprio setor público. É necessário lançar um programa de reforma integral que procure melhorar essas áreas. Uma forma de fazer isso pode ser iniciar com as inspeções, pois elas refletem bem a problemática de fiscalizar o setor regulado.

Uma reforma das inspeções precisaria introduzir ferramentas que ajudem a focar melhor os esforços e os recursos, além de priorizar uma fiscalização orientadora ao invés da abordagem meramente punitiva que tradicionalmente a caracteriza. Por exemplo, a introdução da análise de risco, de técnicas para identificar, gerir e comunicar o risco pode ajudar nesse processo. O objetivo é fazer das inspeções uma função do Estado que verdadeiramente contribua para alcançar objetivos das políticas regulatórias, além de facilitar o cumprimento das normas.

9. Introduzir um programa amplo de simplificação administrativa

Uma outra área que precisa de atenção rápida para melhorar a qualidade da regulação é a complexidade administrativa que resulta de regulações com excesso de requisitos, duplicadas, sem base em evidências e custosas para os regulados. Para atender parte desses problemas um programa de simplificação administrativa, com foco na eliminação de procedimentos e requisitos desnecessários e na redução do tempo e dos custos de conformidade para os regulados, é uma primeira linha de ação.

O programa de simplificação administrativa deve estar vinculado a avaliações ex post das regulações e a um amplo processo de simplificação das regulações existentes. Após a eliminação das normas que não cumprem mais seus objetivos, os normativos de um mesmo tema restantes devem ser consolidados de forma a se tornarem mais acessíveis aos regulados. O esforço de revisar regulações existentes pode servir a vários propósitos e, por isso, é necessário haver uma estratégia integrada para tornar essas intervenções eficientes.

10. Consolidar a implementação das agendas regulatórias

Uma forma de trazer informação e previsibilidade para o setor regulado sobre as possíveis futuras intervenções regulatórias é a preparação e publicação de agendas regulatórias. Esse instrumento já é usado no Brasil pelas Agências Reguladoras, mas precisa ser expandido para aqueles que ainda não estão familiarizados com o seu uso para garantir que todos os órgãos reguladores da administração federal preparem as suas agendas.

A preparação das agendas deve ser participativa e aberta. A participação de grupos afetados é necessária para se ter agendas que reflitam os interesses do regulador, do setor regulado e dos consumidores. Isso ajudará na implementação e cumprimento posterior, fortalecendo também o processo regulatório com a identificação de problemas que devem ser resolvidos e, assim, reduzindo intervenções aleatórias e sem planejamento.

Estabilidade macroeconômica: essencial para o investimento

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O principal problema da economia brasileira é seu baixo crescimento. Afinal, sem crescimento econômico torna-se difícil reduzir o número de pessoas que vive abaixo da linha de pobreza e garantir condições dignas de vida para esse estrato da população. O fraco desempenho da economia brasileira não é um fenômeno recente: entre 1980 e 2019, o PIB per capita brasileiro cresceu, em média, apenas 0,93% ao ano.

Esse baixo desempenho fica ainda mais explícito quando comparado com o de outras economias. Enquanto, entre 1980 e 2019, o crescimento do PIB per capita acumulado da economia brasileira foi de apenas 34%, o de outros países da América Latina foi de 74%; o dos EUA, 95%, sendo que o crescimento observado para o conjunto de países do Sudeste Asiático foi de 342%.

Para a recuperação do crescimento econômico do Brasil, é essencial promover condições que permitam a elevação expressiva da taxa de investimento, principalmente em inovação. É preciso colocar em prática uma agenda direcionada para o aumento da produtividade. No que concerne à política macroeconômica, é preciso prover estabilidade de preços, para não criar incertezas, nem provocar interrupções no crescimento, decorrentes das medidas de controle de demanda utilizadas para combater o desequilíbrio inflacionário.

Fundamentos macroeconômicos sólidos reduzem incertezas sobre o futuro e geram confiança para o investidor. A confiança de que a economia brasileira será mantida em bases sólidas, sem interferências que colocam sua estabilidade em risco, é essencial para a decisão de investimento.

Por isso, deve-se registrar a importância de manutenção e fortalecimento dos instrumentos que visam à estabilidade macroeconômica: regime de metas de inflação, mercado de câmbio flutuante e regras fiscais. Essas reformas foram determinantes para o saneamento das contas públicas e a eliminação do processo inflacionário, que alimentavam o processo de estagflação da nossa economia até a década de 1990.

Este documento apresenta propostas para garantir a estabilidade macroeconômica necessária para que as empresas tomem decisões de médio e longo prazo, como investimentos. Para alcançar esse objetivo, é necessário promover o equilíbrio fiscal, com fortalecimento dos mecanismos de controle dos gastos públicos, e preservar o regime de metas de inflação e câmbio flutuante.

Crescimento econômico no Brasil e no mundo

O problema central da economia brasileira é que ela cresce muito pouco. Sem crescimento, torna-se difícil reduzir a pobreza e garantir condições mínimas de vida para a maioria da população.

O baixo crescimento não é um fenômeno recente ou cíclico. Nos últimos 40 anos: o PIB per capita, entre 1980 e 2019, evoluiu no ritmo médio de apenas 0,93% ao ano1. Esse crescimento é baixo, na comparação com o resto do mundo. Até mesmo os nossos vizinhos se saíram melhor: nos outros países da América Latina, o PIB per capita cresceu 74% em termos reais entre 1980 e 2019, enquanto, no Brasil, a alta foi de apenas 34%.

É preciso ainda ressaltar que o Brasil cresceu menos que os Estados Unidos e que a média da OCDE. Isso significa que, em vez de convergir para o padrão de renda dos países mais desenvolvidos, o Brasil está ficando relativamente mais pobre. Situação muito distinta da vivida pelos países do Sudeste Asiático, que, com crescimento acelerado, caminham em direção à renda per capita dos países mais desenvolvidos.

Não é surpreendente, portanto, que a grande redução de pobreza no mundo, nos últimos 50 anos, tenha ocorrido justamente no Sudeste Asiático, mais especificamente na China. De acordo com relatório da consultoria McKinsey (2018) sobre 18 países que tiveram desempenho econômico extraordinário nas últimas décadas, estas economias tiraram mais de um bilhão de pessoas da extrema pobreza entre 1990 e 2013: 731 milhões na China, 168 milhões na Índia e 158 milhões nos outros 16 países.

De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI)3, entre 1980 e 2020, a média anual da taxa de crescimento real do PIB dos países pertencentes ao G7 variou entre 0,91% e 2,48%: Alemanha (1,55%); Canadá (2,21%); EUA (2,48%); França (1,58%); Itália (0,91%); Japão (1,72%) e Reino Unido (1,84%). Esses dados podem sinalizar que o desenvolvimento econômico não é uma questão de rápido crescimento. Taxas moderadas, sustentadas por instituições econômicas e políticas que facilitem o surgimento de inovações e soluções para choques adversos, podem levar a um melhor desempenho no longo prazo.

Enquanto, entre 1980 e 2019, os países de alta renda e de renda média (segundo classificação do Banco Mundial) tiveram, em média, 3 anos de crescimento negativo do PIB per capita, o Brasil seguiu o padrão dos países pobres e dos vizinhos latino- americanos, com 14 anos de variação negativa do PIB per capita.

Nós não apenas temos mais recessões do que nos países avançados; aqui elas também são mais intensas: enquanto a queda média do PIB per capita em uma recessão de país de renda alta é de -1,7%, a nossa é de -2,6%. Note-se que, nos anos positivos, conseguimos até crescer mais que os países de alta renda (2,8% contra 2%), porém isso é mais do que compensado pela maior incidência e intensidade das nossas recessões.

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Por que crescemos pouco?

Uma condição necessária para que uma economia seja capaz de crescer de forma persistente é que ela tenha capacidade para ofertar bens e serviços em quantidades sempre crescentes. Flutuações da demanda para baixo podem até fazer o crescimento de um determinado ano ser menor (com parte da capacidade de oferta ficando ociosa). Mas desde que haja capacidade de expansão da oferta, uma recuperação da demanda poderá ser prontamente atendida.

Por outro lado, em uma economia com restrições para expandir a oferta, choques positivos de demanda levam à inflação e não ao crescimento econômico, representando a perda de oportunidade de crescimento. Isso ocorre pois há mais agentes no mercado dispostos a comprar os produtos e serviços, enquanto a quantidade disponível permanece a mesma, levando a uma competição dos compradores, que passam a oferecer preços maiores para ter acesso aos bens e serviços desejados.

Logo, para ter condições de crescer no longo prazo, uma economia precisa ter capacidade para produzir e ofertar quantidades crescentes de bens e serviços.

A capacidade de expandir a oferta é resultante não só da disponibilidade de fatores de produção (trabalho, capital e recursos naturais), como também da eficiência como esses fatores são utilizados no processo produtivo (a chamada “produtividade total dos fatores”).

Os fatores de produção são capital, representado pelas máquinas e equipamentos empregados no processo produtivo e trabalho, representado pela disponibilidade de trabalhadores, e recursos naturais (terra e minerais, por exemplo), disponíveis para agricultura pecuária e mineração.

Assim, o crescimento da produção depende do crescimento da oferta de fatores de produção e/ou da produtividade desses fatores. Como há restrições à expansão da quantidade de fatores de produção, a saída mais promissora para a aceleração do crescimento está em melhorar a produtividade da economia. Ainda assim, é importante analisar a questão do crescimento dos fatores de produção, em especial no que tange ao capital e ao trabalho.

Estoque de capital

O estoque de capital cresce mediante o investimento na compra de máquinas e equipamentos pelas empresas. É a chamada “formação bruta de capital fixo”.

Para que as empresas invistam em máquinas e equipamentos, elas precisam ou usar o lucro retido em seus balanços, ou tomar dinheiro emprestado (no mercado financeiro ou de capitais) ou, ainda, serem capitalizadas pela entrada de novos sócios no negócio.

Todos esses recursos representam a alocação de poupança (das empresas ou das famílias) no investimento em capital fixo. Por isso, a taxa de poupança de uma economia é o combustível fundamental para que ela tenha condições de financiar a expansão do estoque de capital.

No conceito usado nas contas nacionais agregadas, a poupança das famílias e das empresas aparece sob o título de “poupança das famílias”. A ela se somam a poupança do governo (superávit do governo) e a poupança externa (representada pelo déficit em transações correntes no Balanço de Pagamentos). Países em que as famílias poupam mais dispõem de mais recursos disponíveis para financiar a expansão do estoque de capital produtivo. Por outro lado, países em que o setor público é cronicamente deficitário têm menos poupança disponível para financiar a formação bruta de capital fixo, caracterizando o chamado efeito “crowding out” – em vez de financiar o investimento privado, a poupança das famílias acaba sendo usada para financiar o déficit do governo.

A poupança externa pode ser uma saída para países com baixa poupança interna (famílias, empresas e governo). Porém, ao se endividar em moeda estrangeira, um país que não emite moeda de curso internacional, como o Brasil, precisa gerar divisas internacionais para pagar seus compromissos. Do contrário, correrá o risco de entrar em uma crise de balanço de pagamentos (escassez de dólares ou outras divisas internacionais para pagar seus compromissos externos). Dada essa limitação ao uso da poupança externa, a poupança interna mantém um papel fundamental no financiamento do investimento.

O setor público brasileiro é cronicamente deficitário. Logo, nosso desequilíbrio fiscal drena poupança que poderia ser usada na expansão do crescimento da capacidade de oferta de bens e serviços.

Por outro lado, a poupança das famílias é baixa. Em um conjunto de 164 países para os quais há dados disponíveis, o Brasil está em 123º. em termos de poupança doméstica bruta, proporcionalmente ao PIB.

As razões da nossa baixa poupança doméstica são diversas. Porém, cabe registrar que a questão fiscal tem dois elementos que podem ser determinantes. Em primeiro lugar, O déficit (poupança negativa) do setor público diminui a poupança agregada de famílias e governo.

Em segundo lugar, o Brasil tem ampla rede de proteção social, com transferência de renda e sistemas de aposentadoria com valores muito acima do padrão internacional, o que reduz a propensão da população a poupar, pois ela já conta com um seguro provido pelo Estado.

Em contraste, nos países com menor rede de proteção social, como a China, os indivíduos tendem a fazer elevada poupança precaucional para lidar com a esperada queda de renda na velhice e com os imprevistos e despesas médicas.

Na soma de três funções — proteção social, saúde e educação—, o Brasil gasta bem mais, proporcionalmente ao PIB, do que os demais grupos de países. Nossa maior diferença é na proteção social, não apenas devido à Previdência Social, mas também por termos políticas sociais de alto custo, como o Benefício de Prestação Continuada – (BPC) e o seguro-desemprego.

Na educação e na saúde, gastamos em linha com os países do G-20 e mais que os países emergentes. Deve-se ressaltar que o número brasileiro está subestimado, pois a maior parte dos nossos gastos em saúde e educação é feita por estados e municípios.

Ainda que esse padrão de gasto não seja passível de rápida reversão, é importante que sua redução seja buscada. Um longo processo de melhoria na qualidade e eficácia do gasto social, com esforço de focalização da atenção pública aos mais pobres, seria capaz de gerar, ao mesmo tempo, redução do déficit público e aumento do incentivo à poupança das famílias. A racionalização dos gastos sociais também contribuiria para a diminuição da despesa pública corrente, abrindo espaço para a elevação do investimento público.

O resultado seria um aumento da poupança pública, pela redução do déficit governamental, e maior estímulo à poupança das famílias. No curto prazo, contudo, não se pode esperar uma mudança substancial na propensão a poupar da população. Portanto, não há como esperar um aumento permanente da taxa de investimento, financiado por aumento da poupança das famílias.

De modo geral, fica claro que não basta uma decisão voluntarista de aumentar investimentos para acelerar o crescimento. Governos que tentem acelerar o crescimento por meio de investimento público direto, acabarão consumindo a poupança disponível na economia, e reduzirão a poupança restante para financiar o investimento do setor privado, gerando assim maior substituição de investimentos privados por públicos do que aumento no investimento total.

Incentivos para que empresas tomem empréstimos externos para financiar investimentos, por sua vez, podem levar à vulnerabilidade do balanço de pagamentos que, em caso de crise, derrubará a economia mais à frente, como bem ilustra a história econômica brasileira dos anos 1980.

Há, portanto, significativa limitação para um aumento sustentado da taxa de investimentos no país e para a consequente expansão do estoque de capital fixo. Para que ela ocorra de forma sustentável, são necessárias reformas fiscais que reduzam o déficit público e abram espaço para o investimento público em infraestrutura.

Força de trabalho

O aumento da força de trabalho disponível seria o segundo caminho para se ampliar o potencial de produção da nossa economia. Em períodos de recessão, observa-se alta taxa de desemprego, o que cria a impressão de que a mão de obra (ou o fator trabalho) não é escassa no país. Contudo, estamos falando aqui em ter a capacidade de colocar trabalhadores suficientes no processo produtivo durante longos períodos de expansão, de modo que não falte mão de obra mesmo frente ao um (desejado) longo período de crescimento.

Nessa perspectiva, é limitada a capacidade do Brasil para agregar mais trabalhadores a um processo produtivo com crescimento pujante e duradouro.

Trata-se de uma questão demográfica. A taxa de fertilidade, que era de 6,3 filhos por mulher, em 1960, caiu rapidamente nas décadas seguintes, atingindo os atuais 1,57. O percentual da população em idade de trabalhar está parando de aumentar e começará a se reduzir em breve.

Isso significa que não temos como promover um crescimento acelerado e persistente baseado em um processo produtivo intensivo em mão de obra. Alguns poucos anos de expansão nos levariam à escassez de mão de obra.

Capital humano

O nível e a qualidade da educação formal da população são essenciais para que tenhamos trabalhadores mais produtivos. O Brasil, contudo, não tem conseguido transformar o aumento dos anos médios de estudo de sua população em maior produtividade dos trabalhadores.

Em países como Chile, China, Coreia e Malásia, o aumento da escolaridade da população está correlacionado com o aumento do PIB por trabalhador (a chamada produtividade do trabalho). Já no caso brasileiro, temos uma linha praticamente horizontal: o número médio de anos de estudo cresceu, mas a produtividade do trabalho ficou estagnada. A despeito de forte crescimento do gasto público em educação, a produtividade do trabalhador brasileiro não cresceu proporcionalmente, em contraste com outros países que conseguiram fazer com que mais gasto em educação resultasse em maior produtividade.

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Produtividade

Frente às restrições ao crescimento dos fatores de produção, resta avaliar as possibilidades de aumento da produtividade. Ela é importante para qualquer país que almeje crescimento persistente, pois permite que os estoques de capital e de trabalho produzam cada vez mais bens e serviços.

Ao permitir a constante expansão da capacidade de produção de um dado conjunto de estoque de capital, mão de obra e recursos naturais, a produtividade amplia a possibilidade de geração de produção e renda sem necessidade de expansões adicionais dos fatores de produção. Esse aumento de renda permitirá o acúmulo de mais poupança, facilitando mais investimentos à frente, bem como o financiamento de medidas que levem a novos aumentos da produtividade (como ampliação da educação, por exemplo). Cria-se um círculo virtuoso.

Aumento de produtividade é elemento central da explicação do bom desempenho de todos os países que lograram longos períodos de crescimento. Esse fator é ainda mais importante para o Brasil, por conta das dificuldades enfrentadas para aumentar o investimento, da redução da população com idade para trabalhar e das limitações à expansão da fronteira agrícola e à extração mineral.

Aumento de produtividade não deve ser tomado como sinônimo de progresso técnico nos processos produtivos industriais. Eles podem ocorrer em todos os segmentos produtivos, e no setor público e privado. Representam aumento de produtividade, por exemplo, a redução do tempo que uma empresa gasta para pagar impostos, a redução de obras públicas inacabadas, a maior eficácia do processo educacional, a redução no número e duração dos cortes de energia ou opções de transporte que barateiem custos de frete.

São múltiplos os determinantes do crescimento da produtividade9, e não há “frutas fáceis de colher” nesse processo. Com se verá a seguir, há um papel central da melhoria das políticas públicas e de reformas institucionais.

Investimento em inovação

Também não temos sido bem-sucedidos em políticas de ciência e tecnologia. Países com nível intermediário tecnologicamente, como o Brasil, podem acelerar seu crescimento por meio de inovações derivadas de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), mas também incorporando inovações já existentes, desenvolvidas nos países mais avançados. Quanto mais distantes da fronteira tecnológica, mais espaço há para absorver conhecimentos e técnicas já existentes e crescer. Já os países desenvolvidos, para continuar crescendo, têm a tarefa mais complexa de expandir a fronteira de inovação.

Inovação de fronteira requer muitos cientistas, centros tecnológicos, integração entre a pesquisa básica e a aplicada. P&D é uma atividade que exige o desenvolvimento de um ecossistema favorável à inovação e que, ainda assim, tem retorno incerto, o que demanda modelos de financiamento sofisticados, capazes de mitigar riscos, e alta capacidade de financiamento público.

O Brasil tem dificuldades para promover a inovação de fronteira, considerando, entre outros elementos, o quadro fiscal adverso e as restrições do mercado de crédito. No entanto, o fato de estarmos longe da fronteira tecnológica não limita a inovação como um todo. O país pode acelerar a incorporação de tecnologias já conhecidas no mundo desenvolvido, ou seja, pode acelerar a inovação.

Competitividade sistêmica

As empresas podem ter elevada produtividade, mas não serem competitivas no mercado internacional, devido à existência de custos sistêmicos, que encarecem o custo do bem. Estes são os determinantes sistêmicos da competitividade, que usualmente denominamos de Custo Brasil.

São fatores externos às empresas que fazem com que o custo de produção no Brasil seja mais elevado que na maioria dos demais países, sobretudo dos países desenvolvidos. Desse modo, o aumento da produtividade pode ser insuficiente para suplantar a falta de competitividade sistêmica e não resultar em crescimento da

Os fatores sistêmicos também afetam a competitividade, ao desviar recursos produtivos para atividades não produtivas. Esse é o efeito do excesso de burocracia, por exemplo. Um terceiro efeito é comportamental. Quando os agentes econômicos percebem que suas ações serão ineficazes, eles – empresas e trabalhadores – deixam de perseguir o aumento da produtividade.

Os agentes também podem ser induzidos a um comportamento contrário ao aumento da produtividade, devido a políticas e normas equivocadas, tais como as que geram insegurança jurídica, desestimulam a meritocracia ou que promovem um excesso de proteção.

Desse modo, não apenas para estimular o aumento de produtividade – mas para que ele se consubstacie em aumento de competitividade das empresas – o Brasil precisa combater o Custo Brasil e criar um ambiente favorável aos negócios.

Para o Brasil reverter o quadro de baixo crescimento econômico, é preciso colocar em prática uma agenda direcionada para o aumento da competitividade, que busque o aumento da inovação, a educação para o mundo do trabalho, a melhoria da infraestrutura, a ampliação do acesso das empresas ao financiamento, a promoção da integração internacional do país, a reforma do sistema tributário, a melhoria da qualidade regulatória, o aumento da segurança jurídica, a modernização da legislação trabalhista e a proteção do meio ambiente com desenvolvimento econômico.

No que concerne à política macroeconômica, é preciso prover estabilidade de preços para não criar incertezas, nem provocar interrupções no crescimento, decorrentes das medidas de controle de demanda utilizadas para combater o desequilíbrio inflacionário.

Fundamentos macroeconômicos sólidos reduzem incertezas sobre o futuro e geram confiança para o investidor. A confiança de que a economia brasileira será mantida em bases sólidas, sem interferências que colocam sua estabilidade em risco, é essencial para a decisão de investimento.

O equilíbrio dos gastos públicos e a estabilidade de preços são condições fundamentais para processos de crescimento sustentáveis. É essencial controlar a trajetória da dívida pública brasileira, para garantir a estabilidade econômica nos médio e longo prazos.

PROPOSTAS

1. Manter a busca pelo equilíbrio fiscal.

2. Reduzir a rigidez orçamentária, para que haja espaço para que o governo federal possa realizar mais investimentos.

3. Preservar e fortalecer as regras fiscais, tais como o teto de gastos e a lei de responsabilidade fiscal, para coibir a tendência de gastos excessivos por parte do poder público.

4. Manter o regime de metas de inflação.

5. Manter o regime de taxa de câmbio flutuante.

Saúde: agenda pós-pandemia

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A saúde é elemento fundamental para o bem-estar da população, para a competitividade das empresas, para a sustentabilidade do sistema previdenciário e para o desenvolvimento socioeconômico do país.

No Brasil, a assistência à saúde envolve o Sistema Único (SUS), público e universal, e a Saúde Suplementar – planos e seguros privados de assistência à saúde, que se complementam para atender à população brasileira.

Esses sistemas têm sido desafiados a aumentar sua eficiência e efetividade diante das diferenças regionais de acesso, do envelhecimento populacional, do crescimento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e do aumento dos custos.

A pandemia de Covid-19 reforçou alguns desses desafios. Foram evidenciadas as diferenças nos resultados de saúde entre regiões, estados e cidades e houve aceleração da transição demográfica brasileira, com expressiva redução da natalidade diante das incertezas trazidas pela pandemia.

Outra preocupação é a saúde de brasileiros em idade produtiva (20 a 59 anos), que – apesar de não ser foco de atenção específica – preocupa pela alta mortalidade, relacionada a violência e acidentes e pelo crescimento das DCNTs. A combinação desses fatores implica o aumento da sobrevida com incapacidades motoras, sensórias e cognitivas e coloca o país em primeiro lugar no ranking da OCDE de anos de vida potenciais perdidos.

Ao lado do financiamento à saúde, há uma escalada das despesas com saúde privada. As despesas privadas com saúde passaram de 4,4% para 5,8% do PIB entre 2008 e 2019, enquanto as despesas relacionadas ao SUS passaram de 3,6% para 3,8% do PIB no mesmo período.

Esse aumento no custo com a saúde privada é especialmente preocupante para a indústria, pois o setor industrial é responsável, parcial ou integralmente, pelo financiamento de 27% dos beneficiários de planos de saúde coletivos (10,8 milhões). Entre 2008 e 2021, o aumento de despesas com planos de saúde (513%) foi quatro vezes maior do que a inflação (124%) e tem elevado os custos de cuidados com trabalhadores das indústrias, sem a contrapartida da melhoria na qualidade e nos resultados.

A otimização do sistema de saúde requer uma abordagem multiprofissional, que envolva SUS e Saúde Suplementar na assistência integral de pacientes (integração entre níveis de atenção primária, secundária e terciária), promoção de saúde e prevenção de doenças; ações conjuntas com empresas, quando envolver trabalhadores; troca de informações baseada no indivíduo, para a integração entre níveis de atenção entre serviços públicos, de saúde do trabalhador e saúde suplementar; e inclusão das teletecnologias assistenciais como um dos pilares para a reorganização da cadeia de saúde.

Este documento apresenta propostas para o aprimoramento do sistema de saúde, de modo a torná-lo mais eficiente e adequado às necessidades da população. As recomendações estão estruturadas em quatro eixos.

O primeiro eixo é a atenção primária a saúde. Nele são apresentadas, entre outras, propostas para se criar uma matriz industrial de insumos para a saúde; para controle de patógenos nas fronteiras; para priorizar o cuidado primário com a saúde; e para promover o alinhamento entre o sistema público, a saúde suplementar e a saúde do trabalhador.

O segundo eixo apresenta propostas para regulamentar a telessaúde de modo a garantir, entre outros, maior acesso da população ao atendimento, melhoria na qualidade do cuidado, uso de teletecnologias assistenciais.

O terceiro eixo se destina às propostas de promoção da intercambialidade de dados para gestão de saúde populacional, com garantias à privacidade dos pacientes. A disponibilização dos dados com maior organização trará clareza aos contratantes da saúde suplementar sobre os custos do serviço contratado e permitirá uma melhor gestão da saúde.

O quarto eixo propõe a estruturação de um sistema de remuneração dos prestadores de serviços de saúde baseado em resultados (“payment for performance” ou “P4P”) – em substituição ao atual, baseado no número de procedimentos executados (“fee for service”).

A saúde é elemento fundamental para o bem-estar da população e para a competitividade das empresas. De acordo com pesquisa recente da CNI (2021), a saúde é o segundo mais indicado pelos brasileiros entre os três principais problemas do Brasil – mencionada por 41% dos entrevistados, atrás apenas do desemprego, mencionado por 51%. Na mesma pesquisa, a população aponta a melhoria dos serviços de saúde como a principal prioridade para atuação do governo, empatando tecnicamente em primeiro lugar com a geração de empregos.

No Brasil, a assistência à saúde envolve o Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição Federal de 1988 e de caráter público e universal, e o Sistema de Saúde Suplementar, que envolve a operação de planos e seguros privados de assistência à saúde.

Existem, ainda, iniciativas das empresas de cuidado com a saúde dos trabalhadores. Do ponto de vista das empresas, garantir a saúde dos trabalhadores é um aspecto importante de sua função social e, mais recentemente, tem sido considerado com um indicador de consciência social relevante para investidores que se pautam pela agenda ESG, voltada para a sustentabilidade ambiental, a consciência social e a governança.

Além disso, melhores indicadores de saúde estão diretamente relacionados aos níveis de satisfação e de produtividade dos trabalhadores. Por todas essas razões, o tema mantém uma correlação direta com o desenvolvimento econômico e social do país.

A fragmentação do cuidado e das informações, a dificuldade de acesso e o aumento exponencial dos custos em saúde são os principais desafios para essa agenda estratégica. O advento da pandemia da covid-19 reforçou a agenda e trouxe outros desafios.

A pandemia trouxe ainda à tona diferenças importantes dos indicadores epidemiológicos e de acesso à saúde entre países – e mesmo dentro dos países, entre estados e cidades. Essa desigualdade, que já existia previamente, se aprofundou. No caso brasileiro, há pontos relevantes a serem considerados: as diferenças regionais na consolidação da estratégia de saúde da família; a definição do papel da saúde suplementar no enfrentamento de crises sanitárias; e a cristalização da telessaúde para ampliar e melhorar a qualidade assistencial.

A pandemia também acentuou a transição demográfica no país, pois as famílias adiaram planos de ter filhos diante das incertezas de saúde e das incertezas econômicas, trazidas pela pandemia.

VJ Insights 19
(Fabio Teixeria/Anadolu/Getty Images)

O IMPACTO DA PANDEMIA PELA COVID-19

A mortalidade

A contabilização dos efeitos da pandemia tem sido aferida por vários indicadores como: o número de pessoas com diagnóstico clínico ou laboratorial de covid-19; o número – de indivíduos com comprovação laboratorial da infecção pelo coronavírus; a quantidade de hospitalizações e de mortes por covid-19; o excesso de mortes em geral, após o início da pandemia, se comparado a um período anterior.

O excesso de mortes tem sido priorizado porque avalia, não somente o efeito causado pela covid-19, como também as mortes por outras causas, decorrentes do esgotamento da capacidade instalada da rede hospitalar. Esse marcador tem sido amplamente utilizado para comparar países e, dentro dos países, estados ou cidades.

Em 2020, em todo o país, morreram 246.198 pessoas a mais do que a média entre 2015 e 2019. Em relação a 2021, o excesso do número de óbitos em relação a esse mesmo período foi de 415.821. O aumento de mortes, entre 2015 e 2019, entre um ano e o anterior variou entre 0,2% e 3,6%. No entanto, entre 2020 e 2019, o incremento foi de 15,3% e o de 2021, em relação a 2019, foi de 10,9%. O aumento de mortes comparativo – no período entre 2020 e 2021 em relação à média dos anos anteriores – foi de 25,3%.

No país como um todo, o excesso de mortalidade no período foi muito diferenciado entre as macrorregiões e os estados. Em 2020 – em relação à média de 2015-19 – ocorreram, em todo o país, 18,8% a mais de mortes, sendo que as macrorregiões tiveram valores muito distintos: Norte (32,6%), Centro-Oeste (24,6%), Nordeste (20%), Sudeste (18,1%) e Sul (10,8%). Entre os estados, houve variações expressivas, como, por exemplo, entre Roraima (45,8%) e o Rio Grande do Sul (6,9%).

Fato surpreendente em 2020 foi que, na análise de excesso de mortes por faixas de idade, observou-se a redução dos óbitos nas faixas etárias de zero até 19 anos, explicada pelas medidas de isolamento social. Esse fenômeno, observado em outros países, pode ser explicado pela redução da poluição atmosférica, pela menor transmissão de infecções virais, devido ao recesso escolar, e pela redução de causas externas, como acidentes automobilísticos, agressões e quedas.

A vacinação

A diferença entre os estados do país quanto ao excesso de mortalidade apresenta paralelismo com o esforço vacinal, tanto para as duas doses dos imunizantes como para a dose de reforço para a covid-19. A cobertura vacinal para a população acima dos cinco anos, para as duas doses, variou entre 85% em São Paulo e 47,7% no Amapá.

Todos os estados da região Norte, à exceção do Pará, apresentam as menores taxas de vacinação em suas populações. O destaque positivo para a vacinação é a cobertura vacinal, maior ou próxima, observada em estados com menor renda, como Piauí e Ceará, na comparação com Rio Grande do Sul e Paraná.

A transição demográfica

Outro aspecto ampliado pela pandemia foi a aceleração da transição demográfica, em função da aceleração na queda da taxa de natalidade, pois as famílias adiaram seus planos de ter filhos, diante das incertezas trazidas pela pandemia da covid-19.

O fenômeno da transição demográfica é caracterizado pela tendência de envelhecimento populacional, decorrente da redução das taxas de natalidade, da redução das taxas de mortalidade e do aumento da expectativa de vida, associados, entre outros fatores, ao desenvolvimento tecnológico e aos avanços da medicina.

No Brasil e no mundo, esse fenômeno acarreta mudanças importantes nos padrões de gastos públicos e privados. A maior proporção de indivíduos idosos na população tende a elevar os dispêndios com saúde, criando a necessidade de revisão das estruturas e dos modelos de assistência em vigor.

Outro fenômeno impressionante é a queda do número de nascidos vivos antes da pandemia, em torno de – 1,4% ao ano entre 2015 e 2019, com aumento para -4,2% entre 2019 e 2020 e redução semelhante entre 2020 e 2021: em torno de -4,3%. No período pré-pandemia, de 2015 até 2019, a redução de nascimentos acumulada foi de -5,6% em todo o país, com retração em todas as regiões: Sudeste (-7,8%), Sul (-5%), Nordeste (-4,9%), Centro-Oeste (-2,6%) e Norte (-2,3%).

Embora haja a possibilidade de recuperação proporcional da natalidade nos anos pós- pandemia – como ocorreu na 2a Guerra Mundial, no fenômeno conhecido como “baby boom” — até o momento, esse fenômeno somente foi descrito por países europeus nórdicos no caso da pandemia de covid-19.

Dados das Nações Unidas, sistematizados por Reis, Barbosa e Pimentel (2016), revelam que a parcela da população com idade acima de 60 anos tem crescido num ritmo acelerado no mundo, devendo ultrapassar, em 2050, o percentual de jovens até 14 anos. Considerando o Brasil, a estimativa é que essa transição ocorra já por volta de 2030.

Em 2025, a proporção de população acima dos 60 anos será diferente por macrorregiões: Sul (19,3%), Sudeste (18,5%), Centro-Oeste (14,1%), Nordeste (13,8%) e Norte (10%). Em contrapartida, a proporção de crianças e adolescentes também será distinta por macrorregiões: Norte (32,7%), Nordeste (28,9%), Centro- Oeste (26,5%), Sudeste (23,9%) e Sul (23,9%).

Se, em 1980, o país era classificado como jovem, atualmente é caracterizado como adulto, caminhando para se tornar um país idoso. Essa transição demográfica, que ocorreu de forma mais lenta nos países desenvolvidos, não se fez acompanhar por uma evolução compatível do PIB per capita brasileiro, que se mantém em um patamar muito inferior ao PIB per capita daqueles países. Assim, as pressões de demanda sobre o sistema de saúde no Brasil tendem a ser ainda maiores, considerando as restrições de renda per capita e as dificuldades do orçamento público.

Especificamente com relação ao Sistema de Saúde Suplementar no Brasil, estima-se que, devido ao rápido envelhecimento da população, os gastos assistenciais de pessoas com 60 anos ou mais passe de R$ 34,6 bilhões para R$ 78,2 bilhões entre 2014 e 2030, o que representa crescimento de 126,0%. Enquanto isso, os gastos das pessoas de 20 a 59 anos devem aumentar em torno de 28,8% no mesmo período. Assim, a faixa etária de mais de 60 anos, que representará 20,5% dos beneficiários em 2030, deverá passar a responder por 47,2% dos gastos totais nesse ano (REIS, 2016).

Essa mudança demográfica que se acelera tem impacto direto nos indicadores de saúde e no perfil epidemiológico2. Em resposta, é necessário fortalecer a Atenção Primária em Saúde (APS) como coordenadora do cuidado e aproveitar as possibilidades da telessaúde como estratégia para ampliar o acesso, melhorar a qualidade da atenção e facilitar a operação de planos de cuidado continuados.

Se é fato que o envelhecimento aumenta a carga de doenças crônicas e das incapacidades, pouca atenção se dá ao fato que de, entre os jovens do sexo masculino, a mortalidade por causa externa é crescente e totalmente prevenível, com impacto nos indicadores de esperança de vida a partir da adolescência.

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(Fabio Teixeira/Anadolu Agency/Getty Images)

PROPOSTAS

Atenção Primária à Saúde

A pandemia da covid 19 trouxe demandas para se evitarem novas epidemias e para controlar as infecções virais sazonais, como as provocadas pelo vírus da influenza e pelo vírus sincicial respiratório. Para tanto, impõem-se ações institucionais como:

1. Estabelecer formalmente a criação de matriz industrial de insumos para a saúde, principalmente para vacinas, envolvendo entes públicos e privados.

2. Estimular ações para o controle da entrada de novos patógenos em fronteiras, portos e aeroportos.

3. Reorganizar a relação entre os níveis de atenção à saúde, no âmbito do SUS, por meio de:

a) prioridade para a atenção primária;

b) promoção da sinergia entre o cuidado das empresas com a saúde do trabalhador e o setor da saúde público e privado, com ações combinadas tanto na atenção médica-odontológica como na promoção da saúde e prevenção de doenças;

c) atuação continuada das Unidades Básicas de Saúde com as empresas na sua área de abrangência e com horário compatível, independentemente do local de moradia do trabalhador;

d) articulação da APS na atenção à saúde pública e privada, tanto no que diz respeito às diretrizes e estratégias nacionais, quanto no intercâmbio de informações assistenciais, desenvolvimento de estudos e capacitação de recursos humanos;

e) promoção da prática da telessaúde para integrar os diferentes níveis de cuidados à saúde, para facilitar a operação das linhas de cuidados continuados e para aumentar o acesso à saúde;

f) adequação do modelo de assistência à saúde à transição demográfica em curso no país;

g) ativação de todos os sistemas de segurança alimentar, com prioridade para a gestante e crianças;

h) reativação do calendário vacinal na infância para reduzir a queda da cobertura vacinal para doenças já erradicadas e aquelas com incidência progressivamente menor;

i) aceleração da implantação de medidas previstas no Plano de Ações Estratégicas para Enfrentamento das Doenças e Agravos Não Transmissíveis no Brasil 2021-2030, em especial:

• adotar estratégias para aumentar a efetividade dos estímulos ao desenvolvimento de programas da saúde e prevenção de doenças crônicas não transmissíveis no setor da saúde suplementar;

• estabelecer parcerias com o setor privado, para o desenvolvimento de ações voltadas à promoção da saúde, saúde mental, segurança no trabalho e prevenção das DCNT para os trabalhadores e empregadores;

• apoiar a realização de estudos avaliativos sobre efetividade das ações e programas de promoção da saúde na APS, incluindo ações desenvolvidas para trabalhadores; e

• promover a implantação de vigilância de Dant integrada no país.

Telessaúde

4. Promover a pronta regulamentação, pelos órgãos do governo federal competentes, da telessaúde integrada no âmbito público e privado de modo a garantir:

a) melhoria na qualidade do cuidado, no acesso à saúde e na logística do Sistema de Saúde como um todo: público e privado;

b) abrangência não apenas concedida à assistência, mas também à educação, pesquisa, prevenção de doenças e agravos, promoção da saúde;

c) uso de teletecnologias assistenciais, e não apenas tecnologias de informação e comunicação;

d) acesso a todos, inclusive ao trabalhador regido por legislação trabalhista brasileira, em qualquer localidade, mesmo quando se encontra a trabalho no exterior – expatriado;

e) promoção da integração entre os diferentes níveis de cuidados em saúde e para facilitar a operação das linhas de cuidados continuados; e

f) Intercâmbio das informações assistenciais, independentemente da plataforma utilizada, para fins de gestão da cadeia de cuidados.

Intercambialidade de dados para gestão de saúde populacional

5. Otimizar a comunicação e o fluxo de informações oficiais entre operadoras, empresas contratantes e usuários, por meio da disponibilização e da integração de dados, de modo a melhorar a gestão da saúde populacional, sem comprometer a privacidade dos pacientes.

6. Determinar, mediante regulação da ANS, que as operadoras enviem às empresas contratantes um extrato mensal detalhado que lhes permita:

a) monitorar as condições de atenção à saúde;

b) planejar e avaliar sua atuação em favor da saúde do trabalhador;

c) analisar a gestão e a qualidade dos serviços oferecidos;

d) entender a forma de utilização dos planos de saúde;

e) selecionar prestadores de serviço;

f) pactuar iniciativas com os planos de saúde;

g) incentivar o uso mais racional do sistema; e

h) negociar reajustes.

7. Assegurar a vinculação de contas médicas por procedimento. Informações sobre honorários e materiais cirúrgicos, por exemplo, devem ser apresentadas de forma agrupada para cada um dos procedimentos executados.

8. Garantir que a ANS divulgue indicadores de efetividade da gestão de saúde das operadoras, facilitando a seleção daquelas que apresentem melhores resultados.

9. Assegurar que as operadoras disponibilizem para as empresas contratantes dados coletivos consolidados sobre o uso de procedimentos de saúde e sobre seus prestadores de serviço.

Modelo de Remuneração na Saúde Suplementar

10. Estruturar um sistema de remuneração dos prestadores de serviços de saúde baseado em resultados (“payment for performance” ou “P4P”) – e não no número de procedimentos executados (“fee for service”).

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