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Tragédia em unidade do Carrefour é retrato da falta de gestão de riscos

Multinacional francesa acumula histórico de má-gestão de riscos; na última quinta-feira 19, um homem foi espancado até a morte em uma unidade da rede

Por Felipe Mendes, Victor Irajá Atualizado em 20 nov 2020, 15h26 - Publicado em 20 nov 2020, 14h57

Para quem acordou com a dura notícia da morte por espancamento de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, nas dependências de um supermercado Carrefour, o slogan da multinacional francesa parece incoerente. “Todos merecem o melhor”, defende a rede. Na prática, o histórico recente de casos policiais nas dependências de unidades da rede se contrapõe ao discurso. Menos de um ano após o linchamento que culminou na morte de um cão que gerou indignação e protestos pelo Brasil, Freitas, um cliente, foi espancado na noite desta quinta-feira, 19, por dois homens brancos em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, até ficar sem vida. No chão, os rastros de sangue da tragédia. A reação dos homens, às vésperas do feriado de Consciência Negra, teria sido motivada por uma discussão entre o homem e uma funcionária do estabelecimento. Os dois agressores, um policial militar e um segurança do mercado, foram presos em flagrante. No vídeo divulgado por testemunhas do evento lamentável e desumano, ainda é possível notar que funcionários do espaço tentam impedir o registro.

Desde 2007, a rede virou alvo de pelo menos quatro processos envolvendo escândalos públicos, como episódios de racismo e homofobia. Ela também responde pela execução de um homem, por humilhação pública contra empregados e até mesmo violência infantil. Procurado por VEJA, o Carrefour se posicionou por meio de nota. “Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais”, diz o comunicado. A empresa se comprometeu a reverter todo seu faturamento desta sexta-feira, 20, para projetos de combate ao racismo no país. “Essa quantia, obviamente, não reduz a perda irreparável de uma vida, mas é um esforço para que isso não se repita.” 

REVOLTA – Cartaz de protesto no Carrefour de Osasco: a morte do cachorro Manchinha (ao lado) gerou mobilização por um boicote ao hipermercado (Guilherme Rodrigues/Futura Press)

O caso trouxe impacto imediato às ações da empresa listada na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. No começo do dia, o papel já caía mais de 1%. A principal concorrente na listagem, o Pão de Açúcar, subia mais de 2,6% no mesmo momento. Por volta das 14h20, no entanto, a ação do Carrefour já havia se recuperado, com alta de 0,9%. O novo episódio de violência tem efeitos a reputação da marca e na gestão de imagem, com impactos imediatos e no longo prazo para a empresa. A nota emitida pelo Carrefour não reverteu o impacto perante à opinião pública — na verdade, provocou o efeito contrário. Em busca de apresentar uma postura mais firme, a companhia anunciou que, no sábado, dia 21, todas as unidades do grupo no país abrirão duas horas mais tarde. Nesse período, os funcionários e prestadores de serviço dos espaços irão refletir sobre o ocorrido e rever normas de segurança da empresa. O Carrefour afirmou ainda que a unidade do bairro Passo D’Areia, onde ocorreu o espancamento de Freitas, ficará fechada temporariamente.

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No último dia 14 de agosto, o mercado protagonizou outro episódio de descaso. Um promotor de vendas do Carrefour morreu enquanto trabalhava numa unidade da empresa em Recife, capital de Pernambuco. Ao invés de a loja ser fechada, o corpo de Moisés Santos, de 53 anos, foi coberto com guarda-sóis e cercado por caixas para escondê-lo. O supermercado foi mantido em funcionamento por quatro horas, até a chegada do Instituto Médico Legal, o IML, para retirar o corpo do local. Segundo o grupo, ele foi vitima de um ataque cardíaco. À época, o grupo afirmou, em nota, que “seguiu todos os protocolos durante o socorro e após o falecimento”. Mas, diante da péssima repercussão, a rede voltou atrás e pediu desculpas. “A empresa errou ao não fechar a loja imediatamente após o ocorrido à espera do serviço funerário, bem como não encontrou a forma correta de proteger o corpo do Sr. Moisés.”

Em 2019, a juíza Ivana Meller Santana, da 5ª Vara do Trabalho de Osasco, em São Paulo, condenou o Carrefour por controlar a ida de funcionários ao banheiro em Osasco, em São Paulo, proibindo que o grupo fiscalizasse um direito básico. A rede de supermercados recorreu. No ano anterior, o grupo esteve no cerne de outro crime. Um segurança da rede, também na cidade de Osasco, desferiu golpes contra um vira-lata, o Manchinha, ocasionando na morte do cachorro. Para especialistas, os seguidos incidentes denotam uma condução da gestão de riscos errática. “Existe um amadorismo muito grande em relação à gestão de riscos no Brasil. Não existe plano de ação na maioria das empresas. Elas hoje falam muito em gestão de crise, em investir em relações públicas para mitigar os impactos negativos, mas pouco em como prevenir que se chegue a isso. Essa visão precisa ser mudada”, diz Patricia Teixeira, diretora da consultoria We Plan Before.

Para Denise Paiero, especialista em gestão de crise e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a repetição de episódios trágicos levanta uma suspeição sobre a condução da gestão da companhia no país. “O mundo está atento quanto à questão do racismo. Os funcionários tirarem a vida de alguém é uma das piores coisas para a imagem. Colocar essa culpa em um prestador de serviços terceirizado, demiti-lo e achar que está tudo resolvido é um erro”, aponta ela. “Essa série de problemas mostra que, após cada uma das crises, nada está sendo feito internamente. O erro é dos funcionários ou existe um problema de gestão?” Esse questionamento precisa ser respondido pela empresa.

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