Startup recebe R$ 120 mi para ser um ‘Robinhood’ e o terror de corretoras
Nos Estados Unidos, aplicativo que zerou taxas de corretagem atraiu mais de 30 milhões de investidores num jogo arriscado de especulação
Em meio à corrida das pessoas às bolsas de valores, um aplicativo está revolucionando o mercado nos Estados Unidos, principalmente entre os jovens conhecidos como millennials. Chamada de ‘Robinhood’ e com o slogan “investindo para todos”, a startup permite aos usuários comprar e vender frações minúsculas de ações a preços irrisórios, sem cobrar taxas, além de tomar crédito. Com informações superficiais sobre o mercado e uma interface de simples uso, ele é menos sofisticado que outras plataformas de investimento, mas decifra para os leigos o complicado mercado de ações, com um detalhe bastante atrativo: de graça e sem valor mínimo de aplicação. Fundada em 2013, por Vladimir Tenev, na Califórnia, a empresa vem crescendo ano a ano. Já são 13 milhões de contas ativas, sendo que 3 milhões de novos clientes foram conquistados só na pandemia, número superior ao das quatro maiores corretoras de varejo dos Estados Unidos juntas. Na semana passada, o Robinhood recebeu um aporte de 320 milhões de dólares em uma rodada de investimentos da série F, de investidores como TSG Consumer Partners e IVP, o que aumentou sua avaliação para 8,6 bilhões de dólares. Esse crescimento incomodou. No ano passado, por exemplo, para concorrer com o Robinhood, a Charles Schwab, maior corretora de varejo dos Estados Unidos, baixou pela primeira vez para zero taxas de aplicações que antes custavam 4,95 dólares por operação. Agora, na pandemia do novo coronavírus, o Robinhood encontrou um momento perfeito para expandir ainda mais suas atividades. A diferença é que, por lá, só o Robinhood permite fazer o chamado “day trade” (“transação diária”, em tradução livre), sem custos e sem limites. Essa prática é bastante questionável pelos especialistas, porque pode induzir a uma perda fácil de dinheiro. Um estudo realizado pela FGV em parceira com a CVM e que analisou dados entre 2012 e 2017 mostrou que de 19,6 mil pessoas que operaram com day trade no período, mais de 90% desistiu após 300 pregões. Dos que persistiram, 91% tiveram prejuízo. “O modelo da Robinhood não é ilegal, mas a gente sempre fala que o ruim de você abrir para pessoa física é que você precisa ser profissional, precisa entender o mercado e os riscos”, diz Bruna Allermann, economista que atua há mais de 10 anos no mercado de crédito e investimentos no Brasil e nos Estados e diretora da Lightstone Group. Agora, para o desespero dos bancos e corretoras, a novidade está chegando no Brasil por meio de uma plataforma que já causou alvoroço ao integrar inteligência artificial para tirar os gestores da equação: a Warren.
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Clique e AssineA fintech gaúcha Warren, que usa o slogan “Sem Conflito de Interesse”, foi fundada há três anos por Marcelo Maisonnave e Tito Gusmão, ex-sócios da XP. A companhia alega que é imparcial por não oferecer aos agentes de investimento uma porcentagem sobre o investimento de seus clientes. Pessoas ouvidas pela reportagem falaram que esse teria sido inclusive, o motivo que levou os fundadores a se afastarem da XP Investimentos. Recentemente, o Banco Itaú trouxe a discussão à tona em uma polêmica propaganda que gerou uma briga entre o Banco e a XP. “A indústria toda funciona com comissão em cima de produto, e aí oferece o produto que mais convém a ela. O Itaú conflitou a XP, mas ambos funcionam nesse modelo”, diz a VEJA Tito Gusmão, co-fundador e CEO da Warren. Gusmão fundou a empresa há três anos com Marcelo Maissonave, também ex-sócio da XP, com o objetivo de oferecer a preços acessíveis e por meio de tecnologia o chamado “wealth management”, a gestão personalizada de patrimônio utilizada por pessoas e empresas de altíssimo capital. A plataforma cobra uma porcentagem de 0,5% ao ano sobre o valor investido e traça automaticamente o perfil do usuário por meio de um questionário de perguntas e respostas preenchido pelo cliente para lhe indicar os melhores investimentos. Esse modelo foi possível porque uma resolução da CVM permitiu que a partir de 2016 as gestoras de carteiras possam distribuir cotas de seus próprios fundos de investimento. Dessa forma, a empresa oferece cotas de seus fundos.
Assim como outras corretoras de investimento, a empresa vem crescendo na crise e chegou a 140 mil usuários, quase o dobro do final do ano passado, e saltou de 500 milhões de reais para 2 bilhões geridos. Mês passado, lançou uma outra frente e, em vez de oferecer apenas pacotes de investimento, abriu uma frente de corretora, na qual o usuário pode fazer sua própria análise e comprar e vender ações. Em fase beta, o aplicativo já tem uma fila de espera de 60 mil pessoas e deve terminar de implementá-las até o final de agosto. Assim como o Robinhood, a plataforma tem custo zero de corretagem e, caso o usuário queira funcionalidades mais desenvolvidas, deve pagar uma taxa de assinatura. Coincidentemente, no começo do negócio os primeiros investidores da Warren foram a Ribbit, atual investidora do Robinhood. Outra semelhança as une: assim como a americana, a Warren recebeu um aporte milionário recentemente, de 120 milhões de reais, do fundo de venture capital americano QED.
As analogias entre uma e outra param por aí. Isso porque a linguagem que o aplicativo Robinhood usa remete a jogos de cassinos. No site, as ações são mostradas em cartas de baralho e, segundo usuários, a cada vez que alguém ganha dinheiro com uma ação, uma chuva de confetes cai na tela do celular. A cultura de apostas é uma prática bastante comum nos Estados Unidos, onde os jogos são legalizados, e na pandemia diversas atividades esportivas foram suspensas. Com falta de opções para jogar e com tempo de sobra em casa devido ao isolamento social, as pessoas viram no aplicativo um prato cheio para passar o tempo e tentar ganhar dinheiro fácil. Problemas sérios ocorreram, contudo, como um suicídio no mês passado do jovem Kearns, de 20 anos, ao ver seu saldo negativo em 730 mil dólares. O ambiente regulatório, contudo, impede que a Warren emule o Robinhood completamente. Isso se explica pelo diferente ambiente de negócios americano e o brasileiro. Em primeiro lugar, aqui os jogos de apostas são permitidos apenas no âmbito da loteria federal e os famosos jogos do bicho, por exemplo, acontecem à revelia da lei. Dessa forma, a Warren, bem como outras brasileiras que se aventurarem nesse ramo, não poderão ter esse apelo de jogos de cassino. Além disso, enquanto mais de 50% dos americanos investem em bolsa, no Brasil o número não passa de 1%. “Acredito que essa explosão não vai acontecer no curto prazo. Os brasileiros ainda estão aprendendo a investir na bolsa e os influencers financeiros estão ensinando bem a poupar e a segurar os investimentos por um tempo”, diz a economista Bruna.
É verdade que no Brasil essas promessas são duramente regulamentadas por órgãos como a CVM, mas muitas corretoras estão tentando conseguir investidores com discursos agressivos e promessas de ganhos milagrosos. Além disso, os Estados Unidos possuem mais de uma bolsa de valores, diferentemente do Brasil, o que permite que empresas fazem o meio de campo entre a bolsa de valores e os clientes ganham uma porcentagem sobre o “flow”, a transferência de ações entre compradores e vendedores. O Robinhood, por exemplo, também ganha dinheiro fazendo transações com essas empresas. Independentemente da forma como esse tipo de negócio crescerá aqui, uma coisa é fato: esse modelo está desembarcando no país, impulsionado por fortes investidores internacionais. Certamente os bancos, já confrontados pelo crescimento de corretoras como a XP, ficarão incomodados. Dessa vez, no entanto, as próprias corretoras serão impactadas porque a Warren expõe o seu modelo de negócios e, propondo taxas gratuitas, pode fisgar seus clientes. É um filhote que já cresce querendo enfrentar cachorros grandes. O tempo dirá se eles crescerão fortes e conseguirão o território de seus graúdos concorrentes.