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Secretário da Receita defende tributária: ‘aproxima Brasil da OCDE’

Em entrevista a VEJA, José Tostes refuta as críticas de que reforma afastará investimento do país e aumentará a carga tributária

Por Larissa Quintino, Victor Irajá 2 jul 2021, 14h32

José Barroso Tostes Neto é um homem de fala calma. Com um tom de voz quase invariável, o secretário da Receita Federal do Ministério da Economia falou a VEJA sobre a segunda etapa da reforma tributária, apresentada pelo governo para modificar a cobrança do Imposto de Renda, e que recebeu muitas críticas por boa parte de tributaristas e do mercado financeiro. Técnico, ele substituiu o ex-secretário Marcos Cintra, depois de as pressões em torno da criação de uma nova CPMF tornarem inviável a permanência do forte defensor do imposto sobre transações financeiras.

Tostes foi superintendente da Receita Federal e secretário da Fazenda do Pará. Também ocupou os cargos de consultor no Fundo Monetário internacional, o FMI, e no Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID. Mas o aspecto político pesou na consolidação da reforma tributária. Como aborda VEJA em edição desta semana, a proposta é vista como nociva para a classe média, para as empresas e investidores. Na entrevista, porém, Tostes refuta a tese de que a reforma provocará aumento de impostos e diz que aproxima o Brasil das principais economias do mundo, do grupo da OCDE — algo que o governo prova por meio de uma tabela que considera apenas a tributação de renda de empresas e de dividendos, sem contabilizar junto os altos impostos que o governo brasileiro impõe sobre o consumo e salários.

Há uma avaliação de que a tributação de dividendos pode causar a fuga de investimentos no Brasil, já que haverá um aumento de carga tributária, ao se somar os encargos de pessoa física e jurídica. Como a Receita avalia esse ponto? Você pode tributar apenas a pessoa jurídica e isentar a pessoa física ou sobreonerar a pessoa física em detrimento da empresa. Optamos pelo meio termo, dividir a tributação entre os dois. Entendemos que a distribuição da carga tributária é mais adequada, dá um tratamento mais equânime entre os rendimentos de capital e outros tipos de rendimento. Ao longo desse período de 26 anos (em que os dividendos ficaram isentos de impostos), criou-se uma sensação de injustiça. Tributamos rendimentos de outras naturezas e isentamos os dividendos? O argumento de que a tributação da pessoa física vai causar o aumento de carga para as empresas não é verdade. São ônus diferentes, mas, mesmo se formos comparar os conjuntos dos tributos, o Brasil está se aproximando dos padrões da maioria dos países da OCDE. Antes dessa aprovação, estamos distantes. 

Então, a Receita não concorda com a visão de que isso pode causar perda de investimento e saída de empresas do país? Assim como tem havido críticas, recebemos manifestações positivas. Discordamos da avaliação de que as mudanças provocarão o afastamento de investimentos, muito pelo contrário. Ao diminuir a carga para as empresas, damos a possibilidade para que se invista no próprio negócio, graças a um encargo tributário menor. Se ela não distribuir o dividendo, o ganho pode ser até maior. Então, de certo modo, trata-se de uma medida que pode provocar uma redução na distribuição de dividendos, resultando em uma maior capitalização da empresa e uma redução da renda na pessoa física do sócio. Gera o estímulo de reinvestir no próprio negócio.

Há especialistas que levantam a possibilidade de um aumento de endividamento das empresas com o fim da isenção sobre dividendos e a dedutibilidade de juros do capital próprio. Essa hipótese é considerada? A isenção dos dividendos, bem como a isenção dos juros sobre capital próprio, não gerou nenhum tipo de redução de endividamento no mercado de crédito. Não é a fonte principal para a expansão da atividade produtiva. Não houve redução do endividamento a partir das isenções. 

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Além da questão das deduções, outra crítica é sobre o limite de renda para uso da declaração com o desconto simplificado, que limita o uso do mecanismo para quem tem renda ate 40.000 reais ao ano, cerca de 3.000 no mês. Por que fazer essa limitação?
Antes de tudo, é importante esclarecer que o desconto simplificado não é um benefício. Ele foi colocado como um mecanismo para facilitar a declaração, no tempo que ela era feita em papel. Como havia o cálculo manual e a necessidade de manuseio de muitos documentos, facilitava esse preenchimento para pessoas de menor faixa de renda, que normalmente teriam mais difculdades para realizar o emaranhado das contas de deduções no papel. Hoje a situação é completamente distinta, com o processo de preparação e preenchimento automatizado. Então, não vemos sentido de oferecer uma opção de simplificação na realidade atual para todas as faixas salariais. Ela ainda existe, mas decidimos focar nas faixas menores.

Mas criar um teto para uso do desconto simplificado não pode aumentar o imposto da classe média que não tem tantas deduções a fazer? Não. Nós estamos dando o reajuste na tabela, não só na faixa de isenção, em todas as faixas. Isso beneficia a todos porque todos terão imposto reduzido. E, vale lembrar que o desconto simplificado tem um limite de 16.000 reais em dedução hoje. Então, ele só é interessante para quem tem renda de até no máximo 80.000. Mesmo com a mudança, cerca de 70% de quem usa o desconto simplificado, vai ter possibilidade de usar. E, mesmo quem não puder, não tem aumento de imposto. Por exemplo, uma pessoa que tenha renda de 5.000 reais por mês, 60.000 por ano, não vai ter mais a opção do desconto simplificado. Mas, com a nova tabela, haverá uma redução de 25% no seu imposto, que é maior que o desconto simplificado, que dava 20%. Além disso, ela pode utilizar de todas as deduções existentes, como saúde e educação.

Bem, mas nem todo mundo se enquadra nisso. As pessoas com renda de 6.000 e 7.000 reais mensais, segundo a Receita, terão redução de 18% e 13%, respectivamente, no imposto. Isso é menos que o desconto simplificado… Mas essas pessoas tem a opção de usar as deduções legais. Aí, a questão vai depender da situação de cada um. Se ela tiver deduções, vai jogar e o resultado será apurado.

Sobre as deduções legais, o ministro Paulo Guedes disse diversas vezes que estava em estudo acabar com esse instrumento, que beneficia pessoas de mais renda. Por que isso ficou de fora do projeto e houve a opção só de mexer nas deduções do modelo simplificado? De fato, temos estudos e simulações sobre isso, mas a decisão foi de não endereçar agora essa alteração. Mas, vale salientar que as deduções não foram alteradas. Não houve nenhum reajuste. A decisão é fazer isso em um momento posterior. Nós consideramos importantes, no Imposto de Renda da Pessoa Física, a alteração de tabela, conjulgada com o desconto simplificado.

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Ao aumentar as deduções e reajustar mais a primeira faixa da tabela, o projeto passa a impressão de ser populista e eleitoreiro, que pensa em 2022… Absolutamente não é. O reajuste da tabela do IRPF está sendo balizado em parâmetros de salário mínimo, renda per capita e salário médio. E outro argumento que mostra que não há fundamento na crítica é que a proposta seria apresentada no ano passado. Só não foi porque fomos atropelados pela pandemia e o impacto gerado impediu que pudéssemos avançar na reforma tributária. Essa proposta poderia ter sido apresentada em 2020.

Por que, no caso dos investimentos, se mexeu  na tributação em fundos exclusivos e imobiliários, mas produtos voltados ao agronegócio, como a LCA, não foram alterados? É uma opção para dicussão posterior, e com o Congresso Nacional, decidir se vai tributar ou não. Nas mudanças para o mercado financeiro, há a tributação de fundos, mas também uma fixação de alíquotas, que iam de 22,5% a 15%, para uma simplificação. Agora fica tudo em 15%.

O projeto foi apresentado há uma semana e, nesse meio tempo, além das críticas, já se fala em alterações de alguns pontos. O ministro Paulo Guedes disse sobre baixar a alíquota do IRPJ em cinco pontos já no primeiro ano, e não em duas etapas, como o projeto propõe. Já o presidente da Câmara disse que a taxa dos dividendos pode cair dos 20% para 15%. A Receita já calcula esses impactos? Nós estamos exatamente debruçados sobre as propostas. A do ministro está sendo avaliada, em termos de impacto, se é possível reduzir em um só momento e não em dois. É claro que a mudança tem de ser compatibilizada com alguma outra medida que possa compensar a renúncia do primeiro ano. Bem como qualquer alteração da alíquota proposta nos dividendos, de 20%, terá de ser objeto e alterações no sentido contrário. Tudo isso faz parte do debate e nós estamos ainda debruçados sobre os números e ainda não temos conclusões definitivas para poder sinalizar.

O Ministério da Economia decidiu entregar a reforma tributária em fases. Além da unificação do impostos federais PIS e Cofins num imposto único, a CBS, e da mudança do Imposto de Renda, também havia previsão de mexer no IPI e na desoneração da folha de pagamentos das empresas. Esta última com a criação de um imposto de pagamentos nos moldes da CPMF. Esse plano continua? No momento, não há essa discussão. Nosso foco são essas duas etapas, da tributação sobre consumo, a CBS, e a segunda: do IRPF, IRPJ e de investimentos. A discussão sobre o IPI deve entrar no âmbito da PEC que está no Congresso, para um imposto seletivo. Mas, agora, não consideramos a desoneração da folha.

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