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Reforma tributária aproxima mercado do governo, mas entraves persistem

Para a Faria Lima, Haddad realiza bom trabalho na Fazenda. O risco PT, no entanto, permanece à espreita, podendo aparecer a qualquer momento

Por Felipe Erlich, Victor Irajá 16 jul 2023, 08h00

A canção Blackbird, clássico dos Beatles gravado em 1968, é um hino contra a segregação racial. Um de seus versos inspirou gerações: “Você somente aguardou o momento de alçar voo”. Fã declarado da música, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, arriscou dedilhar algumas notas em entrevista concedida na segunda-feira, 10. A despeito das modestas qualidades artísticas de Haddad, a letra não poderia ser mais apropriada para descrever a fase vivida pelo ministro. Depois de ser recebido com enorme desconfiança pelo mercado financeiro no início do governo Lula, seu nome agora é visto como um antídoto contra possíveis práticas heterodoxas do PT na economia. Pelo menos três fatores foram essenciais para a virada de percepção. A criação do arcabouço fiscal, que coloca freios nos gastos públicos, e a manutenção da meta de inflação em 3% reduziram boa parte dos ruídos com a Faria Lima. Mais recentemente, a aprovação da reforma tributária na Câmara representou uma nova mudança de tom.

O mercado financeiro pode ter vários defeitos, mas uma de suas virtudes certamente é o pragmatismo. Na falta de um genuíno representante da agenda liberal no governo, gestores e analistas de investimentos agarraram-se àquele que mais parece comprometido com a administração responsável da economia. Até aqui, de fato, Haddad ocupa esse espaço. “Eu diria que ele surpreende positivamente”, afirma Zeina Latif, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e sócia-diretora da Gibraltar Consulting. “O mercado tinha uma leitura muito equivocada sobre o que o Haddad faria”, acrescenta o economista André Perfeito. “Ele fez um jogo seguro e convidou nomes equilibrados para dar vazão à reforma tributária.”

RUÍDO - O ministro e seu violão: papel central como articulador
RUÍDO – O ministro e seu violão: papel central como articulador (Washington Costa/MF/.)

Um levantamento realizado pela consultoria Quaest em parceria com a Genial Investimentos confirma a melhora da reputação do petista perante o mercado financeiro. Em março, apenas 10% dos agentes do setor aprovavam o trabalho de Haddad na economia. Em maio, o índice subiu para 26%. Na semana passada, pouco após a reforma tributária passar na Câmara, o índice saltou para 65%. Ainda assim, a pesquisa traz alguns alertas. Para 66% dos entrevistados, o governo não está preocupado com o controle da inflação, enquanto 71% temem a futura indicação de Lula para a presidência do Banco Central. A conclusão parece óbvia: Haddad realiza bom trabalho na Fazenda, mas o risco PT permanece à espreita, podendo aparecer a qualquer momento.

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O desenlace da reforma tributária é, sem dúvida, uma conquista que pode ser atribuída em boa medida a Fernando Haddad. O ministro foi um dos responsáveis pela articulação do governo no Congresso Nacional, tendo constituído produtiva parceria com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para viabilizar a votação célere de um tema que está em pauta há pelo menos três décadas. Por razões diversas — desinteresse dos governos, falta de apoio da sociedade, conflitos setoriais, entre muitas outras —, ela sempre ficou para depois, e sua postergação representou durante muito tempo uma barreira que parecia intransponível. Agora, Haddad afirma ter certeza que o projeto passará sem sustos pelo Senado.

Ainda que o conteúdo da reforma não seja perfeito, ela tem o mérito inquestionável de trazer maior simplicidade na cobrança dos tributos, o que por si só representa um monumental avanço a um país de regras intrincadas como o Brasil. Entre outros feitos, as novas regras deverão reduzir a quantidade de leis tributárias, unificar alíquotas e assegurar benefícios para setores estratégicos, como educação, saúde e transportes. Cinco tributos serão extintos — IPI (federal), PIS (federal), Cofins (federal), ICMS (estadual) e ISS (municipal) — para dar lugar a um modelo de tributação unificado. Outro aspecto modernizador é a devolução, para pessoas físicas, de parte dos tributos pagos, num modelo conhecido como cashback, mas o tema deverá ser definido apenas por lei complementar.

NO SUPERMERCADO - Fila da carne: inflação baixa diminuiu o preço de alguns alimentos
NO SUPERMERCADO - Fila da carne: inflação baixa diminuiu o preço de alguns alimentos (Sebastião Moreira/EFE)

O Brasil demorou muito para reconfigurar suas ultrapassadas normas tributárias. Em 2022, a carga bruta de impostos respondeu por intoleráveis 33,71% do PIB (levando-se em consideração os serviços públicos do país). Trata-se da maior participação da série histórica iniciada em 2010, segundo dados apurados pelo Tesouro Nacional. Ou seja, a voracidade dos impostos só vem aumentando. Sob diversos aspectos, é um peso que a sociedade não consegue suportar. As ineficiências do atual sistema tributário sufocam empresas, penalizam indivíduos e comprometem o próprio crescimento econômico, reduzindo as chances de o Brasil se tornar mais competitivo na acirrada arena internacional.

Após a tramitação no Senado, a reforma tributária ainda levará um bom tempo para ser efetivamente adotada. O texto prevê um período de transição de pelo menos oito anos para que empresas, governos e contribuintes em geral se ajustem às novas regras. Apesar da longa espera, é uma conquista que transcende governos e, obviamente, beneficia todo o conjunto da sociedade. A bela letra de Black­bird expressa com perfeição o que a reforma reserva para o Brasil: é hora de alçar voo.

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850

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