Projetos de lei miram pirâmides financeiras, golpe cada vez mais comum
Em 2020, mais da metade dos indícios de crime identificados pela CVM foram sobre pirâmides; Proposta popular visa incluir prática do golpe no Código Penal

Com a pandemia e o aumento de pessoas em dificuldades financeiras, mais promessas “milagrosas” de dinheiro fácil surgiram na internet e os golpes digitais se multiplicaram. Entre eles, os relacionados a bitcoins, na esteira da valorização do criptoativo. Para combater os esquemas bilionários e as pirâmides financeiras — um tipo específico destas fraudes digitais –, uma série de projetos de lei estão surgindo. Nesta terça-feira, 6, a Suno Research lança em parceria com a Picanço Associados, escritório de advocacia especializado em bitcoins e criptomoedas, um projeto de lei de iniciativa popular para criminalizar as pirâmides financeiras.
O objetivo é suprir a atual legislação que abre brechas para a impunidade dos crimes e, por meio da inclusão do golpe no Código Penal, torná-lo passível de prisão e multa. O problema, que já existia, aumentou ainda mais em 2020. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) enviou 325 comunicados de indícios de crime aos Ministérios Públicos dos Estados e Federal no ano passado, 76% a mais em relação a 2019. Dos 325 comunicados, 175 foram sobre pirâmides, o golpe mais frequente em 2020.
O projeto de iniciativa popular pretende coletar assinaturas para levar a pauta ao Congresso. Os projetos de lei de iniciativa popular precisam da assinatura de 1% dos eleitores do país, sendo esses de ao menos cinco estados diferentes, com 0,3% dos eleitores de cada um deles, para que o projeto possa ser analisado pelo Congresso Nacional.
Na semana passada, foi a vez de o deputado federal Celso Russomanno protocolar um projeto de lei para combater as pirâmides financeiras. O PL 744/21 propõe multa e reclusão para a prática por meio da alteração da tipificação penal. Vale lembrar que familiares de Russomanno são acusados de envolvimento com esquemas de pirâmide financeira.
O golpe
Também conhecidas como “esquema de Ponzi”, as pirâmides financeiras prometem lucratividade alta, porém para isso acontecer o cliente precisa atrair mais pessoas para o negócio. A rentabilidade acaba quando o número de pessoas que ingressa na pirâmide se torna menor que os egressos, o que a torna insustentável. Neste ponto de esgotamento dos recursos, os investidores que tentam resgatar seu dinheiro não conseguem.
De acordo com Tiago Reis, fundador da Suno Research, entre as razões que levaram a instituição a se envolver no tema estão o fato de ser um problema simples de ser combatido com educação financeira, um apreço pessoal por desmascarar golpes e a perda de clientes do mercado financeiro para essas empresas. “Esse caras competem com pessoas que são reguladas e respeitam a lei. Conversamos com uma série de agentes autônomos e um deles agradeceu porque perdeu dois clientes para golpistas”, diz Reis. “Eles usam o nome de bitcoin, mas de bitcoin não tem nada. Recentemente tentaram usar o nome de fundo imobiliário, mas não pegou”, diz ele.
Artêmio Picanço, advogado envolvido no projeto, afirmou que, atualmente, tem processos contra 20 empresas que aplicaram golpes, o que totaliza mais de 100 milhões de reais locupletados. Os casos de pirâmides envolvem agronegócios, móveis, carros, máquinas de cartão, além das moedas digitais. O maior caso do escritório é o da empresa Atlas Quantum, que possuía 40 mil clientes e ofertava serviço de arbitragem de criptomoedas. A empresa responde atualmente por mais de mil processos e os clientes enfrentam grande dificuldade para intimar a empresa a responder tais ações. Em resposta à reportagem, no entanto, a Atlas Quantum afirma não ser uma pirâmide financeira e que vem fazendo acordos para restituir o dinheiro de seus clientes.
“O problema na lei brasileira é que os casos de pirâmide financeira são enquadrados na lei de crime contra a economia popular ou estelionato, de 1951. Naquela época, casos como estes eram mais raros e atualmente não existe nenhum tipo penal específico”, diz o advogado Artêmio Picanço. “Até hoje a Atlas Quantum está funcionando no Brasil. Nos Estados Unidos, um caso de pirâmide financeira pegou pena de 150 anos e teve de pagar indenização de 117 milhões de dólares, coisa que no Brasil não vai acontecer com a legislação atual”, diz ele.