Por que investidores estrangeiros retiram cada vez mais dinheiro do Brasil
Com recursos que poderiam ajudar a tirar o país da crise, os "gringos" estão céticos quanto ao governo e se afastam cada vez mais
No começo da década, o mundo acreditava que o Brasil continuaria a crescer a um ritmo digno das economias mais pujantes do planeta. O aclamado Nobel de Economia americano Paul Krugman reforçou o otimismo ao afirmar que a expansão média do país poderia ser de 5% nos anos seguintes. Com o otimismo tomando conta também de Rússia, Índia e China, o termo Bric, cunhado pelo economista britânico Jim O’Neill, impulsionou de vez o marketing que colocava o Brasil como um dos grandes vetores de dinamismo econômico do planeta. Como se sabe, deu tudo errado. O governo Dilma foi um desastre, terminou em um impeachment traumático e na drástica queda do PIB. Temer começava a engrenar uma agenda de reformas quando foi sugado por escândalos que impediram o avanço. Não admira, portanto, que os “gringos”, como analistas do mercado gostam de chamar os investidores estrangeiros, estejam ressabiados com o país. Acreditava-se que, após entregar as primeiras reformas, principalmente a da Previdência, Paulo Guedes recuperaria a confiança necessária para que os dólares voltassem a aportar na economia. Puro autoengano, pois, quando se trata de investimento externo, a situação só piora.
A mais recente revoada de dinheiro estrangeiro aconteceu no último dia 7, quando financistas do mundo todo retiraram 533 milhões de reais da Bolsa de Valores de São Paulo. Desde então, seu principal índice, o Ibovespa, amargou quedas em sequência. Daquela quinta-feira ao fechamento de quarta-feira passada, 13, o indicador caiu 3,5%, na direção oposta à dos mercados internacionais. Como comparação, o Dow Jones, o principal índice da Bolsa de Nova York, subiu 0,3%. O movimento de fuga se soma à frustrante tentativa de venda de campos de petróleo a petroleiras globais e à baixa participação do capital internacional nos negócios fechados no Brasil. O temor aparece num momento em que se espera maior participação da iniciativa privada na retomada econômica. Sem o ingresso de dólares no país, isso fica mais difícil. As privatizações e as concessões, por exemplo, correm o risco de micar. E o país não consegue se virar sem os gringos. Somente para explorar o pré-sal no ritmo esperado pelo governo é necessária a injeção de 2,3 trilhões de reais nos próximos dez anos.
Alex Agostini, economista-chefe da agência de avaliação de crédito Austin Rating, diz que, ao avaliar a performance de uma nação para seus clientes, todo o contexto é analisado. Região geográfica, grupo de países a que a nação pertence — desenvolvido, emergente ou subdesenvolvido —, situação política, pauta econômica, histórico, uma variedade enorme de indicadores entra no cálculo. Obviamente, a pauta do governo agrada aos forasteiros. A agenda de reformas, a venda de estatais, a abertura do mercado de gás e a negociação de acordos comerciais com os Estados Unidos e o de livre-comércio com a China — anunciado nesta semana — são positivas e recebem aplausos lá fora. Mas isso não basta. “O contexto no qual o Brasil está inserido não ajuda”, afirma Agostini. “Além disso, não há segurança jurídica para investir. Na área de energia, por exemplo, a cada novo governo muda o marco regulatório”, critica.
Isso explica, e muito, por que entre janeiro e outubro deste ano já foram embora do Brasil 42,9 bilhões de dólares do sistema financeiro — setor que inclui bolsa, bancos e aplicações em renda fixa. Tal ritmo de retirada, calculado pelo Banco Central, é o maior desde que a marolinha da crise internacional de 2008 se transformou no tsunami que varreu o Brasil em 2013. Os Investimentos Diretos no País (IDP) também estão em queda. Nos últimos doze meses, ingressaram 70 bilhões de dólares, 8,4% a menos do que foi investido em 2018. No ano passado, segundo a Organização das Nações Unidas, o Brasil já havia caído de sexto para sétimo destino de investimentos no mundo. A tendência é piorar em 2019. A agenda de reformas avança, mas a passos lentos demais para afastar de vez a crise fiscal. No continente, a convulsão social de Chile, Bolívia, Venezuela, Equador, entre outros, contamina negativamente a avaliação de empresas e investidores, incluindo o capital mais especulativo. “Os estrangeiros olham o Brasil dentro desse pacote maior de mercados emergentes, e, quando veem que os Estados Unidos estão com um crescimento mais forte, ficam por lá. Por isso há maior dificuldade para convencê-los a investir aqui”, avalia Emerson Leite, do banco Credit Suisse.
Pioram essa avaliação episódios de comédia pastelão como o protagonizado em maio por Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, e Letícia Catelani, então diretora da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) — os grandes responsáveis por vender o país mundo afora. Letícia, que foi indicada para o cargo pelo clã Bolsonaro, entrou em rota de colisão com diretores da agência ao denunciar, sem detalhes nem provas, que “contratos espúrios” estavam sendo mantidos pela Pasta. Foi exonerada e impedida de entrar no edifício, criando uma enorme saia-justa para o Itamaraty. Não há confiança que resista.
Há, contudo, quem acredite no retorno rápido dos dólares. Leonardo Dell’Oso, sócio da consultoria PWC Brasil, conta que os estrangeiros seguem por aqui, mas que o otimismo que começa a ser demonstrado por empresários brasileiros ainda não os contaminou. “Ouvimos de nossos colegas fora do país que o Brasil voltou a estar no radar deles”, afirma Dell’Oso. “Eles estão de olho nos setores de infraestrutura, principalmente de energia e transportes. O mais importante é que, quando os recursos vierem, sejam destinados ao setor produtivo, e não à especulação”, conclui.
O que angustia membros da equipe econômica é que nem tudo depende do governo. Um dos fatores essenciais sopesados pelos investidores ao escolher onde aportar está, na verdade, nos Estados Unidos. Nesta semana, o presidente americano Donald Trump subiu o tom na guerra comercial que trava contra a China. Isso prejudica todos os países emergentes, uma vez que é na terra de Trump que os investidores encontram maior segurança em meio a incertezas. Ainda assim, o “dinheiro gringo” não costuma desperdiçar oportunidades. Caso Bolsonaro deixe de dar caneladas em seus pares, como no episódio das queimadas na Amazônia, use reuniões como o Fórum Econômico Mundial para fazer diplomacia e contenha seus rompantes de fúria, a vinda desses recursos será facilitada. Enquanto isso não acontece, segue a pergunta: cadê os gringos?
Publicado em VEJA de 20 de novembro de 2019, edição nº 2661