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Por que é ineficaz tributar pesadamente os mais ricos

Presidente francês, François Hollande, quer aumentar para 75% o imposto sobre a renda dos que ganham mais de 1 milhão de euros ao ano. Especialistas mostram que a medida não é eficaz e pode prejudicar a economia do país

Por Naiara Infante Bertão
12 set 2012, 16h10

Em entrevista no domingo, o presidente francês, François Hollande, comentou que vai anunciar em breve cortes de 10 bilhões de euros em educação, segurança e justiça, além de aumentar em 20 bilhões de euros a arrecadação do governo com novos impostos. Porém, o fato que mais chamou a atenção foi a intenção do político de pôr em prática sua promessa de campanha de aumentar dos atuais 45% para 75% a tributação sobre o rendimento de contribuintes com maiores rendimentos. A ‘facada’ do Fisco francês seria desferida contra todos aqueles que ganham acima de 1 milhão de euros ao ano (2,5 milhões de reais anuais). Essa medida, segundo Hollande, seria necessária para diminuir o elevado déficit público do país. Contudo, especialistas ouvidos pelo site de VEJA são unânimes em dizer que a proposta – baseada numa das premissas mais furadas do socialismo: a de que a riqueza de alguns seria a explicação da ruína de outros – não deve melhorar em nada a situação fiscal nacional. E pior. A taxação excessiva dos mais ricos pode prejudicar ainda mais a já debilitada economia francesa.

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A ideia, por si só controversa, teve o seu impacto amplificado por um fato correlato. No mesmo dia, em reportagem de capa que, no mínimo, dispensou a etiqueta, o jornal Libération noticiou a intenção Bernard Arnault – dono do conglomerado de luxo LVHM e homem mais rico da França – de obter nacionalidade belga. A matéria, cujo título, numa tradução branda, é “Cai fora, rico idiota”, insinuava que o interesse do empresário pelo país vizinho disfarçava a intenção de pagar menos impostos. Arnault negou que quisesse se mudar do país com esse objetivo e afirmou que “sua possível nacionalidade belga não altera sua determinação de criar empregos na França”.

O socialista Hollande soube capitalizar politicamente o episódio, haja vista que este tipo de assunto é bastante caro ao eleitorado francês. “Essa parece ser mais uma medida política e de marketing pessoal, e não econômica. Hollande quer que confiem que vai fazer o que prometeu”, apontou Silvio Campos, da Tendências Consultoria. O analista explica que o histórico de países que já taxaram os mais ricos mostra que a medida não é efetiva para conter o déficit público e aumentar a arrecadação. “Ela pode ainda gerar distorções econômicas e provocar fuga de capitais para outros países”, acrescenta.

Tiro no pé – Atualmente a França está com um déficit orçamentário de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e precisa reduzi-lo a 3% até o ano que vem para dar garantias aos investidores de que não irá pelo mesmo caminho dos vizinhos Itália e Espanha. “A medida (de taxar em 75% os rendimentos dos mais ricos) é constitucional, mas pode ter consequências muito ruins para o país, como a migração de fortunas para outras localidades com menor carga tributária. Nada impede que os mais ricos busquem os paraísos fiscais da região, como Luxemburgo e Mônaco, por exemplo”, apontou Otto Nogami, professor de economia do Insper.

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O especialista também destaca que o consumo no país pode cair ainda mais como reflexo do menor volume de dinheiro disponível para gastos pessoais. Em outras palavras, a proposta poderá ter efeito negativo sobre o PIB – o que, por si só, é um complicador quando se busca melhorar as contas públicas de uma nação.

Migração de capital – Leonardo Trevisan, professor de economia da ESPM, concorda que a medida é ineficaz. “Contribuirá com menos de 1% dos 33 bilhões de euros em receitas novas que o governo pretende arrecadar em 2013”, explica.

Ele fala ainda que os contribuintes atingidos podem levar não só suas fortunas, mas também seus negócios para outros países. O movimento só aprofundaria as distorções da economia francesa – que já sofre com a pesada carga de impostos, o excesso de interferência estatal, leis trabalhistas ultra rígidas, entre outros problemas – e levaria à perda de empregos e de investimentos.

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O economista alerta que não apenas os grandes empregadores avaliariam sair da França, mas também os numerosos pequenos e médios empreendedores. “O que preocupa é a velocidade com que médios e pequenos empresários deixariam o país e levariam seus negócios para outros lugares, especialmente para o norte da Europa, como já está ocorrendo”, diz.

O professor da ESPM lembra reportagem recente da revista britânica The Economist que retrata uma verdadeira onda de empresários franceses de pequeno e médio porte em busca de advogados belgas e holandeses especializados em fazer transferência de negócios entre países. “O custo de um trabalhador na França é muito alto. É por isso que a maioria das grandes companhias francesas já não fabrica tanto no país. A hora de um funcionário da Peugeot Citröen custa 35 euros, em média, na França, enquanto um funcionário da mesma fábrica na Eslováquia custa 10 euros”, destaca.

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A medida pode ter outro efeito, de mais longo prazo, na medida em que pode prejudicar a taxa de investimento. “Os empresários podem repensar se vão investir no país e a situação econômica da França pioraria ainda mais”, diz Trevisan. “Hollande parece querer acalmar os radicais de seu partido, já que esta é uma medida de extrema esquerda e pouco solucionadora.”

Como conter o déficit – O tributo de 75% sobre a renda dos mais ricos, como é considerado desde já um instrumento ineficaz, implica o questionamento do que é possível fazer de fato para melhorar as contas públicas de uma nação. Segundo os analistas, não há fórmula mágica: é preciso combinar cortes de gastos do governo com aumento de arrecadação.

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Trevisan explica que uma boa parte do déficit fiscal francês vem do socorro do estado a bancos em dificuldade. “Hoje, 66% do financiamento grego veio dos bancos franceses. Se a Grécia falir, a França ficará em uma situação ainda mais delicada”, diz.

A França também está pagando a conta de um estado de bem social forte e universalizado, que paga quase tudo para o cidadão. As despesas não param de crescer devido, sobretudo, ao envelhecimento da população, que tem notável efeito sobre os custos da previdência e da saúde. Com uma série crise econômica se arrastando desde 2008, o pagamento desses gastos ficou mais díficil. Hollande, no entanto, reverteu o aumento de idade para aposentadoria de 60 anos para 62 anos que seu antecessor, Nicolas Sarkozy, havia aprovado; destoando do que a vizinha Alemanha fez, ao subir esse limite de 65 anos para 67 anos. “A França precisava fazer uma reforma como a que a Alemanha fez há cinco anos”, diz Trevisan.

A história se repete – A nova controvérsia nacional – e os franceses são tão amantes de um bom debate quanto dos vinhos de Bordeaux – é emblemática. Ela representa mais um caso de tentação da classe política em querer encontrar um ‘bode expiatório’ para problemas graves que tem dificuldade para sanar, enquanto transmite à população a impressão de que algo está sendo feito. É um padrão que, infelizmente, se repete nas diferentes sociedades ao longo dos anos. A mesma História, no entanto, é pródiga em exemplos de como esse tipo de estratégia traz resultados desastrosos. Querer que a economia, com todo sua complexidade, dobre-se ante as conveniências políticas é praticamente sonhar com o impossível. Os agentes econômicos, com sua rapidez e criatividade, não raro encontram formas de contornar as amarras que lhes são impostas. Além disso, uma saída casuística, que passa ao largo da verdadeira solução, costuma ter como resultado algo pior que o problema que a motivou.

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