Por que EUA e Brasil devem indicar direções opostas nas taxas de juros
Anúncios na quarta-feira devem marcar uma grande diferença: enquanto nos EUA vem alívio, no Brasil vem novo aperto
Na próxima semana, os holofotes do mercado financeiro estarão todos voltados para a chamada “superquarta”, a quarta-feira em que analistas, investidores e economistas esperam pelo anúncio da nova taxa básica de juros nos Estados Unidos e também no Brasil — que tem tudo para ser, desta vez, um divisor de águas para a política monetária dos dois países. Enquanto, lá fora, a expectativa é de que o Federal Reserve (Fed), a autoridade monetária americana, inicie o ciclo de cortes de juros, por aqui é crescente a leitura de que o Banco Central deve ir na contramão e elevar a Selic, após duas reuniões em que manteve a taxa em 10,5% ao ano.
Os EUA se preparam para interromper um ciclo de aperto monetário que começou em março de 2022, quando o Fed aumentou e, em seguida, manteve os Fed Funds no intervalo de 5,25% a 5,50% ao ano. Agora, o mercado aguarda o primeiro corte das taxas e seus efeitos não apenas na economia americana, mas no mundo todo. “Devemos ter o começo de um ciclo de corte de juros nos Estados Unidos em um ambiente sem recessão”, afirma Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos do banco UBS, que espera que a taxa por lá caia a 3,5% até o fim do ano que vem. “Isso favorece os ativos de risco de forma geral, com alta das bolsas e perda de força do dólar ante a outras moedas.”
O caminho para um corte de juros na economia americana foi pavimentado pela perda de ímpeto da atividade no país, acompanhada de expectativas de inflação ancoradas, isto é, quando há confiança de que a inflação vai convergir para a meta — no caso, de 2% ao ano. “Definitivamente, a discussão é de quanto será o corte, e não se haverá”, afirma David Beker, chefe de economia para o Brasil e de estratégia para a América Latina do Bank of America (BofA). “Nós temos uma visão mais conservadora, de 0,25 ponto percentual de corte.”
À primeira vista, os efeitos de um juro menor nos Estados Unidos são positivos para os mercados globais, já que motivam investidores a ajustar suas carteiras em busca de ativos de maior risco — caso dos localizados nos mercados emergentes, como as ações no Brasil. É o que ajuda a explicar a leva de recordes recentes da bolsa brasileira, que, de acordo com analistas, pode finalmente ganhar o fôlego que faltava para sair da letargia em que ficou na primeira metade do ano.
Mas, se o exterior deve contribuir com o cenário positivo, o mesmo não se pode dizer do Brasil. Por aqui, a inflação recentemente cedeu um pouco, mas não o bastante para convencer os agentes de mercado sobre a sustentabilidade desse movimento — e eles seguem calculando que a inflação permanecerá acima da meta a despeito dos esforços do BC. Não à toa, o Brasil figura ao lado do Japão como as únicas duas entre dezenove das principais economias do mundo em que o prognóstico é de alta de juros para o próximo ano, conforme mostra um levantamento feito por Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário do Ministério da Fazenda.
“As expectativas de inflação estão desancoradas e o governo não tem credibilidade fiscal para gerar confiança de que o limite de despesa prometido será respeitado”, diz Manoel. Segundo o último Boletim Focus, divulgado no começo da semana, a previsão do mercado é de que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo termine 2024 em 4,3%, quando a meta é de 3%. A esse descolamento da inflação somam-se a cotação do dólar acima de 5,50 reais, o crescimento forte da economia e um mercado de trabalho em aquecimento, além da persistente fragilidade fiscal do país, com seus gastos crescentes e sem que o governo consiga ser convincente de que terá as receitas para pagar por eles. “Acreditamos que o BC deve levar a Selic até 12% ao fim do ciclo, em janeiro de 2025”, diz Beker, do BofA.
Outro aspecto que reforça o coro pela alta dos juros é a credibilidade do BC, já que membros da instituição deram declarações recentes indicando esse movimento. O presidente da entidade, Roberto Campos Neto, foi um dos que endossaram, há um mês, o cenário de aumento, alinhando seu discurso à própria ata da última reunião, quando a instituição reiterou que “não hesitará em elevar a taxa de juros” se julgar necessário. As afirmações foram corroboradas pelo diretor de política monetária e indicado pelo governo para ser o próximo presidente do BC, Gabriel Galípolo, que afirmou que “subir os juros é situação cotidiana” da autoridade monetária. “Justificar uma alta de juros com deflação e no mesmo dia em que o Fed começa o processo de cortes não vai ser fácil”, diz Helena Veronese, economista-chefe do escritório de assessoria de investimentos B.Side. “Mas, com todas as sinalizações dadas até aqui, a alta passa a ser uma questão de credibilidade.”
A análise de que o Banco Central não tem outra opção exceto a de elevar os juros, porém, não é consensual. “O cenário externo ficou mais favorável e a Selic já parte de um patamar alto”, diz o estrategista-chefe da gestora Warren, Sergio Goldenstein, que já foi chefe do Departamento de Mercado Aberto do Banco Central. “O BC poderia esperar um pouco mais.” De acordo com Goldenstein, uma Selic a 12%, quando aplicada às fórmulas usadas pelo próprio BC, derrubaria a inflação a 2,6% até 2026 — abaixo da meta de 3%. “Subir os juros agora é como dar o antibiótico antes de ser diagnosticada uma pneumonia”, defende Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho de administração da gestora JiveMauá e ex-diretor do Banco Central.
De acordo com eles, o dólar tende a cair nos próximos meses, em especial depois que os efeitos dos juros mais baixos nos EUA começarem a se espraiar pelo mundo, ajudando a reduzir os preços de vários produtos e aliviando a inflação global. Há ainda o entendimento de que o Orçamento federal brasileiro para 2025, apesar de continuar longe de trazer cortes dos excessos de gastos públicos, inclui poucos aumentos em relação à enxurrada de benefícios dos últimos anos. “São gastos ainda altos, mas que não crescerão tanto, e isso tira o pé do acelerador”, diz Figueiredo. De toda maneira, a poucos dias de os dirigentes dos bancos centrais do Brasil e dos EUA se reunirem para traçar o futuro dos juros de seus países, a bifurcação a ser aberta entre ambos parece certa. Juros mais baixos lá fora certamente favorecem o Brasil, abrindo espaço para que a taxa por aqui, em algum momento, também possa cair. Mas, para isso, o Brasil precisa se ajudar.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910