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Para onde vai a bolsa de valores nos próximos meses de 2024

O Ibovespa tem espaço para subir, mas os ritmos de queda de juros no Brasil e no mundo serão cruciais para a tendência se concretizar

Por Juliana Machado, Camila Barros Atualizado em 8 Maio 2024, 12h52 - Publicado em 27 abr 2024, 08h00

O ano de 2024 começou com tudo para a bolsa de valores no Brasil. Guiados pela tese de que os Estados Unidos iniciariam um corte de juros na largada do ano, investidores e analistas se animaram com o potencial fluxo global para ativos de risco — em especial para países emergentes, como o nosso. Desde então, o corte de juros americanos não veio, e o Ibovespa, o principal índice da B3, voltou para a lanterna no desempenho das principais bolsas globais. Agora, analistas e gestores ainda olham com otimismo para a bolsa local, mas atestam: sem demanda dos investidores locais por mais risco e sem redução dos juros lá fora, a bolsa brasileira deverá derrapar até o final do ano.

arte bolsa

O raciocínio é simples: juros em níveis altos afastam investidores da renda variável, que se acomodam com tranquilidade na renda fixa. Do ponto de vista internacional, se os juros permanecem em níveis elevados nas economias desenvolvidas, o investidor estrangeiro não tem estímulo para assumir posição em mercados considerados mais arriscados, como os emergentes. Com menos liquidez no mundo, os mercados passam a disputar os recursos — o Brasil até está em boa situação para isso, mas não é a única estrela. “México e Índia estão mais atraentes”, diz Michel Frankfurt, chefe da corretora canadense Scotiabank. “O estrangeiro olha para o Brasil e gosta, mas hoje não vejo um gatilho que faça o país ser mais demandado.” Para ele, o México vem se beneficiando da explosão do nearshoring entre as companhias americanas — um fenômeno em que as corporações passam a produzir em países geograficamente próximos à sua nação de origem.

Haddad: disciplina fiscal do governo é vital para gerar otimismo com a renda variável
Haddad: disciplina fiscal do governo é vital para gerar otimismo com a renda variável (Ton Molina/Fotoarena/.)

Protagonista nas negociações do mercado local, o investidor estrangeiro já retirou mais de 20 bilhões de reais da bolsa brasileira em 2024, uma fuga de capital que teve como destino ativos considerados mais seguros, como títulos da dívida dos Estados Unidos. De outro lado, os investidores locais ficam na ponta compradora, mas não com entusiasmo suficiente para amparar um avanço maior da bolsa — afinal, mesmo em queda, uma taxa Selic em 10,75% ao ano exige pouca criatividade na renda fixa para ganhar dinheiro. “Juros americanos altos são como um buraco negro, com uma gravidade muito maior do que o nosso ciclo de cortes da Selic consegue competir”, afirma Matheus Amaral, especialista em bolsa do banco Inter, que projeta o Ibovespa aos 142 000 pontos no fim de 2024.

A maioria dos analistas vê espaço para que o Ibovespa se valorize até o fim do ano com base em alguns fatores. Um deles é o preço das ações, considerado baixo na comparação com os de outros emergentes e com os níveis históricos. Nos cálculos de Daniel Gewehr, estrategista-chefe para ações do Itaú BBA, o nível de desconto atual do Ibovespa é de 20% em relação ao histórico, com 85% das ações listadas podendo ser consideradas baratas. O índice é negociado com uma relação entre preço e lucro de oito vezes, ante uma proporção histórica de onze vezes — o que abriria espaço para uma recuperação. “Na média, o gestor de fundos de mercados emergentes está levemente overweighted (recomendação de alocação acima da média do mercado) com o Brasil, assim como o gestor dedicado à América Latina, enquanto os fundos globais estão menos alocados, de olho na política monetária americana”, afirma Gewehr, para quem o cenário-base é de um Ibovespa em 145 000 pontos até dezembro.

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O Brasil é um mero espectador dos juros nos Estados Unidos, mas tem algumas histórias boas a contar para tentar convencer o investidor a entrar na renda variável. Uma delas é a previsão de crescimento de lucro das companhias. Ainda nas contas do Itaú BBA, a estimativa é de que o lucro das empresas da bolsa cresça 13% neste ano versus 2023, ante 5% no caso da América Latina — uma notícia favorável tanto para investidores estrangeiros quanto locais. O ciclo de lucros melhores atinge 63% das companhias listadas. A tudo isso soma-se o ciclo de cortes da Selic. Até agora, a redução da taxa básica da economia não foi suficiente para motivar os investidores locais a assumir mais risco, mas um nível de juros abaixo de 10%, caso venha, deverá contribuir para estimular, ainda que de forma tímida, uma procura por ações brasileiras.

Campos Neto: o ciclo de cortes da taxa Selic continua por ora, mas o comportamento da inflação exige cautela
Campos Neto: o ciclo de cortes da taxa Selic continua por ora, mas o comportamento da inflação exige cautela (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Um dos dados que mostram como o investidor local ainda olha com reticência para o mercado de ações é o movimento nos fundos que investem nessa classe de ativos: segundo dados da Anbima, entidade reguladora do mercado de capitais, o resgate dos fundos de ações neste ano soma 653 milhões de reais, enquanto os fundos de renda fixa seguem com captação forte, de 167 bilhões de reais no acumulado de 2024. Esse cenário já foi pior. “O resgate de fundos de ações que temos visto já não é tão forte como no passado”, afirma Bruno Lima, analista de ações do banco BTG Pactual. “A indústria terá mais espaço para voltar a captar com o juro básico passando para um dígito.”

O comportamento das ações negociadas na bolsa brasileira pode mudar bastante, a depender da situação a que estão mais expostas. No caso do fluxo estrangeiro, os papéis de maior liquidez costumam capturar melhor as tendências no mercado internacional, como é o caso de Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil. Já ações voltadas ao ambiente doméstico são mais sensíveis a fatores como o ritmo de queda da Selic, que beneficia setores como infraestrutura, varejo, mercado imobiliário e serviços. É nesse filão que as apostas mais otimistas se concentram. A redução da Selic se soma a uma gama de indicadores positivos divulgados nos últimos meses, como previsões maiores do PIB e inflação controlada. “Acredito que existem empresas com potencial de valorização percentual de três dígitos”, diz Isabel Lemos, gestora de renda variável do banco Fator.

Jerome Powell, do Fed: a agenda monetária dos Estados Unidos vai ditar o rumo das bolsas pelo mundo afora
Jerome Powell, do Fed: a agenda monetária dos Estados Unidos vai ditar o rumo das bolsas pelo mundo afora (David Paul Morris/Bloomberg/Getty Images)

Sozinho, o otimismo com ações domésticas não é o bastante para alçar o Ibovespa a novos patamares. Isso porque competir com o peso dos estrangeiros pode significar quase um jogo perdido — investidores institucionais locais representam 26% do volume total negociado na bolsa, enquanto pessoas físicas equivalem a 14%. Os estrangeiros são notáveis 55%. “A bolsa brasileira é o ativo que tem maior potencial de andar porque é o que está com maior desconto, mas depende de a inflação seguir baixa aqui e nos Estados Unidos, com juros caindo”, afirma Luciano Telo, diretor de investimentos do banco UBS Wealth Management.

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O cenário de valorização para as ações do Ibovespa enfrenta um obstáculo: o desequilíbrio fiscal no Brasil. Recentemente, o governo deu mais um sinal de que não zelará tanto pelas contas públicas, com a proposta de redução da meta de superávit primário de 2025 e 2026. Para o ano que vem, a meta saiu de superávit de 0,5% do PIB para zero. Em 2026, o superávit proposto caiu de 1% do PIB para 0,25%. “Com metas menores de superávits e, portanto, menor necessidade de receita e de cortes de gastos, o que se deve observar é um crescimento da dívida pública, que pode trazer menos confiança e mais inflação”, diz Helena Veronese, economista-chefe da boutique de investimentos B.Side.

Bolsa Nasdaq, em Nova York: a brasileira B3 perde para mercados de maior apelo, como o americano
Bolsa Nasdaq, em Nova York: a brasileira B3 perde para mercados de maior apelo, como o americano (Michael M. Santiago/Getty Images)

A despeito da direção que tiver neste ano, a verdade é que o Ibovespa não tem todo o tempo do mundo para brilhar. O crescimento da competição na oferta de serviços de bolsa de valores começa a ganhar força, na figura de algumas companhias que já se movimentam para ter o aval dos reguladores de mercado para fornecer esse serviço no Brasil — é o caso da brasileira CSD BR, especializada no registro de ativos financeiros, e da empresa de tecnologia ATG, controlada pelo megafundo árabe Mubadala. Ambas também querem ter uma bolsa para chamar de sua.

Com algumas particularidades, já existiram no Brasil 27 bolsas de valores, mas elas foram aos poucos sendo incorporadas pela então Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A companhia realizou outras duas grandes fusões na sua história: em 2008, com a bolsa de futuros BM&F, e mais recentemente, em 2017, com a custodiante de títulos privados Cetip, quando passou a se chamar B3. Novos concorrentes no mercado podem trazer também a elaboração de novos índices, forçando o Ibovespa a dividir o seu lugar hoje hegemônico. É uma notícia bem-vinda para o mercado de capitais, embora ainda haja um caminho importante a percorrer para que as ações brasileiras tenham um espaço cativo no bolso dos investidores.

Publicado em VEJA, abril de 2024, edição VEJA Negócios nº 1

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