O impacto do ‘custo Bolsonaro’ no consumo
O governo contava com aumento dos gastos entre brasileiros para acelerar a economia, expectativa demolida pela perda de poder aquisitivo e pela inflação
Distante das tensões políticas, dos ataques às instituições e dos discursos inflamados, o mundo real se impõe. É um universo composto de hábitos corriqueiros, como fazer compras no supermercado ou no shopping center, comer fora de casa, usar um aplicativo de transporte, abastecer o tanque do carro ou ainda buscar momentos de lazer, atividades banais que têm impacto substancial sobre a economia. Infelizmente, esse Brasil real está mais pobre — e poucos acreditavam que isso poderia acontecer. A pandemia provocou uma tragédia sanitária sem precedentes e cobrou um preço altíssimo dos brasileiros, mas, uma vez equacionado o problema da imunização da população, a retomada prometia ser forte. Era o que os números indicavam no começo do ano, mesmo com a pancada da segunda onda da Covid-19.
Os dados referentes à atividade econômica no país durante o segundo trimestre, divulgados na semana retrasada, entretanto, materializaram uma surpresa desagradável, com uma redução de 0,1% do PIB no período. Já era esperado que a indústria e a agricultura desacelerassem, por causa da falta de matérias-primas, no primeiro caso, e de uma forte seca, no segundo. Mas essas perdas deveriam ser compensadas pelo consumo das famílias, em especial, com o avanço da vacinação e com o aumento da mobilidade das pessoas. Não é o que tem acontecido. Um estudo da consultoria Kantar Worldpanel mostra que o consumo dos brasileiros recuou 6% entre abril e junho deste ano em relação ao mesmo trimestre do ano passado, quando o país ainda estava em estado de choque com a chegada do novo coronavírus.
Mas, então, o que aconteceu? O sentimento atual na população é de perda de poder aquisitivo, com o custo de vida disparando. Isso está claro em alguns dados recém-divulgados. A massa salarial dos brasileiros, que é a soma de todos os recursos oriundos do trabalho, ficou em 215,5 bilhões de reais mensais no segundo trimestre deste ano, uma queda de 1,7% em relação ao mesmo período do ano passado, ápice da pandemia, quando o valor era de 219,2 bilhões de reais. O mais surpreendente é que isso ocorreu ainda que com uma leve diminuição do desemprego. Ou seja, mesmo com mais gente sendo remunerada, o acumulado dos salários pagos a todos os brasileiros caiu.
Pode até parecer um contrassenso ou uma impossibilidade matemática. Mas esse fenômeno insólito atende por um nome bastante conhecido do brasileiro, e que muitos achavam que tinha ficado no passado: a inflação. O aumento de preços da economia, alimentado pela alta do dólar, dos combustíveis, dos alimentos e da energia, chegou a 9,68% em doze meses e está corroendo o poder de compra das famílias. “O país está gerando empregos com remuneração muito baixa, sobretudo ocupações informais, em um cenário como era visto antes da pandemia. Soma-se a isso essa inflação brutal, e o resultado é a diminuição do poder de compra geral”, explica José Pastore, especialista em relações do trabalho e professor da FEA-USP. Na comparação entre o fim de 2019 e o segundo trimestre deste ano, o recuo na renda média do brasileiro é de 9,4%, segundo um estudo feito pelo economista Marcelo Neri, da FGV Social. O impacto desse fenômeno é ainda maior entre as pessoas mais pobres, que sofreram uma perda de renda de 21,5%, algo que acaba afetando a economia do país como um todo. “Há uma grande mudança de cenário, que é o desemprego associado com a inflação. É natural que, com o aumento dos preços, você prejudique o volume de vendas”, aponta Elen Wedemann, CEO da Kantar Worldpanel. “O bolso do consumidor é um só e ele precisa fazer escolhas.”

Para pagar as contas do dia a dia, o brasileiro passou a mexer em reservas de poupança, que haviam crescido durante a pandemia devido às medidas restritivas. Em agosto, os saques da caderneta de poupança superaram os depósitos em 5,46 bilhões de reais, de acordo com dados do Banco Central, o primeiro resultado negativo desde abril. Os recursos poupados eram a grande aposta do governo para salvar 2021, já teriam potencial para impulsionar os serviços, o maior setor do PIB e o que mais emprega. “Esse uso das poupanças estimula um crescimento do setor no ano, mas já há tendência de reversão em um futuro próximo”, afirma Carlos Thadeu, economista-chefe da Confederação Nacional de Serviços (CNC). “O aumento de juros para conter a inflação tende a ter efeitos em 2022”, avalia. No próximo dia 22, o Banco Central deve decidir a nova taxa básica de juros, a Selic, e o mercado financeiro aposta em uma nova alta, a quarta consecutiva.
Tal mudança de cenário afetou até mesmo os ânimos do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vinha comemorando conquistas como o aumento da arrecadação de impostos — em princípio, um bom sinal da retomada da economia. Ele agora admite a pessoas próximas que o ritmo de crescimento já não é mais o que vinha se desenhando e que o clima entre os empresários também foi afetado. Infelizmente para o presidente Jair Bolsonaro, a economia real não responde positivamente a declarações bombásticas. Pelo contrário, elas estimulam a alta do dólar, que impacta a inflação, causando mais perda de renda. O Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas, já prevê nova queda de 0,1% no PIB do terceiro trimestre, o que caracterizaria uma recessão técnica no Brasil. É um desastre que parecia praticamente impossível apenas algumas semanas atrás.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755
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