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Os bastidores do chapéu que Braga Netto deu em Guedes

Conjunto de iniciativas gestadas à revelia do ministro encheram os olhos de Bolsonaro e rebaixaram o economista a fiador do plano

Por Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 14h52 - Publicado em 23 abr 2020, 15h25

Desde o ano passado, o ministro Tarcísio Gomes de Freitas está preocupado. Em conversas com o chefe da Economia, Paulo Guedes, ele tentava achar soluções para tocar os inúmeros projetos guardados em sua gaveta. Os dois se desentendiam em questões técnicas e práticas, e externavam preocupações com a segurança jurídica para revisão dos contratos das obras inertes. A orientação do ministro Guedes era, como sempre foi, procurar fontes de investimento privado. Do Planalto, vinha a ordem de não se avizinhar com as empreiteiras maculadas pela Lava-Jato. Os projetos pouco andaram e as obras continuaram paradas. Empenhado em diminuir o tamanho do Estado e aumentar a participação da iniciativa privada, o ministro da Economia viu seus planos ruírem com o alastrar do coronavírus (Covid-19) pelo país. Guedes perdeu o brio —  graças ao cenário, seu discurso perdeu força — e o protagonismo na formulação de políticas públicas para os momentos posteriores à crise. O motivo: Guedes continua batendo na tecla de que o setor privado impulsionará a retomada da atividade econômica, enquanto que a realidade se mostra mais arredia para os planos liberais do ministro.

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Elevado de secretário da Economia a ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho externou suas preocupações ao secretariado quanto a saídas para a crise disseminada pela doença e apresentou ideias, em março, logo no desembarque da Covid-19 no país, para que o país reavivasse seus projetos o quanto antes. A solução era parecida com a matutada na Infraestrutura: inundar projetos com verba pública, numa espécie de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de farda que lembra o plano desenvolvimentista militar da ditadura. Consultados, secretários e técnicos da equipe de Guedes torceram o nariz para as soluções encontradas pelos ministros, em consonância: aumentar o investimento público em infraestrutura e tocar obras paradas, com a ajuda de empreiteiras pequenas e médias, pode ser desastroso.

Avesso ao Plano Pró-Brasil, Guedes foi escanteado pelos companheiros de Esplanada. Os chefes da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional encontraram no ministro da Casa Civil, o general Walter Braga Netto, o grande fiador do projeto com cheiro dos anos 1970. Na sexta-feira 17, ele formalizou o grupo de trabalho com as duas pastas e limitou o trabalho da Economia a “parte interessada” dos grandes projetos, que receberam o aval do presidente Jair Bolsonaro. O desenho final de uma proposta para botar em prática o ‘Plano Braga Netto’, um simulacro sem nexo do Plano Marshall, ainda está sendo gestado. O Ministério do Desenvolvimento Regional mapeou pelo menos 11 mil obras a serem concluídas ainda neste ano, enquanto o Ministério da Infraestrutura colocou outros 130 projetos no balaio. Tratam-se de obras que, segundo membros da pasta de Tarcísio, matariam dois coelhos com uma cajadada só: resolveriam gargalos logísticos e fomentariam, segundo estimativas da Casa Civil, a contratação — direta ou indireta — de 1 milhão de pessoas.

Os recursos para o nascimento do filho de três pais — Braga Netto, Gomes de Freitas e Marinho — ainda são incertos. Contrariada, a equipe de Guedes faz contas para entender a viabilidade do processo. A solução seria criar crédito extraordinário para não desrespeitar a proibição do crescimento dos gastos do governo, determinados pelo Teto de Gastos. De forma preliminar, a equipe de Gomes de Freitas calcula um adendo de 4 bilhões de reais pelos próximos três anos ao orçamento da pasta, para viabilizar construção ou duplicação de rodovias e ferrovias, para fomentar atividades como a mineração e a produção de insumos agrícolas. Com os projetos tocados pelo Desenvolvimento Regional, estimam-se gastos de 30 bilhões de reais em neste período.

Enquanto isso, Guedes ainda bate na tecla de atrair investimento empresarial e estrangeiro. Vale dizer que, apesar de bem intencionados, os planos do ministro pecam pela leitura de que as empresas, com as contas na UTI, terão interesse (ou dinheiro) de investir no Brasil, passado o pico da pandemia. Uma das soluções aventadas pelo ministro merece todos os créditos: a aprovação de reformas para desanuviar os caixas do governo e melhorar o ambiente de negócios, mas os retornos só viriam a longo prazo. O ministro insiste que os congressistas usem seu “espírito cívico” para dar vazão às reformas tributária e administrativa, além da PEC Emergencial, que de fato pavimentariam a via para atrair investimentos e abriria espaço fiscal para gastos do governo. Além disso, no gatilho está a aprovação do Marco Legal do Saneamento, para seduzir a iniciativa privada a colocar dinheiro em projetos de água e esgoto a longo prazo.

Como VEJA aponta em reportagem publicada nesta quarta-feira, a dívida pública passada a pandemia, segundo projeções do próprio Ministério da Economia, pode passar de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, caso a atividade econômica recue 5% neste ano, como projeta o Banco Mundial. Isso leva em consideração apenas os gastos já anunciados, que, até o momento, são considerados passageiros – sem gerar sequelas para o futuro. Contudo, um plano amplo de retomada do investimento público geraria um impacto fiscal permanente, comprometendo vários anos subsequentes à crise. Outro obstáculo para a viabilidade dos planos do governo é que essas empresas maculadas, por falta de alternativa, são as únicas capazes de resolverem obras de grande magnitude. As pequenas e médias empreiteiras não possuem expertise, nem fôlego financeiro, para se aventurarem na Amazônia ou no Sertão Nordestino. Uma rateada do caixa do governo para sustentar essas obras e uma quebradeira generalizada acontece.

Fã de coturnos, o presidente Bolsonaro jamais escondeu seu apreço pela ditadura militar. Mas, como sempre repetiu que não entendia nada de economia e escalou Guedes para seu ministério, conseguiu enganar por um tempinho que os dias de intervencionismo estatal tinham ficado para trás. Voto contrário à reforma da Previdência, à PEC do Teto de Gastos e às privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso, o então deputado Bolsonaro vestiu o liberalismo econômico para vencer as eleições. Apesar das ponderações de Guedes, o presidente não resistiu às tentações do primeiro plano fardado que lhe apresentaram, no maior desafio da história recente do país.

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