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Onde estão os empregos

Apesar da crise e do recorde de pessoas sem trabalho — nada menos que 13,2 milhões de brasileiros —, ainda há setores, em todo o país, que dispõem de vagas

Por Lucas Cunha
Atualizado em 26 jun 2019, 15h38 - Publicado em 14 jun 2019, 07h00

O cenário é alarmante, ninguém duvida, e os dados divulgados pelos órgãos governamentais traduzem, com a objetividade fria mas inquestionável dos números, o tamanho do problema, vale dizer, do drama: em todo o país há 13,2 milhões de brasileiros sem trabalho. Somando-se esse total com o de pessoas que gostariam de trabalhar mais horas e o de desalentados — aqueles que desistem de buscar um ofício por mais de trinta dias —, chega-­se a 28,4 milhões de cidadãos subutilizados. Trata-se de um triste recorde desde que a série histórica foi iniciada, em 2012, por iniciativa do Ministério do Trabalho. Com a economia acuada à espera da reforma da Previdência, o clima de desânimo se espalha. A boa notícia, porém, é esta: há vagas no mercado.


(Emiliano Capozoli/VEJA)

EDUCAÇÃO
Nome: Gisela Pinheiro Monteiro
Idade: 45 anos
Novo emprego: Professora de design no Instituto Infnet
Local: Rio de Janeiro/RJ
Novo salário: 3 000 reais
Mês de contratação: Janeiro/2019
“Onde eu trabalhava estão contratando professores por um salário menor. Eu estava cara para a empresa.”


O Caged, índice calculado pelo Ministério da Economia que mostra o saldo de empregos formais no Brasil — o popular “contrato com carteira assinada” —, atesta que mais de 313 000 vagas foram criadas nos quatro primeiros meses do ano. E dados compilados pelo LinkedIn, rede social com foco no mercado de trabalho, informam que existem mais de 400 000 oportunidades abertas no país. Naturalmente, diante dos 13,2 milhões de desempregados, o número de vagas se revela modestíssimo. No entanto, tomado em si mesmo, não se pode negar que seja um volume expressivo de oportunidades.

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A dificuldade de encontrar uma ocupação digna é clara: em meio à escassez, os postos de trabalho se diluem de modo heterogêneo. Entre as vagas formais criadas, segundo o Ministério da Economia, mais de dois terços — ou 239 741 delas — estão no setor de serviços. Isso significa que o mercado está mais aberto a contratar quem se dedica, principalmente, às áreas de saúde e educação; contudo, há espaço também para quem, na mesma área, lida com transporte, alimentação, hotelaria e comunicação.

(./.)

O médico paulistano Leonardo Faleiro, de 33 anos, aproveitou essa situação para conseguir, no mês passado, seu primeiro emprego com carteira assinada desde 2016. Com especialização em psiquiatria, ele passou os últimos três anos contratado como pessoa jurídica (PJ), não tendo, assim, nenhum benefício trabalhista. Graças a um concurso público, Faleiro começou a trabalhar, no fim de maio, em dois postos de saúde do município de Santana de Parnaíba, em São Paulo. Na quinta-feira 13, recebeu mais um convite, agora de uma UPA na capital paulista. Somadas as três novas ocupações, vai ganhar 14 400 reais por mês. Continuará, assegura ele, dentro do possível, a atender em clínicas particulares e a manter seu canal no YouTube para complementar os rendimentos. “A maior estabilidade e as vantagens da CLT, como férias, décimo terceiro e plano de saúde, compensam”, afirma o médico.

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Nem sempre a contratação é sinal de pujança econômica de quem emprega. A carioca Gisela Pinheiro Monteiro, de 45 anos, é um exemplo de como as novas oportunidades podem refletir, no fundo, uma política de corte de custos por parte dos empregadores. Professora de design, ela foi demitida em junho de 2018, depois de ter trabalhado por oito anos em uma universidade particular, que iniciou um processo de substituição de profissionais considerados caros — ela ganhava 7 000 reais mensais — por outros menos experientes e com salário mais baixo. Desempregada, Gisela passou por uma série de processos seletivos até ser admitida pelo Instituto Infnet, em janeiro. Sua renda, todavia, diminuiu para 3 000 reais por mês, porque, como novata no emprego, não conseguiu obter um número de aulas que pudesse melhorar seu salário.

Em certos setores, a qualidade se impõe à quantidade, com o objetivo de aumentar a produtividade e reduzir os custos. Nesse cenário, os indivíduos com maior nível de escolaridade encontram maior facilidade para conseguir e manter seu emprego. Não à toa, a Região Sudeste foi a que mais teve contratações entre janeiro e abril — 186 923, mais da metade do total —, exatamente porque ela possui mão de obra mais qualificada e economia mais desenvolvida quando comparada às outras regiões do país. Sul e Centro-­Oeste vieram logo em seguida, com saldo de 123 933 e 54 876 empregos formais criados, respectivamente, enquanto Norte e Nordeste amargaram decréscimo de 3 992 e 47 905 postos de trabalho no mesmo período.


(Jonne Roriz/VEJA)

TECNOLOGIA
Nome: Luciana Gomes Scarpato
Idade: 33 anos
Novo emprego: Engenheira de inteligência artificial na startup Olivia
Local: São Paulo/SP
Novo salário: Cerca de 13 mil reais
Mês de contratação: Abril/2019
“Queria mudar de carreira, e o estudo abriu as portas para mim. Estou no melhor momento profissional de minha vida.”


Diante disso, se a ideia for aproveitar a crise para investir em educação e eventualmente mudar de carreira, a aposta deve ser no setor de tecnologia da informação (TI). De acordo com o LinkedIn, existem hoje mais de 200 000 vagas para profissionais versados em programação para computadores. Na verdade, o problema do setor é o oposto do desemprego: faltam bons profissionais para preencher a extraordinária quantidade de vagas abertas. Que o diga a paulista Luciana Gomes Scarpato, que após anos trabalhando como auxiliar administrativa decidiu aprender a programar na linguagem Java e, em 2015, ingressou em uma especialização em Big Data na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). A carreira decolou, e atualmente ela pode escolher onde vai trabalhar, tantas são as propostas que recebe. Aos 33 anos, Luciana foi recrutada como engenheira de inteligência artificial, em abril, pela startup Olivia, que desenvolveu um aplicativo de gestão de finanças pessoais. “Estou na melhor fase profissional da minha vida”, comemora ela.

Felicidade de uns, problema de outros: os recrutadores têm tanta dificuldade de encontrar o profissional ideal nesse ramo que muitas vezes precisam treinar os próprios empregados. “Há muita procura para pouca oferta de pessoas capacitadas; os currículos não estão à altura dos cargos”, constata Milton Beck, diretor-geral do ­LinkedIn para a América Latina.

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Em situações econômicas adversas, a informalidade desempenha um papel fundamental para garantir o sustento da população. Pequenas e médias companhias fazem contratações sem carteira assinada, pois não conseguem arcar com os altos encargos sociais e a burocracia para contar com um trabalhador formal — em que pesem as mudanças feitas em 2017 na legislação trabalhista, que volta a ser alvo de questionamentos (veja a reportagem). São 11,2 milhões de brasileiros que vivem essa realidade, segundo o IBGE. Outra categoria em ascensão são os autônomos, que correspondem a 48% do aumento na população ocupada. Nesse grupo, estão cerca de 23,9 milhões de brasileiros, que trabalham por conta própria em diversas atividades, como profissionais de beleza (cabeleireiro, manicure etc.), corretores financeiros e, é claro, os que se dedicam aos serviços oferecidos por empresas de aplicativos. Essas plataformas digitais — sobretudo nas áreas de transporte e logística, como Uber e Rappi — costumam ser a única fonte de renda de quase 4 milhões de brasileiros. “As pessoas se sujeitam a essa condição porque encontram dificuldades para conseguir um emprego formal e precisam de dinheiro para sobreviver”, afirma Otto Nogami, professor de economia do Insper.

(Emiliano Capozoli/VEJA)

AUTÔNOMO
Nome Marcio: Phelipe Fernandes
Idade: 25 anos
Novo emprego: Motorista para Uber, Cabify e 99
Local: Petrolina/PE
Novo salário: Cerca de 3 500 reais
Mês de contratação: Janeiro/2019
“Sem emprego, vi o aplicativo como uma alternativa para continuar trabalhando sem precisar sair da minha cidade.”

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Foi o que aconteceu com o pernambucano Marcio Fernandes, 25 anos. Quando a fábrica de eletrodomésticos na qual batia ponto em Petrolina deixou de funcionar, em janeiro de 2018, ele recebeu a proposta de trabalhar na unidade de Recife. Sem ter vantagens na mudança, pediu as contas e abriu uma loja — mas o negócio não decolou. Em janeiro deste ano, Marcio resolveu experimentar a vida de motorista de aplicativo. À noite e nos fins de semana, ele roda por Petrolina durante cerca de oito horas, e essa se tornou sua principal fonte de renda. Marcio consegue tirar cerca de 3 500 reais por mês, que soma aos 1 000 reais que entram da loja. “Tenho a possibilidade de um ganho bom, comparado ao de quem trabalha muito mais e ganha um salário mínimo”, explica.

Para que as atividades econômicas voltem a prosperar no Brasil, é preciso que o governo sinalize seu incontornável compromisso de equilibrar as contas, transmitindo assim confiança aos potenciais investidores. Seguir os passos tomados no além-mar pode ser um bom começo. Na década passada Portugal entrou em um amargo período de recessão, com uma dívida pública que ultrapassava 90% do PIB no fim de 2010. O desemprego bateu em 16,3% em 2013. Para combater a crise, o governo do primeiro-ministro conservador Pedro Passos Coelho tomou medidas que visavam a dar uma guinada na economia, com altos cortes em aposentadorias, saúde e educação e congelamento de salários, além de aumento de impostos e elevação do número de horas trabalhadas pelos servidores públicos. Com o propósito de ajudar os desempregados de modo mais imediato, foram criadas agências que orientavam essa população na busca por trabalho e ainda ofereciam apoio psicológico. O país é, atualmente, exemplo para quem enfrenta tormentas semelhantes. “Portugal adotou medidas fundamentais para atrair investimentos e deslanchar a economia”, destaca o professor William Eid Junior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas. Enquanto isso não acontece por aqui, resta ao brasileiro buscar as ofertas de trabalho que existem. São escassas, repita-se, comparadas com o número de desempregados. Porém, sim: há vagas.

Com reportagem de Victor Irajá

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Publicado em VEJA de 19 de junho de 2019, edição nº 2639

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