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Offshore enfraquece defesa de propostas de Guedes

Conta em paraíso fiscal do ministro da Economia foi relatada às autoridades, mas abre espaço para contestações de projetos e ideias na gestão da pasta

Por Victor Irajá Atualizado em 4 out 2021, 17h00 - Publicado em 4 out 2021, 14h23

O famoso provérbio “à mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta” tem origem numa história relatada pelo biógrafo grego Plutarco. Em uma festividade em homenagem à deusa romana da fertilidade, Pompeia Sula, mulher de Júlio César, então pontífice máximo de Roma, foi a anfitriã do evento. A única exigência do marido era que apenas mulheres participassem da cerimônia. Porém, um jovem patrício chamado Públio Clódio Pulcro adentrou aos aposentos travestido de mulher, com o aparente objetivo de cortejar Pompeia. Acusado de sacrilégio por César, não havia provas contra o jovem. Muito menos, vale dizer, contra Pompeia, o que levou Clódio a ser juridicamente considerado inocente. César, porém, pôs fim ao casamento com Pompeia, e justificou a decisão, no julgamento do caso, dizendo “minha mulher não deveria nem estar sob suspeitas”. Eis, portanto, a diretriz que serve há séculos para guiar os homens públicos. Apesar de declarada e divulgada à Comissão de Ética, a manutenção de conta offshore nas Ilhas Virgens Britânicas por parte do ministro da Economia, Paulo Guedes, afeta a sua atuação.

O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 2000, afirma que membros do alto escalão são proibidos de manter aplicações financeiras sujeitas às políticas governamentais. No caso das contas Guedes e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como reveladas pela investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e publicado pelo jornal El País e pela revista Piauí, suas decisões acabam impactando seus investimentos de forma direta. Além de Guedes, apenas os nomes de ministros da Economia de três outros países foram encontrados na investigação que foi chamada de Pandora Papers, os de Gana, Cazaquistão e Paquistão.

À máxima de César, o ex-secretário de Receita Federal, Everardo Maciel faz um adendo: “Ao funcionário público, não basta ser honesto, tem de parecer honesto. E que seja exemplar”. Em entrevista a VEJA, Maciel afirma que paraísos fiscais são o principal problema da tributação global e defende que, apesar de não se tratar de mecanismo necessariamente ilegal, não é de bom tom para o ministro da Economia manter uma conta fora do país. “Ter negócio em paraíso fiscal constitui infração? Depende. Foi declarado com precisão à Receita, e, a depender do valor, ao Banco Central? A origem é lícita? Se sim, não tem impropriedade”, afirma ele.

O ex-secretário, porém, aponta as incongruências no discurso e nas ações do ministro da Economia. “Guedes quer tributar dividendos no Brasil, com dinheiro no exterior. Como faz? Fica esquisito”, afirma. “Do ponto de vista de uma boa prática pública, ele deveria ter feito como o ex-ministro Henrique Meirelles, que, ao assumir a função, afastou-se dos negócios e colocou uma gestão independente para administrar os investimentos, sem saber o que acontece, sob o véu da ignorância”, diz.

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Apesar de legal, a manutenção da conta virou pilar de contestações sobre a política econômica do ministro. “Existe um virtual conflito de interesses. Ficou mal para a imagem do ministro e não tem conserto. Essa mácula será eterna para a imagem pública de Guedes”. Virará mote de questionamentos a iniciativa proposta pelo ministro na reforma do Imposto de Renda de facilitar a tributação de recursos de pessoas físicas no exterior. A iniciativa caiu por terra no relatório do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) que foi aprovado na Câmara.

É leviana e pouco racional, dentro do grau de responsabilidade e de cobranças em seu cargo, qualquer acusação de que o ministro poderia ter deliberadamente deixado a cotação da moeda americana se elevar para lucrar com investimentos no exterior. Por outro lado, abre-se espaço para críticas a um ministro que já defendeu uma oscilação do câmbio em patamares mais altos que ele mantenha ativos dolarizados. Em 2019, ainda antes da pandemia fazer com que a moeda americana ultrapassasse os 5 reais, Guedes afirmou que as novas diretrizes para o câmbio e juros haviam vindo para ficar. “É bom se acostumar com juros mais baixos por um bom tempo e com o câmbio mais alto por um bom tempo”, afirmava ele. Graças à desvalorização do real em relação ao dólar, os 35 milhões de reais investidos em agosto de 2015 ganharam corpo e se tornaram um investimento de mais de 51 milhões de reais. A opinião pública talvez não seja tão leniente quanto os tribunais romanos, mas pode ser implacável como César.

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