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O Brasil dos índices e o Brasil do supermercado

Para os economistas ouvidos no programa Mercado a maior parte dos brasileiros ainda não sente no bolso a melhora das estatísticas

Por Veruska Costa Donato 5 dez 2025, 15h44

O ministro da fazenda, Fernando Haddad, tem repetido que o Brasil vive um momento econômico excepcional. Com base em projeções do próprio Banco Central e de casas do mercado, o ministro da Fazenda afirma que o governo Lula deve encerrar o mandato com crescimento médio de 2,8%, o melhor desde FHC 1, “perdendo apenas para ele mesmo”. Na vitrine, expõe ainda uma combinação rara: desemprego médio de 6,6%, taxa na margem em 5,4%, informalidade e subutilização em queda e renda média recorde, em torno de R$ 3.507. De quebra, diz que a inflação dos quatro anos será a menor da história “do Império à República”. É a narrativa do “melhor dos mundos”: mais empregos, mais renda, menos inflação.

Os números, porém, merecem ressalvas importantes. André Braz, pesquisador de inflação do FGV/Ibre, reconhece que o quadro é, sim, melhor do que o dos últimos anos — mas longe de ser idílico. Ele lembra que o país saiu de um período de hiperinflação pré-Plano Real, atravessou a pandemia, crise hídrica e choques geopolíticos, o que torna qualquer comparação solta com “toda a história” pouco rigorosa. E puxa um dado incômodo: entre 2020 e outubro de 2025, os alimentos consumidos em casa subiram bem mais que o índice cheio, abrindo ferida no orçamento das famílias. A trégua recente na inflação da comida é bem-vinda, admite, mas ainda insuficiente para o brasileiro médio dizer, com honestidade, que “alimentação deixou de ser um desafio”.

Na prática, a fotografia é dupla: de um lado, inflação corrente mais comportada e desemprego menor; de outro, um acúmulo de aumentos passados que ainda pesa no carrinho de supermercado. Braz resume o dilema: o governo colhe bons números, mas o desafio agora é sustentar esses resultados por mais tempo, até que eles se convertam em bem-estar perceptível. Sem isso, a estatística melhora, mas a sensação de aperto continua.

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Do lado das finanças e dos mercados, o economista Victor Borges, da Manchester Investimentos, aponta outro ponto cego da narrativa oficial: o custo de produzir esses resultados. Para ele, o governo faz o que governos fazem — usa bons indicadores como palanque —, mas omite o preço embutido: dívida pública em trajetória de volta à casa dos 90% do PIB, gasto em alta e uma Selic que foi levada a 15% ao ano para segurar a inflação num ambiente fiscal pouco disciplinado. Com juro real elevado, câmbio que não se fortalece como poderia e custo de capital caro, o efeito sobre a economia real aparece na forma de crédito restrito, custo de produção alto e alívio lento no bolso do consumidor.

Borges lembra ainda que parte do bom humor recente dos ativos brasileiros — bolsa em alta, dólar mais comportado — tem explicação fora de Brasília. A melhora de cenário em mercados emergentes, a expectativa de corte de juros nos Estados Unidos e a reprecificação global de risco ajudam a empurrar o Brasil junto com outros países. “Não é uma exclusividade nossa”, observa. Na avaliação dele, o país poderia estar em posição bem melhor se tivesse feito um mínimo de controle de gastos, evitando chegar a juros tão altos e a uma moeda ainda frágil, mesmo com o dólar perdendo força lá fora.

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Na ofensiva retórica, Haddad também não poupou os economistas, criticando previsões “reiteradamente erradas” e sugerindo que quem erra muito deveria ser menos ouvido. André Braz rebate com elegância: projeções, por definição, trabalham com dados do passado e sempre vão conviver com incerteza. O papel da boa análise, diz ele, é orientar o debate — não prometer acerto milimétrico. E lembra um ponto central: política fiscal e política monetária precisam caminhar na mesma direção. Quando o governo pisa no acelerador do gasto ao mesmo tempo em que o Banco Central freia com juros, o resultado é um cobertor curto: parte do ganho de renda é comida pela inflação e outra parte, pelo custo do crédito.

No fim, tanto Braz quanto Borges convergem em uma mensagem incômoda para o governo: os indicadores melhoraram, o discurso oficial explora isso no limite, mas a percepção de bem-estar segue atrasada. A distância entre o Brasil dos índices e o Brasil do supermercado ainda é grande. E é justamente nessa fenda — entre a estatística e o dia a dia — que se decidirá se a narrativa de “prosperidade histórica” vai resistir ao teste mais duro de todos: o do eleitor com a sacola de compras na mão.

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