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No combate à pobreza, o melhor a fazer é abandonar as fórmulas prontas

Em entrevista ao site de VEJA, o economista Abhijit Banerjee, do MIT, fala sobre seu livro que propõe uma revisão radical das políticas sociais no mundo

Por Beatriz Ferrari
6 jan 2012, 22h55

Os economistas Abhijit Banerjee, indiano, e Esther Duflo, francesa, ambos pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, passaram quinze anos de suas vidas em visitas a países em desenvolvimento para entender como vivem as 865 milhões de pessoas que ganham até 99 centavos de dólar por dia. Em uma de suas viagens, eles conheceram um fazendeiro marroquino chamado Oucha Mbarbk. Seguindo o extenso roteiro de perguntas que daria embasamento à sua pesquisa acadêmica, os economistas lhe questionaram: “O que você faria se tivesse um pouco mais de dinheiro?”. Mbarbk respondeu imediatamente que compraria comida. “E se tivesse mais dinheiro ainda?”, insistiram. O fazendeiro não hesitou em dizer que compraria comidas melhores e mais gostosas. Banerjee e Duflo começaram a se sentir mal por seu entrevistado e sua família até que notaram uma TV, acompanhada de antena parabólica e um aparelho reprodutor de DVDs. Questionaram então porque o fazendeiro tinha comprado tudo aquilo se não tinha dinheiro suficiente para comer. Ele riu e respondeu: “Ah, mas televisão é mais importante que comida”.

A anedota ilustra um aspecto frequentemente esquecido por governos e instituições humanitárias na hora de propor políticas para a redução da pobreza no mundo: as pessoas que serão alvo destes programas possuem aspirações, esperanças e opiniões próprias. Logo, precisam ser consultadas sobre o que pensam e o que querem da vida. Caso contrário, uma solução pronta, colocada como panaceia para todos os males, corre o risco de virar puro dinheiro jogado fora. Banerjee e Esther defendem estas ideias no livro “Poor Economics: a Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty” – “A Economia da Pobreza: uma Revisão Radical da Maneira de Combater a Pobreza Global”, em tradução livre; Editora PublicAffairs; 320 páginas; ainda sem lançamento no Brasil. Publicada em 2011 nos Estados Unidos, a obra foi eleita um dos livros do ano na categoria Economia e Negócios pela revista The Economist e o livro de negócios do ano pelo jornal britânico Financial Times. Munidos de extensa pesquisa e uma coleção de histórias curiosas, os economistas defendem uma mudança radical na formulação das políticas sociais, baseada num princípio fundamental: o abandono das fórmulas consagradas e dos clichês a respeito dos pobres.

Por que um homem em Marrocos que não tem dinheiro suficiente para comer compra uma televisão? Por que é tão difícil para a criança pobre aprender mesmo quando vai à escola? Por que algumas pessoas só conseguem poupar quando tomam dinheiro emprestado? Por que, em muitos casos, é preferível investir no tratamento de doenças que na profilaxia? Os economistas respondem essas perguntas a partir de evidências numerosas colhidas junto a governos, ONGs, ativistas, servidores públicos de saúde e educação, microfinanciadores e, principalmente, a população. Os dados partiram do que eles chamam de testes controlados randômicos – isto é, aplicados em comunidades escolhidas a esmo, sem nenhuma diferenciação sistemática entre elas. Os resultados da pesquisa jogam por terra verdades prontas sobre políticas de educação, saúde e segurança alimentar, bem como sobre os propalados milagres do microcrédito. Banerjee falou com exclusividade ao site de VEJA sobre o que os autores aprenderam durante o processo de pesquisa.

Poor Economics” tenta fugir das discussões macroeconômicas para focar no conhecimento da vida dos pobres em um dado local. Como essa abordagem pode ser mais eficiente na formulação de políticas de redução de pobreza que aquela baseada, como aponta o livro, em debates polarizados – isto é, que buscam respostas em discussões que contrapõem, por exemplo, uma saída neoliberal versus outra de cunho intervencionista?

O erro universal das políticas antipobreza é que elas são feitas sem pensar na maneira como os pobres levam suas vidas e o jeito que veem o mundo. Essas discussões polarizadas pecam porque gastam demasiada energia em questões como “quanto de intervenção deveria existir?” ou “deveríamos ser neoliberais ou não?”. É errado gastar tempo e dinheiro nos princípios gerais do neoliberalismo ou do intervencionismo. O que precisamos é construir o conhecimento a partir do detalhe, da evidência. Precisamos saber qual é o verdadeiro problema a ser enfrentado, o que sabemos sobre ele, como coletar os dados corretos e aplicar experimentos de larga escala desenhados para testar teorias. Por meio desse processo é possível medir o efeito do que está sendo proposto. Um único experimento não fornece uma resposta final sobre o funcionamento das propostas, mas uma série deles, conduzidos em locais diferentes, leva a conclusões robustas. Caso contrário, continuaremos debatendo, debatendo, para, na maioria das vezes, não chegar a lugar nenhum. É preciso pensar muito mais no problema em si e não sobre princípios gerais.

No livro, é discutida a validade de políticas de transferência de renda como o Bolsa Família, que estabelece algumas condições para que as pessoas tenham acesso aos benefícios. Como o senhor avalia o programa brasileiro?

Os resultados e impactos do Bolsa Família nunca foram propriamente avaliados pelo governo brasileiro, o que, a essa altura, representa uma falha. Logo, fica difícil para qualquer pesquisador posicionar-se sobre ele. Outros programas semelhantes, como os do México ou do Malaui, foram avaliados de forma correta e vemos efeitos significativos. No caso mexicano, os dados mostraram que o projeto melhorou a educação, fez com que as pessoas se preocupassem mais com o futuro e ficassem menos expostas a riscos. Cabe ao Brasil realizar também uma avaliação apropriada de seu programa. Aí, minimamente, algumas questões teriam de ser respondidas: quantas crianças estão na escola, quantas estão imunizadas, se os pais estão menos deprimidos, se a família se sai melhor quando passa por problemas financeiros, etc. É preciso olhar para outros resultados além da redução da pobreza. Sou daqueles que esperam ansiosamente por entender o Bolsa Família em profundidade.

Nas políticas de educação, vocês constataram que em alguns países há escolas, as crianças estão matriculadas e existe demanda por mão de obra qualificada. Ainda assim, não há aprendizado. Por quê?

As políticas educacionais têm sido tema de intenso debate sobre se o governo deve ou não intervir. As expectativas normalmente estão no lugar errado. Colocar as crianças na escola é um primeiro passo, mas não adianta se elas não estiverem aprendendo. É preciso entender muito bem a região onde essa política será aplicada, o quão difícil é para as crianças daquele lugar aprenderem, e o que significa ser a única criança educada em uma família de analfabetos. Também é necessário averiguar se os professores estão presentes em sala de aula, se há procura por mão de obra educada, se essa demanda tem algum efeito sobre as taxas de matrícula, etc. As crianças pobres não são menos brilhantes que as outras. Em vez de aplicar fórmulas prontas, o formulador de políticas públicas precisa ter em mente que é preciso ajudá-las no exato ponto que necessitam para realmente aprender. Elas são seres humanos únicos. Ninguém consegue ensinar uma criança idealizada.

O livro descreve a saúde como uma área em que, da mesma forma que há grandes promessas, enfileiram-se as frustações. Vocês constataram que existem muitas políticas preventivas disponíveis – de vacinas a purificadores de água e redes de dormir para proteção contra mosquitos – que as pessoas resistem a adotar. Por que muitos povos preferem a cura à prevenção, mesmo sabendo, conforme atestado no livro, que prevenir é melhor?

É que os benefícios da prevenção são difíceis de ver. A profilaxia não conserta um problema já existente, mas protege contra problemas lá no futuro. Nem todo mundo que não foi imunizado contra determinada doença vai contraí-la. Então, se você não é tão educado, terá mais dificuldade para fazer essa ponte entre a prevenção e a ausência da doença. Além disso, medidas de precaução só funcionam para algumas enfermidades. Eu, por exemplo, vivo tomando vacinas, mas ainda assim fico doente o tempo todo. Tenho febre, gripe, dor de garganta, etc. Enfim, muita gente se sente “traída” pelas políticas de prevenção. As pessoas mais pobres também nem sempre entendem o papel que um conjunto de técnicas desempenha para prevenir doenças. Elas tomam uma simples vacina e já acham que cumpriram seu dever. Outro ponto é que é fácil ver os benefícios da cura. Já os da prevenção… Nunca pensamos que os remédios estão nos fazendo mal. Pelo contrário. Em resumo, a falta de demanda por técnicas preventivas mostra que as saídas nem sempre estão nos lugares esperados, e as pessoas nem sempre sabem encontrá-las. É preciso aprender com as evidências.

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Por que é tão complicado emprestar aos mais pobres?

Simplesmente porque eles não têm garantias a oferecer. Então, não é possível dar um empréstimo grande. É preciso conceder crédito em pequenas quantias, mas os custos de financiamentos pequenos são muito altos. Para que aceite emprestar aos pobres, uma instituição financeira tem de buscar dados importantes sobre esses clientes em potencial, como, por exemplo, o que fazem, quais as fontes de renda, ondem moram, etc. Vamos supor que custe um dólar para um banco descobrir e manter essas informações. Se ele empresta 5.000 dólares, esse valor é irrisório. Mas se o valor é dois dólares, trata-se de um custo proporcional altíssimo.

O livro é cheio de anedotas e histórias curiosas sobre as pessoas que vocês conheceram e entrevistaram nos últimos quinze anos. Se o senhor pudesse destacar apenas uma história, qual escolheria?

Gosto de destacar uma história sobre financiamento para os pobres. Encontramos uma mulher na Índia que pegou um microcrédito com juro de 24% ao ano – o que é até barato para essa categoria de empréstimo. Ela nos disse que colocou a quantia imediatamente no banco, em uma aplicação na qual conseguia 4% de retorno. Isso é uma loucura! Emprestar dinheiro para colocar no banco. Por que alguém faria isso? Nós perguntamos a ela e a resposta foi direta: “É muito simples. Se eu tentar depositar meus quatro dólares no banco, eles não vão aceitar. Mas se colocar 200 dólares, eles aceitarão. Não posso poupar dinheiro em casa. Eu preciso de um banco.” Estava claro que ela estava perdendo dinheiro, mas esse é o jeito dela de ter uma conta bancária.

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