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Na reta final de 2023, economia brasileira dá sinais de perda de fôlego

A expectativa de crescer 3% em 2023 já ficou para trás. Para romper o ciclo de mediocridade, é preciso cuidar das contas públicas

Por Pedro Gil, Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 09h51 - Publicado em 24 nov 2023, 06h00

O Botafogo viveu um sonho em 2023. Depois de amargar três rebaixamentos nos últimos anos, o time dominou o Campeonato Brasileiro de futebol com um desempenho avassalador. A certa altura, a distância para o segundo colocado chegou a ser de (quase) inalcançáveis 13 pontos. Parecia questão de tempo: o clube voltaria a ganhar um título nacional após 28 anos. O ímpeto, contudo, minguou nas últimas rodadas e a conquista, que parecia assegurada, agora está sob ameaça de outros postulantes. Essa comparação futebolística, tão ao gosto do presidente Lula, infelizmente se assemelha à da economia brasileira em 2023. No início do ano, ninguém diria que o Botafogo seria capaz de disputar o troféu nacional, já que o desempenho nos anos recentes era medíocre. Da mesma forma, parecia improvável que a economia cresceria acima de 1% diante das desconfianças que pairavam sobre o novo governo. Mas o novo arcabouço fiscal foi aprovado, a reforma tributária andou e a supersafra de grãos semeou o avanço do Produto Interno Bruto. As projeções de crescimento melhoraram — apontaram até mais de 3% de expansão. Na reta final, contudo, o Brasil vai chutando bolas para fora e, tal qual o Botafogo, mostra perda de fôlego para entregar o que estava prometido.

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SOB CONTROLE - Roberto Campos Neto: inflação contida abre mais espaço para novos cortes de juros pelo Banco Central (Ton Molina/Bloomberg/Getty Images)

Segundo o IBC-Br, indicador que é considerado uma prévia da evolução do PIB, a economia brasileira encolheu 0,06% em setembro comparada a agosto, contrariando as expectativas de crescimento, que eram de pelo menos 0,2%. Além do arrasto negativo para o quarto trimestre (o que pode resultar até em uma recessão técnica), o número sugere que o avanço da atividade econômica fique mais perto dos 2,5% em 2023. Entre os conservadores, já se fala em variação do PIB de 2%, o que seria uma tremenda decepção diante da aposta do governo de que cresceria 3,2% no ano. Afinal, o que houve? Diversos fatores explicam o movimento. O setor de serviços, antes vigoroso, perdeu força. Impactado pela alta inadimplência e o crédito caro, o consumo não trouxe a pujança esperada. Por sua vez, o agro não foi mais aquela maravilha do início de ano. E, claro, há o temerário quadro de incertezas fiscais, que só traz desconfiança. “As projeções de crescimento foram feitas quando os números superaram as expectativas no primeiro semestre do ano”, disse a VEJA o economista e ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira. “Agora, existe um ajuste na direção da verdade.”

O governo ainda não chegou naquele estágio em que a descrença ameaça frear o “espírito animal” dos empresários, para usar uma expressão consagrada pelo economista e ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, e que traduz o apetite por investimentos do setor produtivo. No mercado financeiro, contudo, há crescente desconforto com os desígnios econômicos do país. Uma nova pesquisa realizada pela Genial/Quaest não deixou dúvidas sobre isso: 77% dos 100 gestores, analistas e profissionais do ramo entrevistados no levantamento consideram a política fiscal inadequada o principal problema econômico do país. Além disso, 55% deles acreditam que a economia brasileira deverá piorar nos próximos doze meses.

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Uma parte considerável das preocupações deve ser atribuída à política fiscal. Na quarta-feira 22, o Ministério da Fazenda informou que o déficit primário — ou o rombo das contas públicas, em bom português — em 2023 deverá ser de 177 bilhões de reais. Trata-se de uma piora inequívoca das expectativas. Em setembro, na previsão anterior, o tombo era de 141 bilhões, já elevadíssimo, portanto. Nesse contexto, ninguém mais acredita na realização de déficit zero em 2024, conforme promessa feita pela equipe econômica. A pesquisa da Genial/Quaest traduz tal suspeição – absolutamente todos os pesquisados disseram ser impossível zerar as contas públicas no ano que vem. Como os números não estão fechando, o governo anunciou um bloqueio adicional de 1,1 bi­lhão de reais no orçamento deste ano. Em 2023, o valor total dos bloqueios de despesas chegará a 5 bilhões de reais, com possibilidade nada desprezível de aumentar até 31 de dezembro.

Antes de a realidade se impôr, o presidente Lula e aliados próximos sugeriram revisar a meta fiscal do ano que vem, justamente para ter espaço para novos gastos. Naquele momento, ficou claro para todos que o governo desejava ter licença para gastar, pouco se importando com o equilíbrio das contas públicas. A sinalização de que a administração federal desistiu da meta fiscal foi mal recebida pelo mercado financeiro, por empresários e economistas — e o que se vê agora é a redução das expectativas em relação ao potencial de crescimento do país. Não custa lembrar: o desequilíbrio fiscal afeta a credibilidade do governo e, no final das contas, ameaça o desenvolvimento econômico por disseminar incerteza entre os investidores.

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NO CAMPO - Produção de soja: o agronegócio foi responsável por impulsionar o PIB no começo do ano (Andressa Anholete/Bloomberg/Getty Images)

Uma corrente de especialistas também atribuiu a falta de ímpeto do PIB às taxas de juros elevadas. “A política monetária restritiva dificulta o crescimento”, diz Juliana Trece, coordenadora do Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV). Atualmente, a Selic está em 12,25% ao ano após passar meses em campo ainda mais restritivo — 13,75%. Sim, tal medida é um obstáculo para a expansão, mas é assim que se combate a inflação, um risco que, agora, graças à liderança de Roberto Campos Neto no Banco Central, está sob controle.

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NA RUA - Comércio em São Paulo: crédito caro e inadimplência alta abatem o consumo (Renato S. Cerqueira/Futura Press)

Em outubro, o IPCA cresceu 0,24%, ou 4,82% nos últimos doze meses. Como efeito de comparação, em 2022 a inflação oficial do país fechou em 5,78%. “A redução da taxa de juros demora um ano para ter efeito”, diz Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central. O Brasil, registre-se, lidera o ranking dos juros reais mais altos do mundo, aquele que leva em consideração a taxa nominal e a expectativa de inflação para os próximos doze meses.

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Apesar da perda de fôlego, é preciso reconhecer que nem tudo está perdido. Além da queda da inflação, que deverá continuar derrubando os juros, a desvalorização do dólar, cuja cotação caiu 3,5% desde o fim de setembro, ajuda a conter a escalada dos preços. O movimento reflete mais entrada do que saída de moeda estrangeira, dado o excelente desempenho das exportações, que deverão apontar para um saldo positivo recorde na balança comercial deste ano, de 60 bilhões de dólares. Há também a reta final do processo de aprovação da reforma tributária, a perspectiva positiva de nova safra de grãos no ano e os bons índices de emprego. “O mercado de trabalho está robusto”, diz Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário de Planejamento. “Devemos encerrar o ano com uma taxa de desemprego baixa, de 7,5%.” Ainda assim, é fato que estamos distantes de romper o ciclo de mediocridade que vem marcando a trajetória da economia brasileira há anos. Para o Brasil chegar ao lugar que merece, será preciso fazer muito mais.

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Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869

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