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Matança de visons põe em xeque a indústria de casacos de pele na Dinamarca

A pandemia desperta a atenção do país para um negócio bilionário que encobre o sofrimento de animais

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h21 - Publicado em 20 nov 2020, 06h00

Há algo de podre no reino da Dinamarca, segundo disse o personagem Marcellus, em Hamlet, peça escrita por Shakespeare quatro séculos atrás. Pelo que foi revelado nas últimas semanas, continua havendo. Ao identificar uma possível mutação do Sars-CoV-2, o vírus da Covid-19, em um pequeno mamífero de pelo macio, o governo determinou que todos os 17 milhões existentes no país fossem abatidos. O animal em questão é o vison, também chamado de mink, cuja criação se dá basicamente para suprir o mercado de peles. Quando uma cepa do vírus relacionada ao bicho foi detectada em doze moradores do interior da Dinamarca, as autoridades sanitárias, com o apoio da polícia e das Forças Armadas, entraram nas fazendas e deram início ao abate.

Na primeira semana de novembro, quase 3 milhões de animais tinham sido sacrificados e incinerados, informou a rede BBC. O serviço dantesco já estava concluído em 116 fazendas, de uma cooperativa de 1 500, quando a primeira-ministra Mette Frederiksen admitiu que a decisão fora apressada e que não havia base legal para matar os animais que estavam saudáveis. Ainda assim, o governo está encorajando os fazendeiros a prosseguir com o abate, prometendo compensações financeiras aos mais de 3 500 trabalhadores do setor. Emma Hodcroft, geneticista da Universidade da Basileia, na Suíça, explica que a forma insalubre como os animais são criados, amontoados em espaços superlotados, compromete seu sistema imunológico e facilita a mutação e propagação do vírus. “A decisão rígida de abatê-los não se baseia apenas nas possíveis mutações, mas também na contenção da transmissão”, explica a cientista.

Há poucos dias, o governo se reuniu com membros da oposição para rediscutir o tema. Ficou pré-acordado que os fazendeiros terão de extinguir a criação de visons até o fim de 2021. Já aqueles que concordassem com o abate imediato receberiam, além da reparação pelo prejuízo comercial, um bônus de 30 coroas dinamarquesas (cerca de 25 reais) por unidade. A medida drástica é justificada pelo temor de que mutações em outras espécies possam ampliar a letalidade do novo coronavírus, como ocorreu com a chamada gripe suína em 2009. O que não encontra justificativa é um país nórdico desenvolvido ainda dar suporte a uma indústria há anos banida da maioria dos países da Europa, incluindo o Reino Unido.

O vison não é domesticável como seu parente próximo, o furão, mas ainda é mantido em cativeiro apenas para servir à indústria de moda e beleza — recentemente, cílios postiços feitos de sua pelagem ganharam popularidade. Com apenas 40 centímetros de comprimento, são necessários sessenta deles para fazer um só casaco. Há anos, organizações que lutam pelos direitos dos animais denunciam os maus-tratos contra os visons, mantidos em gaiolas minúsculas. A morte, quando não se dá por pancada na cabeça, pode ser feita por afogamento. Há relatos de capturas realizadas em armadilhas que quebram os ossos sem danificar a pelagem. Dessa forma, até mesmo a Animal Protection Denmark, grupo de proteção animal dinamarquês, acredita que a solução das autoridades, forçada pela pandemia, não seja pior do que o sofrimento infligido à espécie.

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No passado, roupas de pele eram vistas como símbolo máximo de elegância, mas o glamour está em constante declínio. Muitas marcas de luxo reconheceram os evidentes conflitos éticos e se comprometeram a não mais produzir roupas de vison, chinchila, guaxinins e coelhos. Até mesmo a rainha Elizabeth II renunciou aos modelitos felpudos. Nas bolsas de mercadorias, o valor da pele de vison despencou 67% em sete anos. Ainda assim, mesmo com a desvalorização, se o pré-acordo escandinavo prevalecer, o baque econômico não será desprezível: líder mundial no setor, com uma fatia de 40%, a Dinamarca faturou com exportação, somente no ano passado, o equivalente a 4,2 bilhões de reais. Como a demanda segue em alta no mercado chinês, é bem possível que o país da Muralha aproveite o vácuo e abra em seu território fazendas que hoje se encontram na Europa. Graças às vacinas em andamento, a Covid-19 talvez esteja com seus dias contados. Mas o sofrimento do vison, apenas para satisfazer o capricho do homem, ainda está longe do fim.

Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714

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