Mandetta considera ‘burrice’ corte no Farmácia Popular por time de Guedes
Corte no orçamento de programa popular pode afetar o tratamento de mais de 21 milhões de pessoas; ex-ministro teme que SUS seja sobrecarregado com medida
O governo irá reduzir o orçamento do programa Farmácia Popular de 2,04 bilhões de reais para 804 milhões de reais em 2023. O corte de cerca de 60% foi uma das soluções encontradas pela equipe do Ministério da Economia para não diminuir o volume de recursos destinados para as emendas de relator, o chamado orçamento secreto. Temendo uma possível perda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro com a medida, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu buscar uma solução para o programa, mas especialistas da saúde pública estão receosos.
Idealizado em 2004, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato às eleições presidenciais agora em 2022, o programa fornece, por meio de uma rede de 28 mil farmácias e drogarias conveniadas, medicamentos para o tratamento de hipertensão, diabetes e asma, de forma gratuita. Além destes, são oferecidos, com até 90% de desconto, medicamentos para rinite, dislipidemia, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma, anticoncepcionais e fraldas geriátricas. Hoje, o programa alcança 21 milhões de brasileiros em 3.492 municípios.
O corte no programa é criticado por especialistas, que apontam o risco de o governo ter de compensar a falta de recursos por meio do acúmulo de atendimentos que pode causar ao Sistema Único de Saúde, o SUS. “Se você interrompe o fornecimento desses medicamentos, você entope os hospitais da rede pública. Isso pode fazer com que o sistema hospitalar, que já está congestionado, sofra um impacto de mais casos de coma diabético, derrame, AVC e infarto agudo do miocárdio. Ou seja, é uma burrice, antes de tudo, da pasta da Economia, que não entende que saúde não é somente gasto, é prevenção, é investimento”, afirma o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. “A Economia deveria ter algum especialista em saúde, porque a capacidade que eles têm de não interpretar saúde como investimento e de retorno para a sociedade é absurda nessa equipe do Paulo Guedes.”
O presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, aponta que o programa não é perfeito, mas pode ser classificado como bem-sucedido. “O custo médio do tratamento mensal para uma pessoa que é atendida gratuitamente pelo programa é de 5,50 reais. Se essa pessoa tiver de ficar um dia na UTI de um hospital público, por falta de medicamento para hipertensão, ela vai custar 650 reais para o Estado. É muito mais barato você dar o tratamento do que deixar as pessoas terem um problema cardíaco sério e sobrecarregarem o sistema público”, exemplifica. “Se, em um caso mais extremo, um diabético que controla a doença pelo programa tiver uma degeneração macular e ficar cego, ele vai sair do polo produtivo e vai para o polo recebedor da Previdência, deixando de ser um ativo para a União e passando a ser um passivo.”
Questionado pela reportagem de VEJA, o deputado Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde e líder do governo Bolsonaro na Câmara, diz que o corte no orçamento do programa se deve a fatores como a aprovação das leis de incentivo à cultura Aldir Blanc e Paulo Gustavo. “O corte dos recursos decorre da derrubada dos vetos da Lei Aldir Blanc, da Lei Paulo Gustavo e também do contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Tecnológico, que obrigou o governo a fazer cortes”, diz Barros.
O ministro Paulo Guedes disse, na última quarta-feira, durante o congresso Latam Retail Show 2022, que o orçamento para o programa deve ser recomposto por meio de uma emenda e classificou a redução como “desencaixe temporário”. “Como todos sabem que a Farmácia Popular é importante, das duas uma: ou as RP9 (as emendas de relator) voltam para financiar a Farmácia Popular ou vamos ter de cortar em outro lugar. O presidente garante que a Farmácia Popular vai seguir. É um desencaixe temporário”, afirmou.