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Limitação nos juros do rotativo pode gerar impacto na atividade econômica

Na prática, a maioria das pessoas não irá sentir o efeito da medida. Mas ela pode ter consequência no sistema bancário

Por Pedro Gil Atualizado em 7 Maio 2024, 16h33 - Publicado em 7 jan 2024, 08h00

O primeiro dia útil de 2024 trouxe uma mudança importante num dos meios de pagamento mais utilizados pelos brasileiros: o cartão de crédito. Começaram a valer as novas regras que limitam os juros do chamado rotativo, um financiamento gerado automaticamente quando o consumidor não liquida toda a fatura no vencimento. A mudança foi estabelecida em dezembro pelo Conselho Monetário Nacional, atendendo à determinação do Congresso. Agora, o montante a ser cobrado de juros no rotativo do cartão não poderá ultrapassar o equivalente a 100% do valor da dívida. Ou seja, o total devido não poderá ser mais que o dobro do débito original.

Atualmente, os juros do rotativo estão na casa de 430% ao ano, sendo a linha de crédito mais cara do mercado. Ainda que a taxa nominal assuste, o uso do rotativo, com juros, representa 3% do crédito pessoal e, em média, os clientes demoram 18 dias para acertar a dívida, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Isso significa que, na prática, a maioria das pessoas não irá sentir o efeito da medida. Mas ela pode ter consequência no sistema bancário.

ACUSAÇÕES - André Street, da Stone: “juros disfarçados” na fatura
ACUSAÇÕES - André Street, da Stone: “juros disfarçados” na fatura (Patrick T. Fallon/Bloomberg/Getty Images)

A decisão é inspirada no que é praticado em países como o Reino Unido, mas há uma diferença fundamental: lá, ao contrário daqui, o cartão de crédito não é o maior indutor de consumo. De tudo que é comprado no Brasil, 40% passam pelo cartão de crédito, movimentando 406 bilhões de dólares por ano. No Reino Unido, a parcela equivale a 14% do consumo. Além disso, há uma jabuticaba no sistema brasileiro que encarece a operação: o parcelamento sem juros é quase ilimitado. Em outros países onde é possível parcelar sem juros, o convencional é contar com três ou quatro vezes. No Brasil, de cada 100 reais de recebíveis de cartão de crédito, aplicam-se juros sobre 25, enquanto a média em outros países seria de 70. Dada a alta inadimplência (70 milhões de brasileiros têm dívidas), segundo argumentam os bancos, os juros de cartões aqui seriam superiores para compensar o volume sobre o qual não incide juro.

Esse hábito de consumo do brasileiro fincou raízes no fim dos anos 1990, em substituição ao cheque pré-datado, uma operação de crédito rudimentar, não regulada, com altos riscos de calote para os comerciantes. Nos últimos 20 anos, mais de 70 bandeiras de cartão surgiram, oferecendo proteção ao varejo, e o cheque pré-datado deu lugar ao parcelamento sem juros — com a concorrência entre lojas, o número de prestações cresceu. “É uma distorção, acabamos usando uma estrutura de crédito que originariamente não tinha essa finalidade”, diz a economista Carla Beni, professora da Fundação Getulio Vargas.

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arte cartões

No sistema, há ainda outro fator que pressionaria as taxas para cima. A Febraban acusa as empresas adquirentes, donas das populares maquininhas, como Stone e PagSeguro, de embutir “juros remuneratórios” cobrados de modo disfarçado dos consumidores na fatura do cartão quando usado para parcelamento sem juros. A guerra declarada já rendeu processos — inclusive na esfera criminal — de lado a lado. A Stone entrou com ação contra Isaac Sidney, presidente da Febraban, pelo que chamou de “campanha difamatória” contra as maquininhas, acusadas de “pirataria”.

Como sugestão de redução, os bancos defendem uma “limitação do parcelado sem juros”. É tudo que as maquininhas não querem — e movem uma campanha contrária com apoio até da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defensora de que o parcelamento é um “direito” dos brasileiros. “Precisamos ter um reequilíbrio de médio e longo prazos na arquitetura do cartão”, disse Sidney em nota da Febraban. Sem acordo, a limitação da nova regra foi imposta, o que não representa vitória de parte alguma. O problema é estrutural. Os bancos dizem que, sem atacar outras frentes, terão de limitar a oferta de crédito. É algo que desagradaria do varejo ao governo, que precisa do crédito para sustentar o consumo e, portanto, o PIB. Está na hora de um freio de arrumação, com a volta do diálogo entre as partes.

Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874

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