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Inflação dá sinais de perder força, mas falas de Lula criam instabilidade

Comentários do presidente sobre meta do BC provocam mais ruídos do que ajudam na queda dos juros

Por Luana Zanobia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h54 - Publicado em 19 abr 2023, 17h31

A bolsa de valores apresentou na terça-feira 11 um dia como há muito tempo não se via. Ao subir 4,3%, o Ibovespa registrou a sua maior alta desde outubro do ano passado e, pela primeira vez desde junho do mesmo ano, o dólar caiu para baixo do patamar dos 5 reais. O otimismo continuou no dia seguinte, e a cotação fechou em 4,94 reais. O principal motivo para tamanha euforia foram os números da inflação de março. Graças ao bom trabalho do Banco Central, vale ressaltar, a alta dos preços desacelerou mais do que o esperado. No acumulado em doze meses, ficou em 4,65%, o menor nível desde janeiro de 2021, época que pela última vez o índice esteve dentro da meta de tolerância perseguida pela autoridade monetária. O obje­ti­vo para 2023 é de 3,25%, com um limite de 4,75%.

Numa conjunção benigna, um fenômeno similar se repetiu por todo o planeta. O índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos subiu 0,1% em março, acumulando alta de 5% em doze meses, bastante abaixo dos 6,4% registrados até fevereiro. O alívio inflacionário também apareceu em dados da União Europeia, Reino Unido, Japão, China e até da Índia. Assim, uma esperança global se acendeu de que os dias de aperto dos juros altos, para controlar as inflações persistentes, podem começar a ficar para trás. Ao mesmo tempo, há a expectativa de que as pressões de preços causadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, em especial, em alimentos e energia, estejam arrefecendo.

RESISTENTE - Gasolina: um dos poucos itens a subir mais de preço em março
RESISTENTE - Gasolina: um dos poucos itens a subir mais de preço em março (Davi Corrêa/Futura Press)

Ironicamente, uma das forças inflacionárias restantes no Brasil tem como motivação um jogo político feito exatamente para estimular o Banco Central a iniciar uma queda de juros. Antes de viajar para a China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a pedir por uma nova meta de inflação (mais alta, claro). “Se a meta está errada, muda-se a meta”, disse. Ele já havia feito afirmações similares nos primeiros dias do seu governo. Em janeiro, chegou a sugerir que ela fosse estabelecida em 4,5%, como na época de sua gestão anterior. Nas semanas seguintes a essas declarações, numa tentativa de arrefecer o clima criado pelo chefe, o ministro da Fazenda, Fernando Had­dad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmaram que a mudança da meta não estava em pauta. Ambos, aliás, fazem parte do Conselho Monetário Nacional (CMN), junto com o presidente do BC, Roberto Campos Neto — exatamente o comitê responsável em estabelecer o alvo.

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Mesmo com essas negativas e antes até de Lula voltar a insistir no assunto, o estrago já estava feito. Se o presidente da República pede um número mais alto para a inflação, imediatamente o mercado vai projetar índices maiores, estimulando um círculo vicioso. Logo, o Banco Central tem mais dificuldades de baixar os juros e toda a economia fica comprometida, com menos investimento, menos crédito e mais empresas em dificuldades. “Se os agentes de mercado não têm certeza se a meta para o próximo ano vai permanecer sendo 3%, ela deixa de ser a referência e as projeções sobem”, afirma Felipe Salles, economista-chefe do banco digital C6 Bank. Uma pesquisa realizada pela gestora Warren Rena, com 155 estrategistas e economistas, mostra que 75% deles acreditam que o alvo será alterado para 4% em 2024 e 2025. Mesmo que as expectativas baixem agora com os últimos dados do IPCA, elas estão em 5,98%, para o fim de 2023, e ainda precisam convergir para a meta, assim como aconteceu com a inflação presente. “Essas declarações podem gerar uma resposta contraproducente, uma vez que aumentam a pressão sobre o BC de alta nas taxas de juros”, diz Fabio Kanczuk, chefe de macroeco­nomia da gestora Asa Investments e ex-diretor do BC.

Em mais uma camada de ironia, Lula pode até estar certo em pedir uma meta mais alta. Mas, se desejar que a mudança aconteça sem ruídos negativos, deveria se abster de comentar sobre o tema. Afinal, a decisão precisa ser técnica, e tomada rapidamente, sem alimentar especulações semanas a fio pelo mercado. Desde que o país adotou o sistema de metas, em 1999, houve poucos ajustes no alvo, que ficou estável em 4,5% entre 2005 e 2018, enquanto a banda de tolerância foi reduzida de 2,5 para 1,5 ponto porcentual. Em 2019, antes da eclosão da Covid-19, o CMN, então composto por Campos Neto e o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi ousado, estabelecendo baixas graduais ano a ano, até chegar aos 3% para 2024 e 2025. Era um momento de inflação baixa, com o teto de gastos vigorando e com a reforma da Previdência sendo aprovada, trazendo perspectivas de maior controle fiscal.

ELES DECIDEM - Haddad, Campos Neto e Tebet: os três integrantes do Conselho Monetário Nacional, responsável por definir a meta de inflação, algo ainda não discutido oficialmente nessa instância
ELES DECIDEM – Haddad, Campos Neto e Tebet: os três integrantes do Conselho Monetário Nacional, responsável por definir a meta de inflação, algo ainda não discutido oficialmente nessa instância (Andressa Anholete/Bloomberg/Getty Images; André Ressel/BCB; José Cruz/Agência Brasil)
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Na visão de alguns economistas, eles podem ter errado na dose ao não pesar devidamente o histórico nacional. Em razão de preços indexados em vários setores, existe uma certa inércia inflacionária brasileira. Nada comparado ao passado, evidentemente, mas os salários são reajustados de acordo com o índice do ano anterior, assim como os preços de energia, de medicamentos e de planos de saúde. Ou seja, a inflação passada está constantemente alimentando a inflação futura. “O problema não está no sistema, mas em definir uma meta muito baixa para um país como o Brasil”, diz Sergio Werlang, economista da Fundação Getulio Vargas e um dos responsáveis pela elaboração do regime no país. Estabelecida em 3%, a meta brasileira se igualou à chinesa, e ficou apenas 1 ponto acima da praticada nos Estados Unidos e na União Europeia. De fato, a questão é complexa. Mas certamente não é no papo de botequim ou corneteando da arquibancada que ela será resolvida. Se deseja mesmo menos juros, o presidente deveria se conter nas próximas semanas (discursos contra o dólar também são dispensáveis). Assim, o recente clima de otimismo tem mais chances de perdurar e gerar frutos. O Brasil precisa disso.

Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837

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