Inflação dá sinais de perder força, mas falas de Lula criam instabilidade
Comentários do presidente sobre meta do BC provocam mais ruídos do que ajudam na queda dos juros

A bolsa de valores apresentou na terça-feira 11 um dia como há muito tempo não se via. Ao subir 4,3%, o Ibovespa registrou a sua maior alta desde outubro do ano passado e, pela primeira vez desde junho do mesmo ano, o dólar caiu para baixo do patamar dos 5 reais. O otimismo continuou no dia seguinte, e a cotação fechou em 4,94 reais. O principal motivo para tamanha euforia foram os números da inflação de março. Graças ao bom trabalho do Banco Central, vale ressaltar, a alta dos preços desacelerou mais do que o esperado. No acumulado em doze meses, ficou em 4,65%, o menor nível desde janeiro de 2021, época que pela última vez o índice esteve dentro da meta de tolerância perseguida pela autoridade monetária. O objetivo para 2023 é de 3,25%, com um limite de 4,75%.
Numa conjunção benigna, um fenômeno similar se repetiu por todo o planeta. O índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos subiu 0,1% em março, acumulando alta de 5% em doze meses, bastante abaixo dos 6,4% registrados até fevereiro. O alívio inflacionário também apareceu em dados da União Europeia, Reino Unido, Japão, China e até da Índia. Assim, uma esperança global se acendeu de que os dias de aperto dos juros altos, para controlar as inflações persistentes, podem começar a ficar para trás. Ao mesmo tempo, há a expectativa de que as pressões de preços causadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, em especial, em alimentos e energia, estejam arrefecendo.

Ironicamente, uma das forças inflacionárias restantes no Brasil tem como motivação um jogo político feito exatamente para estimular o Banco Central a iniciar uma queda de juros. Antes de viajar para a China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a pedir por uma nova meta de inflação (mais alta, claro). “Se a meta está errada, muda-se a meta”, disse. Ele já havia feito afirmações similares nos primeiros dias do seu governo. Em janeiro, chegou a sugerir que ela fosse estabelecida em 4,5%, como na época de sua gestão anterior. Nas semanas seguintes a essas declarações, numa tentativa de arrefecer o clima criado pelo chefe, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmaram que a mudança da meta não estava em pauta. Ambos, aliás, fazem parte do Conselho Monetário Nacional (CMN), junto com o presidente do BC, Roberto Campos Neto — exatamente o comitê responsável em estabelecer o alvo.
Mesmo com essas negativas e antes até de Lula voltar a insistir no assunto, o estrago já estava feito. Se o presidente da República pede um número mais alto para a inflação, imediatamente o mercado vai projetar índices maiores, estimulando um círculo vicioso. Logo, o Banco Central tem mais dificuldades de baixar os juros e toda a economia fica comprometida, com menos investimento, menos crédito e mais empresas em dificuldades. “Se os agentes de mercado não têm certeza se a meta para o próximo ano vai permanecer sendo 3%, ela deixa de ser a referência e as projeções sobem”, afirma Felipe Salles, economista-chefe do banco digital C6 Bank. Uma pesquisa realizada pela gestora Warren Rena, com 155 estrategistas e economistas, mostra que 75% deles acreditam que o alvo será alterado para 4% em 2024 e 2025. Mesmo que as expectativas baixem agora com os últimos dados do IPCA, elas estão em 5,98%, para o fim de 2023, e ainda precisam convergir para a meta, assim como aconteceu com a inflação presente. “Essas declarações podem gerar uma resposta contraproducente, uma vez que aumentam a pressão sobre o BC de alta nas taxas de juros”, diz Fabio Kanczuk, chefe de macroeconomia da gestora Asa Investments e ex-diretor do BC.
Em mais uma camada de ironia, Lula pode até estar certo em pedir uma meta mais alta. Mas, se desejar que a mudança aconteça sem ruídos negativos, deveria se abster de comentar sobre o tema. Afinal, a decisão precisa ser técnica, e tomada rapidamente, sem alimentar especulações semanas a fio pelo mercado. Desde que o país adotou o sistema de metas, em 1999, houve poucos ajustes no alvo, que ficou estável em 4,5% entre 2005 e 2018, enquanto a banda de tolerância foi reduzida de 2,5 para 1,5 ponto porcentual. Em 2019, antes da eclosão da Covid-19, o CMN, então composto por Campos Neto e o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi ousado, estabelecendo baixas graduais ano a ano, até chegar aos 3% para 2024 e 2025. Era um momento de inflação baixa, com o teto de gastos vigorando e com a reforma da Previdência sendo aprovada, trazendo perspectivas de maior controle fiscal.

Na visão de alguns economistas, eles podem ter errado na dose ao não pesar devidamente o histórico nacional. Em razão de preços indexados em vários setores, existe uma certa inércia inflacionária brasileira. Nada comparado ao passado, evidentemente, mas os salários são reajustados de acordo com o índice do ano anterior, assim como os preços de energia, de medicamentos e de planos de saúde. Ou seja, a inflação passada está constantemente alimentando a inflação futura. “O problema não está no sistema, mas em definir uma meta muito baixa para um país como o Brasil”, diz Sergio Werlang, economista da Fundação Getulio Vargas e um dos responsáveis pela elaboração do regime no país. Estabelecida em 3%, a meta brasileira se igualou à chinesa, e ficou apenas 1 ponto acima da praticada nos Estados Unidos e na União Europeia. De fato, a questão é complexa. Mas certamente não é no papo de botequim ou corneteando da arquibancada que ela será resolvida. Se deseja mesmo menos juros, o presidente deveria se conter nas próximas semanas (discursos contra o dólar também são dispensáveis). Assim, o recente clima de otimismo tem mais chances de perdurar e gerar frutos. O Brasil precisa disso.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837