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‘Estão todos receosos com o Brasil’, diz geólogo ex-sócio de Eike

O baiano João Carlos Cavalcanti é um dos maiores conhecedores da mineração do país - já foi sócio de Eike e Daniel Dantas, além de descobridor de jazidas para inúmeras multinacionais. Ao site de VEJA, o geólogo falou sobre as mudanças - para pior - que podem ocorrer no novo Código de Mineração

Por Naiara Infante Bertão
18 jun 2013, 07h30

O geólogo baiano João Carlos Cavalcanti conhece mineração como ninguém. Foi sócio de Eike Batista, Daniel Dantas e inúmeras empresas multinacionais que investiram – e ainda investem – em minério no país. Ao longo das últimas quatro décadas, J.C., como prefere ser chamado, criou e vendeu diversas empresas ligadas ao setor, como a Bahia Mineração, a Sul Americana de Metais e a GME4. Sua fortuna, avaliada na casa dos bilhões, foi conseguida graças à sua capacidade de encontrar metais e minério – e seu conhecimento do “caminho das pedras” para transformar tais produtos em dinheiro.

Amigo pessoal do governador da Bahia, Jaques Wagner (PT-BA), e detentor de forte trânsito entre parlamentares governistas e de oposição, J.C. não concorda com as mudanças previstas pelo governo para o novo Código de Mineração, que deverá ser anunciado nesta terça-feira pela presidente Dilma Rousseff. Em entrevista ao site de VEJA, ele disse que as incertezas sobre a regulação do setor já afugentam investimentos – e são agravadas, ainda, pelo desempenho decepcionante de Eike Batista no mundo dos negócios. O geólogo também acredita que a interferência do governo no setor não deverá resultar em melhoras. “Colocar tudo na mão do governo é problema. Quem sofre é o empresariado que ainda tem de enfrentar a burocracia”, diz. Confira trechos da entrevista.

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A incerteza sobre o novo marco regulatório da mineração já espanta investimentos estrangeiros?

Eles (os investidores) vão demorar mais para voltar a olhar o Brasil. Com essa incerteza toda sobre o marco regulatório do setor, investidores canadenses, americanos, australianos e os sul-africanos estão começando a migrar para o México, Chile ou Peru que já têm regulação mais avançada e quase toda a sua área mineral mapeada na escala ideal. No mês passado, alguns sul-africanos visitaram projetos minerais de ouro e diamante no Brasil, mas desistiram de investir aqui quando souberam que haveria mudança no marco regulatório. Os chineses já me perguntaram também qual a garantia que eu daria para eles de que as ferrovias e portos vão sair. É uma incerteza econômica absurda.

A perda de credibilidade é um fato?

Sim, primeiro por causa do marco regulatório incerto. Até agora o Brasil era bem visto porque nunca colocou para fora nenhuma mineradora, como o Evo Morales e a Cristina Kirchner fizeram na Bolívia e Argentina. Mas, agora, estão todos receosos. Em segundo lugar, o meu ex-sócio, o senhor Eike Batista, também está contribuindo muito, com seu fracasso nas empresas X, para o país perder credibilidade internacional.

Como assim?

Os investidores estão com medo, os bancos de investimentos que investiam em projetos de mineração estão receosos. Além da paralisação regulatória, há o fracasso do Eike, que vendeu sonhos – e não minério ou petróleo. Ele vendeu ao mercado estimativas, indícios, mas não reservas verdadeiras, com volumes comprovados e autenticados internacionalmente.

O Código de Mineração precisa ser mudado?

O código atual data da década de 1960 e é importante que se dê mais atenção ao setor. Mas, o governo não está sabendo se comunicar muito bem até agora. Quando o Lobão (ministro de Minas e Energia, Edison Lobão) disse que ia licitar todas as áreas, incluindo as que estão com os pedidos de concessão de lavra paralisados, criou-se um terror violento no mercado. Os empresários já estão com suas atividades paralisadas desde 2011 e já investiram milhões de reais em oito ou até dez anos para quantificar, qualificar e certificar internacionalmente uma jazida. Se o governo abrir essas jazidas ao mercado, vai dar uma confusão muito grande. Eu duvido que passe no Congresso. Em maio, alguns alvarás saíram. Mas, mesmo assim, o ritmo é muito lento. Os empresários internacionais estão recuando, com as empresas de grande porte sem investir, e as de pequeno e médio estão demitindo ou, ainda, fechando as portas. A presidente Dilma está entrando em uma seara perigosa. É fundamental que o governo explique exatamente o que quer.

A proposta de dividir os royalties da mineração entre os estados piora as incertezas?

Sim. Pois não é justo! É o município e, por tabela, o estado produtor que sofrem a degradação ambiental. São eles que precisam trabalhar para manter o emprego e as pessoas na cidade depois que as jazidas se exaurirem. Diferentemente do petróleo, que se encontra em especial em mar no Brasil, o minério está em grande parte em terra, nos limites de uma determinada região que vai sofrer os efeitos de sua extração. O ideal é que o município continue ganhando a maior parte dos royalties e que haja alguma lei que especifique onde esse dinheiro será aplicado. Uma boa ideia é desenvolver polos escolares para formar não só engenheiros e geólogos, mas também técnicos. Além disso, seria interessante criar, nos municípios produtores, um programa de estímulo à pesquisa mineral, que busque novas jazidas no local. Assim, o setor seria sempre estimulado e a cidade não deixaria de existir.

Na sua avaliação, qual deve ser o primeiro passo para a mudança?

O governo tem de retomar as atividades de pesquisa e mapeamento geológico na escala 1: 100.000, que é a escala adequada para se achar jazidas minerais. O governo paralisou suas atividades de geologia básica nas últimas décadas e apenas 20% do território brasileiro está mapeado nessa escala. Isso deveria ser retomado com urgência sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia e execução da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), que já fazia esse trabalho bem na década de 1970. Com esse mapeamento feito, o governo consegue emitir uma carta geológica ideal e poderá abrir para licitação novas áreas. O papel do governo não é de pesquisa mineral, com prospecção de potenciais jazidas, mas sim de dar essa base de suporte ao estudos. Não há, no quadro do governo, geólogos com visão de negócio. Só há técnicos que fazem o trabalho científico muito bem, mas não tem veia comercial. Nem os assessores do ministro de Minas e Energia têm experiência. Colocar tudo na mão do governo é problema. Quem sofre é o empresariado que ainda tem de enfrentar a burocracia.

Como se faz para explorar uma mina?

É preciso entrar com um requerimento de pesquisa mineral e um pedido de entrada na área. Depois, o governo vai pedir um projeto de pesquisa para conceder um alvará de estudo. O problema é que esse alvará demora quase um ano para sair. Uma licença ambiental leva mais um ano a dois, já que para tudo precisa de autorização do Ibama. Hoje, uma empresa séria leva, no mínimo, seis anos para prospectar o potencial de um terreno e montar um relatório completo para ser apresentado ao Ministério. Eu mesmo, em um projeto na Bahia que vendi recentemente a empresários do Cazaquistão, comecei a prospectar a área em 2005 e só agora é que o terreno está sendo preparado para começar a produzir. Desse jeito, vamos retroceder para o tempo dos garimpeiros. Não adianta mexer no código se não se agilizar esses processos e licenças.

Como agilizar o setor?

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) não tem pessoas suficientes para fazer uma análise de tudo de forma rápida, especialmente nos estados de Minas Gerais, Bahia, Tocantins e Goiás, que são tradicionalmente mineradores. Fiscalizar, então, é impossível. Muitos departamentos regionais não têm nem carro para percorrer as áreas, as pessoas ganham mal, não há verba e nem motivação.

A transformação do DNPM em agência reguladora pode melhorar isso?

Em vez de criar uma nova agência, o governo deveria aparelhar o DNPM, alocar recursos, contratar pessoas qualificadas e pagar melhor funcionários para cumprir seu papel fiscalizador do órgão. E dar ao CPRM condições também financeiras de fazer todo o mapeamento da geologia básica do Brasil nos moldes ideais de escala. É preciso fazer convênios com universidades, como a Universidade de São Paulo, a Federal da Bahia e a de Ouro Preto.

Só isso basta para modernizar o setor?

Não, de jeito nenhum. Como o setor minerador é altamente dependente de ferrovias e portos, esses dois também têm de se desenvolver em paralelo. É a mineração que sustenta o setor ferroviário. Os grãos vão pelas rodovias. Baixar os custos das ferrovias e aumentar a malha ferroviária são fundamentais. Permitir que mais empresas tenham acesso a esse transporte, também. Fora isso, diminuir a burocracia para concessão de licença para operação de porto privado, que hoje leva dois anos, no mínimo, para sair.

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