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Equipe econômica tem plano para retomada, mas enfrenta barreiras

O projeto precisará vencer a resistência de líderes do Congresso e do próprio presidente

Por Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Victor Irajá Atualizado em 12 jun 2020, 17h39 - Publicado em 12 jun 2020, 06h00

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem passado as últimas semanas sob forte pressão. O PIB brasileiro acumula resultados insatisfatórios e a perspectiva do país mergulhar em uma depressão é real, abalroado pela pandemia do coronavírus. Economistas consultados pelo Banco Central preveem queda de 6,48% da atividade econômica neste ano. Para piorar, o Banco Mundial vaticinou que o Brasil terá um dos piores desempenhos entre 183 países avaliados pela instituição até o fim de 2021. Diante de um cenário tão pessimista, o ministro se prepara para reagir. Com o plano de retomada em mãos, montou uma agenda de encontros com o presidente Jair Bolsonaro, líderes do Congresso e empresários para apresentar as medidas que acredita serem capazes de tirar a economia da situação letárgica em que mergulhou. Ainda aprumado com seu norte liberal e sintonizado com o pensamento de líderes como o ex-presidente americano Ronald Reagan, para quem “o Estado não é a solução, é o problema”, Guedes aposta que a retomada virá pela geração de emprego e não pela revitalização empreendida a partir de políticas públicas de caráter desenvolvimentista.

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A sustentação desse raciocínio vem de um fato recente ocorrido nos Estados Unidos. Chamou a atenção de Guedes — e não só dele, mas da grande maioria dos economistas no Brasil e no exterior — estatísticas sobre o volume de empregos gerados na última semana de maio naquele país. Enquanto todos esperavam mais um período marcado por demissões, foi anunciada a criação de 2 milhões de postos de trabalho — interrompendo uma série de nove semanas de quedas constantes. Enquanto isso, por aqui, registrou-se quase 1 milhão de pedidos de seguro-desemprego em maio, 53% acima do total contabilizado no mesmo mês de 2019. Não que a retomada do emprego americano tenha dado algum tipo de estalo na cabeça de Guedes, mas tornou-se um sólido argumento para convencer tanto o governo como parlamentares de que o Brasil está desalinhado com as melhores práticas para a geração de postos de trabalho. Por isso o plano será fundamentado em dois pilares: o estímulo por meio da redução do custo das contratações e o desenvolvimento de setores que demandam alto volume de mão de obra.

ARTICULAÇÃO - Eduardo Gomes, líder no Congresso: apoio decisivo do Centrão (Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados)

O plano é polêmico, para dizer o mínimo. A equipe econômica investirá forte na tentativa de ressuscitar duas ideias já enterradas pelo Congresso. Trata-se da criação de um imposto sobre transações financeiras (ITF), cobrado da mesma forma que a famigerada CPMF, e a reedição da medida provisória da carteira de trabalho verde-­amarela. Ambas as ações servem para reduzir os custos de contratação e demissão de trabalhadores. O ITF, que é estudado com uma alíquota de 0,3% sobre todos os pagamentos, substituirá os encargos previdenciários cobrados sobre a folha de pagamentos. Assim, os custos do INSS seriam repartidos por toda a sociedade, e não apenas pelo trabalhador e pelo empregador, como acontece hoje. O projeto é a base da reforma tributária engendrada pelo governo desde o início da gestão de Jair Bolsonaro, mas ganhou caráter emergencial devido à crise econômica que bate à porta do país. Já a carteira verde-­amarela, uma ideia que remonta ao plano de governo traçado em 2018, servirá para abrir caminho para o primeiro emprego. Essa modalidade implica a criação de um regime previdenciário por capitalização, nos moldes do que existe no Chile, onde o trabalhador que se aposenta recebe apenas o que acumulou durante os anos de contribuição. As primeiras resistências já nascem antes mesmo de as propostas chegarem a ser debatidas. Isso porque os efeitos podem ser positivos para alguns grupos e negativos para outros. “A desoneração da folha de pagamentos beneficia empresas com mão de obra intensiva, como as da construção civil. Mas um imposto sobre transações, por ser cumulativo, produz um efeito em cascata que prejudica a produção industrial”, explica Ernesto Lozardo, ex-­presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea.

Entre o grupo de políticos que tiveram acesso aos planos estão os responsáveis pela articulação do governo no Congresso. Na segunda-feira 8, Guedes se encontrou com o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), o líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) e o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto. Todos sabem da dificuldade de encampar a pauta e convencer os parlamentares de que os projetos serão suficientes para tirar o Brasil da beira do abismo. Entretanto, há dois grandes entraves a ser superados, personificados pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Os dois se posicionaram contra a recriação de uma espécie de CPMF no ano passado de forma veemente. A celeuma culminou na exoneração de Marcos Cintra da chefia da Receita Federal, em setembro. Contudo, a gravidade da crise em que o país está metido pode influenciar a reconsideração do assunto. “Não acredito que vamos ter problema na aprovação dessas pautas porque o pensamento médio no Congresso Nacional envolve a retomada do crescimento. A carga político-partidária arrefeceu pelo conceito de urgência das propostas”, avalia Eduardo Gomes. “O imposto sobre transações financeiras é um assunto que demanda muitas discussões, não está resolvido. Mas não podemos levar em consideração dogmas de seis meses atrás.”

RESISTÊNCIA – Rodrigo Maia: contrário à criação de impostos (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Para além da controvérsia dessas medidas, o segundo pilar será intensificar os esforços pela aprovação do novo marco regulatório do saneamento básico. O entendimento é de que não há outros gargalos tão grandes na infraestrutura brasileira como a expansão das redes de água e esgoto. E o momento é favorável para esse setor por dois motivos: há interesse internacional na execução das obras e seria um programa relativamente barato do ponto de vista fiscal, uma vez que seriam utilizados recursos privados. Segundo dados da organização Trata Brasil, cerca de 17% da população não possui acesso a água encanada e 47%, à rede de coleta de esgoto — não há outro país entre nações com regime democrático tão defasado nessa área. Para universalizar os serviços, seriam necessários mais de 500 bilhões de reais. Caso saia de fato do papel, esse projeto traria um duplo ganho: a recuperação de empregos e também da dignidade humana de milhões de brasileiros.

Para conseguir pôr tudo isso de pé, Guedes conta com um fator que não existia até o início do ano: a aproximação com o Centrão. Segundo um interlocutor, o ministro está tão animado com essa nova aliança que quer utilizar a nova base parlamentar para contornar até mesmo a resistência de Rodrigo Maia. O risco, contudo, é o temperamento mercurial de Bolsonaro. “Não adianta termos necessidades de aportes em saneamento se a avaliação dos investidores é a pior possível por causa das besteiras que estamos fazendo em relação à pandemia”, diz Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. O plano existe, pode funcionar, mas colocá-lo em prática exigirá um esforço hercúleo da equipe econômica — e também do presidente. Está na hora de colocar o país em primeiro lugar.

Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691

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