Em ano de pleno emprego, gasto com seguro-desemprego cresce 11%
No Brasil, pedidos do auxílio aumentam quando mercado de trabalho está forte; redesenho das regras está entre potenciais revisões de despesas do governo
É contraintuitivo, mas é o que está acontecendo no Brasil: mesmo com o mercado de trabalho aquecido, com o número de pessoas trabalhando batendo recorde e com a taxa de desemprego nos menores patamares em uma década, os desembolsos do governo com seguro-desemprego estão crescendo.
De acordo com os dados do Tesouro Nacional, as despesas com seguro-desemprego somaram R$ 52 bilhões nos 12 meses até agosto, um aumento de 11% na comparação com o mesmo período em 2023, já descontada a inflação. Entre agosto do ano passado e agosto deste ano, por outro lado, a taxa de desemprego caiu de 7,8% para 6,6%. Em setembro, ela se comprimiu ainda mais e chegou a 6,4%, o menor nível registrado no país desde 2013 e perto do que os economistas classificam de pleno emprego. No acumulado de janeiro a agosto, o seguro-desemprego somou R$36,4 bilhões cresce 7% na comparação com os mesmos meses em 2023.
O sentido contrário entre as duas coisas – seguro-desemprego em alta quando o desemprego está em baixa – é uma tendência que vai contra a teoria do benefício, usado no mundo todo como uma política pública destinada a amparar os trabalhadores e garantir uma renda mínima principalmente nos períodos de crise. Tanto é verdade que, nos Estados Unidos, por exemplo, os dados de pedidos de auxílio-desemprego são um dos principais indicadores acompanhados para verificar a saúde da economia.
Não à toa, investigar as razões de por que os pedidos do auxílio crescem em tempos de bonança do Brasil e revisar as regras para controlar o crescimento desnecessário de suas despesas se tornou um dos principais focos mencionados por economistas na lista de gastos que precisam ser revistos pelo governo.
“No Brasil, o seguro-desemprego é pró-cíclico, quando, pela teoria, ele deveria ser anticíclico – gastar menos quando a economia está crescendo e, quando o país está desacelerando, aí gasta mais”, diz o economista-chefe da AZ Quest, Alexandre Manoel, que foi secretário do Ministério da Fazenda e da Economia. “E não é isso que acontece no Brasil. Então há espaço para reformar e melhorar esse programa.”
Nas estimativas do chefe de política fiscal e estudos especiais do Santander, Italo Franco, seria possível abrir um espaço de 15 bilhões a R$ 20 bilhões no orçamento federal com um aprimoramento nas regras do seguro-desemprego juntamente com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o abono salarial. “São benefícios que tiveram um aumento expressivo e que poderiam ser redesenhados para termos uma alocação melhor e até mais justa do ponto de vista social”, diz.
Não é possível afirmar por que o seguro-desemprego está crescendo, mas a análise dos especialistas é que o aumento nos pedidos pode estar ligado à facilidade com que empregados e empresas fazem acordos na hora de pedir demissão. “Quando o mercado de trabalho está muito aquecido, é atrativo para o trabalhador pedir demissão, fazer o acordo para receber o seguro-desemprego e ficar no mercado informal por algum tempo”, diz Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do banco suíço UBS Global Wealth Management. “Isso pode acontecer em qualquer país, mas as nossas regras são pouco apertadas e acabam dando incentivos para isso.”
Regras
Atualmente, podem pedir o seguro-desemprego empregados que tenham recebido salário por ao menos 12 meses dos 18 meses anteriores à data da demissão, prazo que vai se encurtando para as solicitações seguintes. No segundo pedido, são exigidos nove meses de trabalho em um período de 12 meses e, partir do terceiro pedido, seis meses.
“O seguro-desemprego existe em qualquer lugar e é muito importante porque ele é anticíclico, ou seja, deve servir como apoio em uma situação de muito desaquecimento da economia, para que ela não derreta ainda mais”, explicou, em entrevista a VEJA, Marcio Holland, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazendo e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP). “Mas, em plena economia em pleno emprego, o seguro-desemprego já está gastando R$ 50 bilhões. São desenhos errados de políticas públicas.”
Para se ter uma ideia, em 2020 e 2021, quando, no rastro da pandemia, o desemprego disparou para o nível recorde de quase 15%, o dobro de hoje, os gastos com seguro desemprego em cada ano foram menores, de R$ 51,8 bilhões e R$ 42,8 bilhões, respectivamente.
De acordo com Holland, seria possível pensar em novas regras que tornassem mais rígido o acesso ao seguro-desemprego, de maneira a inibir o uso irrestrito dele pelos trabalhadores, como, por exemplo, alargar os tempos mínimos de trabalho exigidos. Outra ideia é que as regras mais rígidas poderiam ter uma espécie de gatilho – elas ficariam mais apertadas quando a taxa de desemprego está baixa.