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Correios devem ser privatizados até fim de 2021, mas processo será difícil

Estatal será concedida à iniciativa privada em modelo que dividirá prestação de serviço por blocos regionais; Amazon, UPS, JSL e Magalu demonstram interesse

Por Felipe Mendes, Victor Irajá Atualizado em 25 fev 2021, 10h23 - Publicado em 16 out 2020, 14h50

Poucas companhias têm tamanha capilaridade como os Correios no Brasil. Fundada em 1969, como Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a estatal tem presença em todos os cantos do país e a sua atuação ganhou força com as compras realizadas pela internet durante a pandemia do novo coronavírus. Além de levar produtos a milhões de lares brasileiros, os Correios também são responsáveis por fazer a destinação de livros didáticos, vacinas, medicamentos, documentos de identificação e papéis da Justiça Federal. Para realizar isso, conta com uma mão de obra maciça: são mais de 100.000 funcionários. E a sua atuação é considerada um serviço essencial à nação, segundo o que a Constituição de 1988 impõe por meio do artigo 21, inciso X, que prevê que cabe à União manter o serviço postal. Até por isso, o processo de privatização da empresa é visto como de grande dificuldade, pois depende da quebra do monopólio dessa área de atuação. O governo, porém, busca uma forma de facilitar a desestatização. Na quarta-feira 14, foi entregue, pelas mãos do ministro das Comunicações Fábio Faria, um projeto de lei que permitirá com que os serviços prestados pela corporação sejam explorados em regime privado, respeitando, contudo, as exigências previstas pela Constituição.

Nos últimos tempos, a despeito de sua atuação essencial, nem tudo são flores. Há muitas reclamações quanto à qualidade dos serviços prestados pela empresa. Falta utilização de tecnologia para agilizar os processos de distribuição, um tipo de investimento que muitos acreditam que só a iniciativa privada poderia trazer. Além disso, as subsequentes greves promovidas pelos sindicatos de funcionários da empresa, reivindicando melhores condições de trabalho e, sobretudo, remuneração mais alta e manutenção de benefícios antigos, trouxeram mais desgastes. Fora isso, apesar da receita multibilionária, a linha de prejuízos acumulados de seu último balanço fiscal aponta para um prejuízo acumulado de 2,41 bilhões de reais. Em 2005, tornou-se público o episódio conhecido como “escândalo dos Correios”, em que VEJA revelou um esquema de corrupção, culminando na criação de uma CPMI, que, com o tempo, desembocou na revelação do escândalo do mensalão.

Para acelerar o processo de desestatização dos Correios, o primeiro passo foi instituir um consórcio para realizar os estudos necessários. O Postar, formado por Accenture do Brasil e Machado, Meyer, Sendacz, Opice e Falcão Advogados, foi o escolhido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, com uma proposta de 7,89 milhões de reais. O modelo estudado para os Correios é de concessão integral ou regional. É mais provável que funcione como o bem-sucedido plano para a universalização dos serviços de tratamento de água e esgoto no país por meio do novo marco legal do saneamento básico, que dividiu o programa de concessões por regiões, com municípios deficitários e superavitários. “Os Correios nos desafiam pelo tamanho e pela situação específica. É a empresa que mais emprega no país, com uma receita importantíssima, na casa de 18 bilhões de reais, mas que a Constituição prevê que os serviços postais precisam ser mantidos em posse da União”, diz Martha Seillier, secretária do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). “Nós vemos muitas vantagens em repassar esse serviço para a iniciativa privada. Mas, por outro lado, vai exigir uma regulação por parte do Estado, para garantir que os serviços essenciais continuem sendo prestados”, complementa.

Recentemente, foi criado um comitê para discutir o futuro da companhia junto ao consórcio Postar. Ele é formado por integrantes da Secretaria de PPI, da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados, do Ministério das Comunicações, do BNDES e da própria empresa, os Correios. A hipótese de capitalização da estatal por meio de abertura de capital na bolsa de valores de São Paulo, a B3, não está descartada.

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Para a economista Elena Landau, que comandou a diretoria de desestatização do BNDES no governo de Fernando Henrique Cardoso, a proposta de divisão por regiões pode ser uma boa alternativa. “Existe uma discussão antiga sobre os Correios prestarem um serviço público essencial ou se ele se configura como atividade econômica. O que a União pode fazer é licitar o serviço postal, mas desde que tenha uma agência pública para regular”, diz ela. “Enquanto for um bem público, o serviço postal tem de ser mantido. Mas com o avanço da digitalização é possível que esse tipo de atividade de envio de cartas acabe num futuro não muito distante.” Critica contumaz do governo Bolsonaro, a ex-diretora do BNDES entende que o plano de privatizações em ação atualmente é uma “farsa”. Martha, no entanto, não pensa da mesma forma. Diz que há um rito a ser respeitado. “A nossa intenção era acelerar o processo para desestatizar uma empresa. Mas não podemos pular as etapas. Reduzir ou eliminar qualquer parte do processo tiraria a transparência. Essa não é a nossa intenção”, afirma.

Segundo Giuseppe Giamundo Neto, mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, a proposta do governo de unir regiões e serviços lucrativos com deficitários poderá influir numa desvalorização dos Correios — tese que faz parte dos estudos de resultados e metodologias de leilões vencedora do Prêmio Nobel de Economia, divulgado nesta semana. “No âmbito do leilão, todos os concorrentes, sabendo que terão de atender a todos os municípios ou localidades independentemente da sustentabilidade econômica, reduzirão os valores de suas propostas”, afirma. “Mas essa é a única forma para que toda a população brasileira possa ter condições e direitos preservados a prestação do serviço postal.”

Se o caminho for a concessão dos serviços ou a privatização completa, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, terá de se posicionar em relação à transação. Alexandre Barreto, presidente do órgão antitruste, entende que não há motivos para resistência para a aprovação da negociação. “A análise do Cade é verificar se a operação pode trazer algum problema do ponto de vista concorrencial. Como, no caso dos Correios, se trata de quase um monopólio, estamos falando da substituição de um agente. O nosso trabalho, portanto, seria o de fiscalizar se a empresa que adquiriu esse serviço, com uma robusta participação de mercado, abusaria de sua posição”, diz. O ministro da Economia, Paulo Guedes, espera que a desestatização dos Correios esteja finalizada até o fim de 2021. Este ano, ele se reuniu com o presidente da multinacional americana UPS, uma das postulantes ao certame pela estatal brasileira. Amazon, Magazine Luiza, JSL, DHL e FedEx também estão na disputa. O primeiro passo para a privatização foi dado, mas ainda há um longo caminho pela frente. A esperança é de que a ansiada entrega não atrase.

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