Contas digitais globais atestam onda de inovações do setor financeiro
Bancos oferecem a possibilidade de sacar dinheiro em espécie, e nas moedas locais, ou usar o cartão de débito para fazer compras no exterior
Na última década, a indústria financeira brasileira passou por transformações sem precedentes. A ascensão das fintechs introduziu avanços tecnológicos que desafiaram os bancos tradicionais e ampliou a concorrência num setor historicamente dominado por poucos protagonistas. Ao mesmo tempo, especialmente de 2020 em diante, o Banco Central lançou uma agenda modernizadora que resultou no surgimento do Pix e do open banking — o compartilhamento consentido de dados financeiros dos clientes entre bancos —, e que levará, nos próximos meses, à criação do Drex, o real digital. Na esteira dessas inovações, as instituições sentiram-se encorajadas a oferecer produtos e serviços inéditos. A onda da vez são as contas digitais globais, que permitem saques em dinheiro no exterior e fornecem cartões de débito — são, portanto, versões estrangeiras das típicas contas-correntes nacionais.
A solução chegou ao mercado nacional em 2019 por iniciativa do C6 Bank, mas foi nos últimos meses que ganhou tração com o surgimento de produtos criados por bancos e fintechs como Itaú Unibanco, Inter, Wise e Nomad, entre outros. No início de agosto, o Bradesco lançou a sua conta global para toda a base de correntistas e, há alguns dias, a XP ofereceu produto similar para 1 milhão de clientes. Agora, BTG Pactual e Santander se preparam para entrar no jogo. “Antes da conta global, as opções eram limitadas a casas de câmbio com taxas elevadas ou o interessado deveria recorrer a uma conta em banco estrangeiro, o que poderia levar dias”, diz Maxnaun Gutierrez, chefe de produtos para pessoa física do C6 Bank.
A maioria desses bancos oferece produtos com características similares: a possibilidade de sacar dinheiro em espécie, e nas moedas locais, em caixas eletrônicos espalhados pelo mundo, ou usar o cartão de débito para fazer compras no exterior. Do ponto de vista tributário, os benefícios são inegáveis. Os cartões de crédito tradicionais emitidos no Brasil aplicam um imposto financeiro (IOF) de 6,38% sobre o valor das compras efetuadas. Por sua vez, o IOF cobrado nas transferências de recursos da conta brasileira para a global é de 1,1%. A agilidade também é outro atributo desse tipo de produto. As transferências são feitas digitalmente, com poucos cliques nos aplicativos dos bancos, e podem ocorrer a qualquer hora do dia, incluindo fins de semana e feriados.
Como era de esperar, o leque de facilidades atraiu muitos usuários. O C6 diz que a abertura de contas globais triplicou em 2022 em relação a 2021. Por sua vez, a fintech britânica Wise, que lançou no Brasil a conta global em dezembro de 2021, alcançou 1 milhão de cartões emitidos e pretende chegar a 2 milhões em 2024. “Nosso foco agora é entender o comportamento do cliente brasileiro com o cartão e ampliar a oferta de soluções da plataforma”, diz Pedro Barreiro, líder de Expansão da Wise no Brasil. No Bradesco, a conta global foi acessada por 45 000 clientes em duas semanas e agora a meta é chegar a 3 milhões nos próximos meses. Boa parte da expansão da modalidade deve ser atribuída à retomada do turismo. No primeiro semestre, os gastos de brasileiros com cartões no exterior somaram 6 bilhões de dólares, 36% mais que no mesmo período de 2022.
O avanço das contas digitais foi seguido pelo surgimento de uma série de serviços integrados às plataformas. A fintech Nomad criou recentemente, em sua conta internacional, a opção de parcelamento — o cliente transfere dinheiro para o exterior e divide o valor em prestações, com cobrança de juros. Outras instituições associaram a conta digital a uma conta de investimentos, permitindo que o cliente aplique seus recursos em ativos de renda fixa ou variável. “Com as contas globais, é possível acessar oportunidades de investimento internacional, sem a necessidade de residir em outro país ou ter fortunas geridas por bancos de investimento”, diz Diego Perez, presidente da ABFintechs, associação que reúne startups da área financeira.
Apesar das comodidades, recomenda-se tomar certos cuidados. Clientes desatentos podem sofrer prejuízos com a variação cambial — fazer transferências em períodos de valorização excessiva do dólar não é indicado. Outro risco é não informar à Receita as movimentações financeiras, o que seria considerado evasão de divisas. De todo modo, não há dúvida: não existem mais fronteiras para transações financeiras, qualquer que seja o tamanho do bolso das pessoas.
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858