Como a Embraer prepara sua operação para sobreviver após a Boeing
Empresa conta com os quase 4 bilhões de dólares que vão entrar no caixa para investir e desenvolver novos produtos
A Embraer, única fabricante de aviões do Hemisfério Sul, já se prepara para ter de viver sem sua principal divisão, a de jatos comerciais. No finm de outubro, a empresa anunciou sua mais nova linha de jatos executivos, os Praetor, e espera que sua forte posição nesse segmento seja suficiente para manter a companhia entre as maiores marcas globais.
Dentro da empresa, já é certo que o negócio dos jatos comerciais – aviões de carreira –, será separado do resto para integrar a joint venture com a Boeing, da qual a Embraer terá 20%. Os 3,8 bilhões de dólares que devem entrar na empresa serão utilizados para modernizar e sustentar investimentos nas linhas restantes, a dos jatos executivos, a de defesa e a de serviços.
Juntas, essas três áreas representam 55,4% do faturamento de 12,3 bilhões de reais que a empresa teve em 2018 até o terceiro trimestre, segundo o balanço publicado em 31 de outubro. O entendimento dentro da companhia é que as três podem disparar após a venda da aviação comercial para a Boeing.
Aviação executiva
Os novos jatos Praetor 500 e 600 são atualizações dos projetos dos antigos Legacy, um dos produtos mais famosos da Embraer. A tecnologia, mais moderna, permite um maior autonomia ao jato. Com o maior dos Praetor, uma viagem sem escala entre São Paulo e Miami é possível, enquanto que somente o Legacy 650, o mais caro da antiga linha, conseguia percorrer o trajeto sem parar para reabastecer. Além disso, itens de segurança e conforto foram remodelados.
A empresa acredita ter em mãos um dos melhores produtos nos segmentos de tamanho médio. O menor dos Praetor não sai por menos de 16 milhões de dólares. Eles vão se integrar a um portfólio de outros seis aviões – dois Phenon, os menores e mais vendidos, três Legacy e um Lineage, um apartamento voador de 70 metros quadrados. “Identificamos um nicho que precisava de um alcance maior. Por isso estamos trazendo esses aviões”, afirma Gustavo Teixeira, vice-presidente de vendas de jatos executivos para América Latina.
A Embraer detém aproximadamente 20% de participação nesse mercado e disputa a liderança com as rivais Bombardier, Gulfstream e Cessna.
Defesa
A linha de defesa é a mais estratégica, e a mais blindada pelo governo durante as negociações com a Boeing. A Embraer está apostando bilhões de reais no desenvolvimento do cargueiro KC-390, capaz de transportar 23 toneladas de carga ou cerca de 80 militares.
Apesar de problemas recentes, que causaram um prejuízo de 485 milhões, a companhia já produziu quatro protótipos para concluir o projeto e iniciar a produção das primeiras unidades comercializáveis. A primeira entrega, para a Força Aérea Brasileira, prevista para 2018, teve de ser adiada.
No entanto, a Embraer acredita que esse mercado tem potencial de vendas de 60 bilhões de dólares, além do mercado no qual o avião de combate Supertucano já está consolidado.
Atualmente, o segmento de defesa é o menor de todos na Embraer, representando 14,4% das vendas no ano.
Serviços
Se em uma fabricante de aviões o que chama atenção são as aeronaves, o setor de serviços e suporte é de longe o mais lucrativo. Não à toa, ele representa 21,2% das receitas da companhia no ano e está acima das áreas de aviação executiva e de defesa.
Nesse segmento, estão a prestação de serviços educacionais, como simuladores, testes, e suporte de peças. Aviões têm alto desgaste e a manutenção é um item básico nos protocolos de segurança. A companhia, então, fecha contratos de suporte de longo prazo, entregando peças de reposição de acordo com horas de voo das aeronaves ou necessidade dos clientes.
Com a venda da aviação comercial, a Embraer espera que os jatos comerciais tenham um crescimento de vendas de até 200% nos próximos anos. Assim, o segmento de serviços deve disparar com a maior necessidade dos clientes.
Futuro
As expectativas internas da companhia serão importantes para evitar que a venda do segmento mais promissor represente o início do fim da empresa. O prejuízo líquido de 119 milhões de reais no terceiro trimestre não animou os investidores, mas eles esperam que parte dos 3,8 bilhões de reais que devem ser pagos pela Embraer pingue em seus bolsos. No entanto, em um mercado tão competitivo quanto o da aviação, e com novos entrantes a cada dia, como as japonesas Honda e Mitsubishi, produtos novos e com tecnologia de ponta serão necessários.
“A empresa manterá as unidades de negócios de aviação executiva, de defesa, bem como suas operações relacionadas a serviços. Além disso, Boeing e Embraer entrarão em contratos operacionais de longo prazo envolvendo serviços de engenharia, licenças de propriedade intelectual, acordos de pesquisa e desenvolvimento, acordo de compartilhamento e uso de certas instalações e tratamento preferencial no fornecimento de certos produtos, componentes e matérias-primas”, avalia Pedro Galdi, da corretora Mirae. “A conclusão é que a operação é muito importante para o futuro da Embraer, que passará a ter aporte tecnológico importante da nova parceira”, conclui.
A avaliação de Galdi vai ao encontro do que espera a companhia, e até mesmo do que esperam muitos brasileiros, que enxergam a Embraer como um símbolo nacional. Que ela saia maior do que quando entrou no negócio com o gigante americano Boeing.