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Com leilão de aeroportos, governo tem sopro de renovação na área econômica

Números mostram que o Brasil, mesmo em meio ao seu pior momento na pandemia, consegue ser atraente para investimentos de longo prazo

Por Larissa Quintino, Luisa Purchio Atualizado em 9 abr 2021, 18h36 - Publicado em 9 abr 2021, 06h00

Sem timidez nem muita cerimônia, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, literalmente marretou o púlpito na B3 na quarta-feira, dia 7. As três marteladas, tradicional gesto do fechamento de negócios, vindas das mãos do ministro ressoaram como uma catarse, a ponto de racharem a base de madeira onde foram desferidas. O gesto, entre eufórico e raivoso, marcou o fim do processo de concessão de 22 aeroportos para a iniciativa privada, a primeira e a mais representativa parte de um conjunto de três leilões de infraestrutura marcados pelo governo na última semana, um pacote que se propõe a garantir investimentos próximos de 10 bilhões de reais, e inclui também a Ferrovia Leste-Oeste, na Bahia, e cinco terminais portuários no Maranhão e no Rio Grande do Sul. Apenas para operarem os aeroportos negociados, as duas empresas vencedoras dos leilões, a brasileira CCR e a francesa Vinci Airports, deverão investir 6,13 bilhões. Para isso, pagaram 3,3 bilhões de reais nos lances vencedores dos três blocos negociados, o que representou um ágio de quase 4 000% em relação aos preços mínimos estabelecidos pelo governo.

Tais números justificaram a energia extravasada pelo ministro em seu gesto na B3. Afinal, mostram que o Brasil — mesmo em meio ao seu pior momento na pandemia, com o risco fiscal nas alturas e a desconfiança dos investidores quanto à fidelidade do presidente Jair Bolsonaro à agenda liberal — consegue ser atraente para investimentos de longo prazo. “Vamos superar a pandemia e temos o desafio da geração do emprego, que vai vir pela mão do investimento privado. Não há outra alternativa. Temos de seguir nossa trajetória de responsabilidade fiscal”, definiu o ministro da Infraestrutura, dizendo que “a conjuntura passa, os contratos ficam”. As empresas ganhadoras terão as concessões dos aeroportos por trinta anos e a estimativa do governo é que os leilões dessa semana levem à criação de 200 000 empregos. “Há uma clara sinalização de que o investidor confia no Brasil. São contratos longos, celebrados independentemente de governo, mas sim focando no potencial do país”, analisa Marcus Quintella, diretor do centro de estudos FGV Transportes. E eles acontecem num momento que as empresas ligadas ao setor de aviação têm as suas finanças fortemente afetadas em todo o mundo pela falta de viagens. “Talvez os anos iniciais da concessão, em razão da pandemia, pouco explicarão a demanda futura das próximas três décadas. Mas somos investidores e acreditamos no projeto”, avalia Marco Cauduro, CEO da CCR.

Em países mais ricos, os projetos de infraestrutura têm sido considerados fundamentais para a superação da crise provocada pela pandemia. Para impulsionar a criação de empregos, Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, prepara um pacote de 2,2 trilhões de dólares de incentivos governamentais direcionados à área. Mas o governo brasileiro, com uma dívida pública em relação ao PIB rondando os 90%, um patamar considerado pelos economistas muito alto para um país em desenvolvimento, não tem fôlego financeiro para investir. “O mais importante em um processo de concessão é a desobrigação do setor público de investir e deixar isso para o setor privado realizar com eficiência”, afirma o economista Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho, que já participou de 49 privatizações, inclusive coordenando a da Telebrás, e que integra o instituto de pesquisas econômicas Casa das Garças, no Rio de Janeiro.

Em outros tempos, um leilão com pouca presença de competidores — foram dois ou três por lote — e o fato de nenhum novo investidor internacional ter estreado no país poderiam indicar resultados medianos. “O leilão foi de fato bem-sucedido, mas, se o país não estivesse tão isolado e em um ambiente macroeconômico tão ruim, o interesse teria sido maior”, diz Claudio Roberto Frischtak, sócio-gestor da InterB e ex-economista para indústria e energia do Banco Mundial. Por exemplo, na grande leva de concessões de 2013, havia até oito concorrentes por rodovia. A CCR, que já administra o Aeroporto de Confins (MG), e que tem como donos os grupos Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Soares Penido, ganhou dois blocos, incluindo o mais desejado da semana: nove aeroportos da Região Sul, que exigirão 2,85 bilhões de reais de investimentos. Entre eles, estão os de Curitiba, de Foz do Iguaçu (PR) e de Navegantes (SC). Para não perder o negócio, ofereceu lance de 2,13 bilhões de reais pela outorga, 1 bilhão de reais a mais que a oferta do grupo espanhol Aena. Já a Vinci Airports, responsável pelo Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, e pelo de Salvador, arrematou o bloco Norte, que inclui Manaus. “Nossa proposta é montar um hub para as Américas, semelhante ao que funciona no Panamá”, afirmou Julio Ribas, executivo do grupo francês.

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NA PISTA - Bolsonaro com sua comitiva em Foz de Iguaçu: aceno ao mercado prejudicado por nova ameaça de intervenção na política de preços do gás -
NA PISTA - Bolsonaro com sua comitiva em Foz de Iguaçu: aceno ao mercado prejudicado por nova ameaça de intervenção na política de preços do gás – (Alan Santos/PR)

A concessão dos ativos serviu como aquecimento para leiloar as consideradas “joias da coroa” do sistema aeroportuário brasileiro, os aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). Antes da pandemia, a ponte aérea era a quarta rota mais movimentada do mundo. A rodada que vai incluir esses ativos está prevista para o primeiro semestre de 2022. Até lá, também há a expectativa de se avançar no processo de negociar o Porto de Santos, o mais movimentado da América Latina. Mas o último leilão vai além da medição da temperatura para projetos mais ousados. Ele representa um muito necessário desafogo para o governo na área econômica.

Desde que o presidente Jair Bolsonaro demitiu intempestivamente o presidente da Petrobras Roberto Castello Branco, em fevereiro, não houve paz. As ações das estatais caíram e a tão desejada aprovação da PEC Emergencial aconteceu em meio a muitas dificuldades. O Orçamento aprovado para 2021 no Congresso foi considerado uma peça de ficção pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e virou campo de batalha. Ao subestimar os gastos obrigatórios em 17,5 bilhões de reais e trazer 15,5 bilhões de reais em emendas parlamentares acima do previsto, o texto é visto como temerário e com potencial de resultar em crime de responsabilidade. Nesse cenário, o governo viu o sucesso das concessões como uma oportunidade de ouro. No mesmo dia do leilão, Bolsonaro visitou o Aeroporto de Foz do Iguaçu, recém-negociado. Entretanto, ao lado do general Joaquim Silva e Luna, futuro presidente da Petrobras, disparou que é inadmissível o reajuste de 39% do gás e que pode interferir nos preços do combustível. As ações da estatal, que subiam, imediatamente caíram. Em um dia de celebração, Bolsonaro — como sempre — não perdeu a chance de perturbar a festa.

Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733

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