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Com IGP-M alto, mercado defende liberdade para negociar aumento do aluguel

Pronto para ser votado, PL que determina IPCA como teto para reajuste mexe na Lei do Inquilinato e reacende debate no setor imobiliário

Por Rafael Bolsoni
Atualizado em 21 abr 2021, 16h54 - Publicado em 21 abr 2021, 16h50

Usado historicamente como referência para o reajuste de aluguéis, o IGP-M registra alta de 31,57% no acumulado dos últimos 12 meses. Diante da disparada, a Câmara dos Deputados pode votar nas próximas sessões do plenário um projeto de lei (PL) de autoria do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), que define o IPCA, considerado a inflação oficial do país, como correção dos contratos de locação residencial e comercial. Sob o argumento de proteger o lado mais fraco – o dos locatários –, a medida altera a Lei do Inquilinato, que há 30 anos deixa as partes livres para negociarem. O pleito ganhou corpo com a apresentação na segunda-feira de PL que vai além ao vedar ainda qualquer reajuste de aluguel até 31 de dezembro de 2022.

Apesar das movimentações do legislativo, o mercado deve ser o menos indexado possível e livre para usar o índice que preferir, sem imposição, avalia André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), responsável pelo cálculo do IGP-M. “Minha preocupação é indexar o setor imobiliário a mais uma referência que não fala a sua língua. Realizar a troca sem um debate é ineficiente e gera desestímulo para os dois lados. O inquilino de hoje pode ser proprietário amanhã. O ideal é deixar que preços se ajustem pela lei da oferta e da procura, o que já vem ocorrendo”, defende. Outra questão é que não se pode garantir, no futuro, que o IPCA não passe a subir mais que o IGP-M, com uma valorização cambial, o que já aconteceu no passado.

Mesmo com a decolada do IGP-M, a reboque da desvalorização cambial e da explosão dos preços em dólar de commodities, a correção média nas renegociações, quando há, tem oscilado entre 5% a 10%, segundo a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), entidade sob cuja administração estão mais de 60 mil imóveis. “O mercado é totalmente autorregulado e maduro o suficiente para se organizar e resolver problemas pontuais do IGP-M. Reajustes estão sendo negociados caso a caso diante do percentual hoje irreal do índice. Até porque a taxa de desocupação está grande”, argumenta José Graiche Júnior, presidente da AABIC. Somente no Estado de São Paulo, a vacância de imóveis destinados à locação atualmente é de aproximadamente 25%, ante os 18% registrados em 2020. Considerando apenas os comerciais, a taxa de empreendimentos vazios hoje bate os 38%. 

“Do menor ao maior aluguel, não há uma pessoa que não avalie as condições do mercado na hora de renegociar. E os proprietários entendem isso. Não pega bem interferir no setor por meio de uma lei”, diz Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), para quem a provação do projeto pode gerar insegurança jurídica. As mudanças poderiam respingar nos Fundos Imobiliários, considerados a “menina dos olhos” do mercado imobiliário, com consequente reflexo na construção civil.

Fátima Santoro, coordenadora de pós-graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida e diretora jurídica da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário (Abami), explica que o contrato de locação, à luz do Direito Civil, não é um contrato de adesão. Portanto, não poderia haver uma cláusula estipulando que o reajuste deva se limitar ao IPCA. “A palavra de ordem no momento é mediação. Deve haver bom senso entre as partes. Tudo que é imposto de um lado só traz desequilíbrio”, pondera a advogada, que contribuiu para a criação em 1991 da Lei do Inquilinato, de autoria do jurista Sylvio Capanema, cujo objetivo foi justamente trazer isonomia de tratamento entre locador e locatário. 

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Vitrine e vidraça 

No vai não vai dos acordos, o Quinto Andar, um dos maiores players de aluguéis do Brasil, com mais de 50 bilhões de reais em ativos sob gestão, se antecipou e marcou sua posição no mercado: em novembro de 2020, a plataforma digital adotou o IPCA como referência para reajuste de novos contratos. “Um índice alto é ruim também para o proprietário, pois coloca em risco a segurança do aluguel. Menos volátil e mais previsível do que o IGP-M, o IPCA reduz a chance de quebra contratual antes da vigência acordada. Não é uma questão de ser mais vantajoso ou não, mas de ser mais adequado à realidade. Desde a criação do IPCA em 1979 até hoje não há nenhuma série acumulada de 12 meses que tenha sido negativa”, ressaltou José Osse, chefe de comunicação do QuintoAndar, que prefere não comentar o PL 1026/21.

Versão mais popular do IGP, criado nos anos 1940 pela FGV, o IGP-M é formado por três outros índices com pesos diferente: o Índice de Preços do Atacado (IPA), com 60%, o Índice de Preços do Consumidor (IPC), 30%, e o Índice Nacional de Custo da Construção Civil (INCC), 10%. 

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De vitrine, o índice que se tornou referência para reajuste de contratos de aluguel pode virar vidraça. “Não posso falar por todo o mercado, mas nós não vamos usar o IGP-M. Até porque ele não foi criado para reajustes de aluguel. Trata-se de um índice de atacado, em cuja cesta há produtos como aço, minério de ferro, boi, cotados em dólar, distantes do dia a dia das pessoas. O IPCA também não foi feito para acompanhar esse mercado, mas faz mais sentido atualmente”, disse Osse. De novembro de 2020 a março deste ano, cerca de 25% dos contratos ativos de aluguel administrados pelo Quinto Andar que venceram foram renegociados tendo o IPCA como referência para o reajuste. Ao todo, mais de 35% da carteira administrada pela empresa é regida pelo índice.

Qual seria então a referência ideal? De acordo com André Braz, do FGV Ibre, deveria haver um indexador com a mínima correlação com o mercado imobiliário. “Hoje, a meu ver, os mais próximos são INCC e o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI) do IBGE. O mais razoável, contudo, talvez seja a elaboração de um novo”, diz. Embora estude esta possibilidade para médio ou longo prazos, a instituição não quer criar um índice que funcione como âncora. “Queremos dar visibilidade a setores estratégicos, como o imobiliário. Isso não significa desenvolver um índice que seja ‘o’ indexador celebrado em contratos. Ele teria uma função mais nobre: seria referência para estudos e um termômetro, uma lupa, para mostrar se o mercado está aquecido ou não”. No embate do aluguel, a desindexação e a livre negociação ainda parecem ser os melhores caminhos.

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