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Redução de biodiesel no combustível pode levar a falências no setor

Os 8 centavos ganhos na bomba já foram compensados pelo último reajuste da Petrobras; prejudicar produtores não resolverá problema, que depende do dólar

Por Luisa Purchio, Rafael Bolsoni
Atualizado em 22 abr 2021, 10h14 - Publicado em 21 abr 2021, 14h09

Às vésperas da cúpula do clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com quarenta países, entre eles o Brasil, o presidente Jair Bolsonaro reduziu a porcentagem obrigatória do biodiesel no diesel, de 13% para 10%. A decisão, feita na semana passada, barateia o combustível na bomba e agrada os caminhoneiros, mas ignora as consequências da decisão para a imagem do Brasil no cenário internacional, para toda a cadeia de produção e para o próprio PIB do país, que foi sustentado principalmente pelo agronegócio em 2020.

O Brasil está hoje entre os três maiores produtores e consumidores de biodiesel no ranking internacional, junto aos Estados Unidos e à Indonésia. Vale lembrar que o ganho da redução do biodiesel na bomba foi de 8 centavos por litro aos caminhoneiros, mas ele já foi compensado pela última alta do combustível realizada pela Petrobras. Na sexta-feira, 16, os preços médios nas refinarias passaram a ser de 2,76 reais por litro para o diesel, um reajuste de 10 centavos por litro. A alta recente acompanha os preços internacionais, mas ainda assim o preço do diesel está bastante defasado. No ano, o diesel brasileiro acumula alta de 36,3%, enquanto o petróleo subiu 41,1% no cenário internacional.

Um parecer econômico realizado pela GO Associados, de Gesner Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da Sabesp, aponta que a redução pode levar à falência das empresas que realizaram investimentos e aumentaram a sua capacidade produtiva confiando no cronograma do Conselho Nacional de Política Enérgica (CNPE), definido por resolução de outubro de 2018, que foi repentinamente modificado na quarta-feira, 14, no leilão do produto que será colocado no mercado em maio e julho. “É uma medida que vai na contramão de vários aspectos da política pública. A cúpula do clima é bem ilustrativa. Neste momento em que há todo um esforço mundial e que deveria ser nacional, de reduzir emissões, não faz nenhum sentido interromper um cronograma que já havia sido estabelecido”, diz Oliveira a VEJA.

A principal compradora de biodiesel no país é a Petrobras, e o impacto da redução da porcentagem obrigatória é estimado em uma redução da venda do produto em 300 milhões de litros de biodiesel – cerca de 120 piscinas olímpicas –, uma perda de faturamento de aproximadamente 2 bilhões de reais em dois meses. Para se ter ideia, quatro usinas produtoras estão em expansão para aumentar em 256 milhões de litros por ano a produção e oito novas estão sendo construídas para produzir 1,4 bilhão de litros ao ano. 

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Evolução da capacidade instalada de biodisel – 2005 a 2020 (GO Associados/Divulgação)

Além das consequências na própria indústria que expandiu a sua capacidade de atuação contando com a alta demanda (conforme quadro), a interferência governamental pode atingir postos de trabalho, uma vez que a cadeia produtiva de biodiesel emprega mais de 1,5 milhão de pessoas. Desde os anos 2000, o Brasil vem passando por um processo de desindustrialização. O alto custo e a insegurança jurídica para se manter cadeias de produção longas no país vem desincentivando o setor, que vem minguando ano a ano. Porém, processos de produção longos empregam mais pessoas, e o biodiesel é um dos poucos produtos manufaturados bem-sucedidos no país. Decorrente principalmente da soja, ele é processado para se extrair o óleo de soja e o farelo que é vendido para ração de frango e porco.

“Agora estamos no final da colheita da safra de soja e as indústrias aproveitariam para fazer estoques. Como não sabemos o comportamento do governo, os estoques estão sendo priorizados para exportação. Para o segundo semestre, a tendência é que os derivados da soja ficarão mais caros por causa disso”, diz Erasmo Battistella, CEO do ECB Group e presidente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio).

Estima-se que a alteração da mistura vai reduzir, como efeito colateral, a oferta de farelo em 4 milhões de toneladas, gerando um aumento de custos para a produção de carnes de frango e de porco, que garantem uma fonte de proteína de baixo custo para toda a população brasileira já gravemente penalizada pela crise da COVID-19. Cerca de 80% do biodiesel consumido no Brasil é produzido a partir de óleo de soja puro e recuperado, cuja produção estimula a produção de farelo de soja, principal insumo da cadeia de rações – que, por sua vez, alimenta aves, peixes e suínos. O consequente impacto na inflação vai atingir a sociedade como um todo, inclusive os setores que hoje pretendem se beneficiar com a redução do combustível na bomba. Ou seja, a intervenção pode resultar num tiro pela culatra.

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Em nota, o Ministério de Minas e Energia informou que “o Governo trabalha pelo fortalecimento e consolidação do mercado brasileiro dos biocombustíveis, porém em um ambiente que permita a competitividade, buscando a garantia do abastecimento nacional e preservando o interesse do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta do produto”. O principal motivo da decisão é o alto preço do biodiesel no mercado internacional. “O biodiesel brasileiro tem no óleo de soja sua maior parcela de matéria-prima, com cerca de 71%”, e “o mercado mundial continua com forte demanda pela soja, principalmente em decorrência dos baixos estoques do produto nos EUA e a crescente demanda da China”.  “Espera-se, o quanto antes, a retomada da utilização do biodiesel nos teores estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com o aumento da produção e uso dos biocombustíveis no Brasil, de acordo com os objetivos da nossa Política Nacional (Lei 13.576/2017).”

INSEGURANÇA AOS INVESTIDORES

Desde a interferência do presidente Jair Bolsonaro nas estatais, passando pela demissão de Castello Branco da presidência da Petrobras à saída de André Brandão do Banco do Brasil, a insegurança política e jurídica vem assustando os investidores, e o Ibovespa perdeu o patamar acima dos 125 mil pontos. Neste cenário de menor valor dos ativos, diversas empresas postergaram seus IPOs, entre elas pertencentes ao agronegócio, como a AgroGalaxy e a 3tentos.

A redução do biodiesel no diesel é apenas mais um dos fatores que contribui com a aversão aos investimentos em empresas brasileiras. “Falta de previsibilidade e desregulamentação gera fuga de investimento. Sempre que o segmento de energia não passar segurança e tranquilidade, o investidor vai olhar com ressalva”, diz Donizete Tokarski, diretor superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).

Os incentivos pontuais para umas das bases eleitorais do presidente podem ter poucos efeitos, já que as principais condições para a alta dos preços não mudou. O real continua altamente desvalorizado em relação ao dólar e o risco fiscal do país, extremamente alto. “A iniciativa é um erro, porque a soja é uma commodity internacional cotada em Chicago, então o seu preço varia pelo dólar”, diz Vlamir Brandalizze, especialista em agronegócio da Brandalizze Consulting. “Ainda não sabemos as consequências: ou o Brasil vai ter mais óleo disponível no mercado ou vai exportar mais grãos. No fundo, o impacto é negativo porque, se tiver que exportar mais grão, ele arrecada menos no cenário global”, diz ele.

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Com a desconfiança já instalada, o Brasil será medido muito mais por suas ações do que pelo discurso — tanto no campo ambiental quanto no apreço ao liberalismo econômico — e, sendo assim, a mexida no biodiesel não é um bom começo. De acordo com o parecer da GO Associados, o “biocombustível reduz as emissões líquidas de dióxido de carbono em 78% em um ciclo de vida base”. A longo prazo, a alteração que baixou centavos no biodiesel pode ter um preço muito mais alto.

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