Caixa é alvo de cobiça do Centrão, que mira altos escalões do banco
Grupo parlamentar se movimenta para emplacar seus apaniguados políticos no principal instrumento para a aplicação de políticas públicas
Fundada em 1861 pelo Imperador Dom Pedro II, a Caixa Econômica Federal é um dos grandes patrimônios públicos brasileiros. Em seus 162 anos de história, o banco ajudou milhões de pessoas a comprar casa, pagar dívidas e, nas situações mais dramáticas, ter os recursos mínimos necessários para sair do mapa da fome. Certamente são raros os que nunca tiveram algum tipo de contato com a instituição. Dos sonhadores que jogam na loteria aos que buscam o seguro-desemprego, dos estudantes que participam do programa de financiamento estudantil Fies aos produtores que precisam de crédito rural, a Caixa esteve em algum momento presente na vida da maior parte da população. Seus números são superlativos. Ela é responsável por 70% do financiamento imobiliário e sua carteira de crédito é hoje de 1 trilhão de reais, a maior operação no país. Trata-se também do banco com o maior número de clientes e o que tem a maior penetração no território nacional – mantém operações bancárias em 5 564 dos 5 570 municípios brasileiros, algo certamente reservado a um clube restrito de empresas. Por razões como essas, é fácil entender por que, afinal, a Caixa costuma ser tão cobiçada pelos governantes de plantão.
Na dança das cadeiras promovida nas últimas semanas pelo presidente Lula em troca de apoio parlamentar, o banco virou objeto de desejo do Centrão, bloco liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A saída da atual comandante da Caixa, Maria Rita Serrano, começou a ser negociada em junho, mas apenas agora, no embalo da barulhenta reforma ministerial, tornou-se iminente. Há alguns dias, foi dada como certa a nomeação da ex-deputada e atual diretora de Administração e Finanças do Sebrae, Margarete Coelho, para liderar a Caixa, mas há outros nomes citados como postulantes ao cargo – é o caso de Gilberto Occhi, que ocupou a presidência da instituição no governo Michel Temer, e de Danielle Calazans, secretária de Planejamento do Rio Grande do Sul. Em maior ou menor grau, todos eles têm uma característica em comum: são aliados de Lira, o que mostra a importância do parlamentar hoje para o governo.
A despeito desse episódio em particular, a verdade é que os partidos, de qualquer inclinação ideológica, enxergam nas estatais brasileiras uma oportunidade de ouro para reforçar seu campo de influência, interferir nas principais políticas públicas – e, claro, fazer negócios. “Quanto mais aliados um político tem em posições de comando, mais fácil é atender os pedidos feitos por governadores e prefeitos a todo momento”, afirma Gabriel Jubran, analista político da consultoria Arko Advice. “Quem consegue levar recursos que podem ser revertidos em obras públicas, tem o nome associado às benfeitorias”. No final das contas, isso poderá significar mais votos.
Basta observar com atenção as movimentações feitas pela Caixa nos últimos meses para confirmar sua importância na distribuição de recursos públicos. Em julho, o banco liberou R$ 1,7 bilhão em financiamentos para o governo de Pernambuco, para a realização de obras de infraestrutura, urbanização e saneamento. Em agosto, a Itaipu Binacional, empresa que administra a usina hidrelétrica de Itaipu, recebeu 1 bilhão de reais para financiar projetos socioambientais. Também é a Caixa que paga os benefícios sociais, com impacto significativo na vida das pessoas sem outras fontes de renda. Atualmente, apenas o programa Bolsa Família vai distribuir cerca de 74 bilhões de reais a 21 milhões de famílias pobres ao longo deste ano.
No processo de fritura de Rita Serrano, a executiva foi acusada de ter “indisposição com o Parlamento”, nas palavras de um deputado próximo ao presidente da Câmara. “Desde que entrou no cargo, ela fez apenas reuniões com frentes sindicais”, diz o político. Procurada pela reportagem, a Caixa refuta a informação. Segundo o banco, até agosto de 2023 a alta administração fez 366 reuniões com governadores, prefeitos e parlamentares, o que representaria um avanço de 50% em relação ao mesmo período de 2022, quando o banco foi comandado por Pedro Guimarães e Daniella Marques. Serrano participou de 49 dessas audiências. Até o fechamento desta edição, Serrano permanecia no cargo. Fontes em Brasília dizem que o impasse sobre a sua saída se deve ao desejo do Centrão de indicar também nomes para as doze vice-presidências da Caixa, algo que já está sendo levado em consideração pelo presidente Lula. Não basta levar a Caixa, sem levar todo o imenso poder que ela pode representar.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859