Acordo de Bali pode afetar setor agrícola
Diretrizes de liberdade comercial podem trazer dificuldades para exportadores brasileiros, que concorrerão com importantes produtores agrícolas
Festejado pelo governo de Dilma Rousseff e pelo setor industrial, o Acordo de Bali trouxe ainda ao país a esperança de retomada da Rodada Doha, suspensa há mais de cinco anos, mas deixou um amargo resultado para o setor agrícola brasileiro. Isso porque permite que fortes importadores de alimentos, como a Índia e a China, desovem no mercado internacional parte de seus estoques produzidos por pequenos agricultores e com preços subsidiados. O Acordo de Bali prevê que todos os 159 membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) adotem as mesmas regras para derrubar barreiras burocráticas e facilitar as trocas de bens nos próximos anos.
A presidente Dilma afirmou, via Twitter, que os resultados de Bali são “amplamente positivos”. “(O acordo de) Bali determinou um programa de trabalho para a retomada das negociações dos temas da Rodada Doha de nosso interesse, como a agricultura. As saídas dos impasses globais estão em acordos multilaterais, onde todos têm voz, e não na imposição dos mais fortes sobre os mais fracos”, afirmou.
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O Acordo de Bali restringiu-se a poucos temas. Os menos controversos foram a facilitação do comércio e algumas questões agrícolas. O primeiro foi considerado adequado, mas o segundo gerou atritos internos na OMC.
De acordo com o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (MDIC), Daniel Godinho, o Brasil tem condições de adotar de forma imediata 80% do acordo de facilitação de comércio. “Isso demonstra o quanto já estamos avançados e trabalhando nessa direção.” O desenho do acordo, entretanto, partiu dos Estados Unidos. Esse era um dos temas que o governo brasileiro, durante a Rodada Doha, se mostrava avesso por significar a derrubada de travas às importações e consequente aumento da concorrência aos produtos nacionais.
A posição mudou com a eleição do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo como diretor-geral da OMC e, em especial, com a iniciativa do próprio governo Dilma Rousseff de construir um portal na internet – chamado de Janela Única – para processamento mais ágil e sem burocracia de pedidos de autorizações para embarques e desembarques de bens. Em vez de enviar a papelada a até 17 órgãos federais anuentes do comércio exterior, os operadores entrarão com um único pedido. Os entes federais tratarão de dar seus avais.
O portal deverá ser avaliado internamente pelo governo ainda neste mês. A Secretaria da Receita Federal planeja lançá-lo no primeiro semestre de 2014. O Fisco está desenvolvendo também um aplicativo para tablets e telefones celulares por meio dos quais os importadores e os exportadores poderão acompanhar todo o processo de venda e compra externa de mercadorias. Com o Acordo de Bali, o Brasil não terá de adotar unilateralmente essas e outras medidas de simplificação e de desburocratização do comércio exterior, que em boa medida funcionam como barreiras adicionais às importações.
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Lado bom – A despeito do risco que os produtos indianos e chineses possam trazer às exportações brasileiras de grãos, os exportadores brasileiros ganharão duplamente com o acordo: com a derrubada desses obstáculos em mercados potenciais e com a redução de custos para realizar suas vendas externas. “Passamos a ver esse acordo como algo bastante positivo para o Brasil”, reconheceu Godinho. “O ganho marginal será maior nos países em desenvolvimento”, completou, ao enfatizar ser esse o mercado de 58% das exportações brasileiras.
Segundo Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, mais de 100 dispositivos terão de ser adotados pelos membros da OMC para cumprir o acordo. Alguns já são aplicados pelo Brasil, mas outros favorecerão especialmente aos industriais brasileiros que dependem da compra de insumos no exterior. Entre eles, o fim de multas abusivas por atraso na retirada de carga nos portos e aeroportos e a redução de taxas no processo de importação. Colaboraram Laís Alegretti e Anna Carolina Papp.
(com Estadão Conteúdo)