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A redescoberta do prazer de ir às compras

Quarentena relaxada, lá foram os compradores fazer fila no afã de reviver o prazer do consumo e romper o marasmo da rotina levando algo novo para casa

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 26 jun 2020, 16h59 - Publicado em 26 jun 2020, 06h00

Pouca gente no mundo imaginava que passar três meses sem pisar em uma loja de roupas — pisar mesmo, com os dois pés — seria tão sofrido. Mas bastou a quarentena ser relaxada e as lojas reabrirem para que os clientes fizessem fila na calçada — movimento conhecido como revenge shopping, a compra de revanche, que nos últimos dias sacudiu tanto o comércio de rua, como comprovaram as britânicas Harrods, Nike e Primark, quanto os shopping centers americanos e, inclusive, os brasileiros. Não é sempre para encher as sacolas que as pessoas pacientemente aguardam sua vez. O grande prazer de voltar a circular entre prateleiras de produtos aciona engrenagens psicológicas que suavizam o sentimento generalizado de privação e dão um sabor de liberdade — justamente o que elas querem. “Muita gente busca no consumo um alívio imediato para a tristeza e a frustração pelo longo confinamento”, diz a psicóloga com especialização em economia Vera de Mello Ferreira.

O ato de ir às compras agora é revestido de ritos em prol da segurança, mas isso não espanta o ímpeto de entrar em lojas. Elas fecharam provadores, instalaram barreiras de acrílico nos caixas, impuseram um limite máximo de pessoas e o uso de máscara. Na seção de produtos de beleza, ninguém mais pode sentar para uma maquiagem-teste. As grandes lojas de departamentos têm marcação no chão e sentido de mão única nos corredores, para orientar o percurso das pessoas e manter a distância. Na hora de pagar, nada de dinheiro vivo — só cartão, esterilizado com álcool em gel. Compensam tantas restrições os descontos de até 60% para atrair a clientela, ressabiada com a economia no abismo e com o desemprego elevado.

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Nos primeiros dias de comércio aberto, deu-se uma corrida com reflexo nos números. Nos Estados Unidos, depois de semanas de portas fechadas, as vendas em maio cresceram 18% em relação a abril, mas houve saltos de 188% no vestuário (nada como um vestido novo para elevar o moral), de 88% nos artigos esportivos, de 40% nas revendedoras de carros e de 90% em mobília — uma subida encabeçada por famílias que não aguentam mais olhar para o mesmo sofá e por rearranjos domésticos para a instalação definitiva do home office. No Reino Unido, as vendas do varejo tiveram aumento de 12% em maio, na comparação com abril, depois de despencar espantosos 98% nos três meses de isolamento. “As pessoas precisam comprar e comprar com confiança”, disse o primeiro-ministro Boris Johnson, sobre o início da retomada.

ATÉ QUE ENFIM - Loja da Gucci em Houston, Texas: gosto de liberdade (Adrees Latif/Reuters)

O termo “compra de revanche” surgiu na China, na década de 80, para descrever a corrida aos produtos estrangeiros observada quando o país se abriu à economia de mercado, dando as mãos ao capitalismo — uma espécie de vingança após décadas de demanda reprimida. Nas filas em frente às lojas de agora, alia-se ao consumo em si a sensação de bem-estar de levar para casa uma novidade em meio à rotina repetitiva. “Bens materiais novos, como um jeans ou um celular, ganham o peso de uma conquista. É como se o comprador dissesse: eu venci a pandemia”, explica Cristina Pinto de Mello, professora de economia do consumo da ESPM. A brasileira Leila Redua, gestora de recursos humanos que mora em Weybridge, perto de Londres, com o marido e um filhinho de 1 ano, foi das primeiras a entrar na GAP na esquina de sua casa, ansiosa pelas promoções. Gastou 23 libras (cerca de 170 reais) em sete peças para o filho e, de quebra, parou na H&M para se abastecer de camisetas e bijuterias. “Foi uma alegria sair da loja com minhas compras. Estamos usando as mesmas roupas há tanto tempo em casa que não via a hora de ter algo diferente”, diz Leila, que, claro, compartilhou as novas aquisições em seu perfil no Instagram.

O comportamento do consumidor neste primeiro momento ajuda a contornar o prejuízo acumulado, mas ainda não resolve o derretimento da economia mundial por causa da pandemia. Nos Estados Unidos, por exemplo, as vendas no varejo estão 6% negativas em comparação com maio do ano passado. No Brasil, que parece viver o início de um período de estabilização nas mortes provocadas pela pandemia, os primeiros dias de quarentena relaxada em São Paulo e no Rio de Janeiro também registraram generosas filas nas portas dos shoppings e das lojas de rua. Mas até aqui a espera se deveu mais às restrições ao número de pessoas dentro dos estabelecimentos do que a uma clientela volumosa. Muita gente também tem dado um pulinho no comércio pela pura e instintiva satisfação de prolongar a estada fora de casa depois de tanto tempo de reclusão, mesmo que não necessariamente abra a carteira e se renda, sem medo de ser feliz, à gastança. “Nosso movimento atual é 60% do normal”, calcula Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, a associação dos shopping centers. A revanche para valer pode ainda não ter chegado por aqui, mas uma comprinha só de birra já entra na conta dos prazeres pós-fase aguda da pandemia.

Publicado em VEJA de 1 de julho de 2020, edição nº 2693

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