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A culpa da alta da gasolina é mesmo do ICMS e dos governadores?

Bolsonaro e o presidente da Petrobras tentam eximir o governo da responsabilidade pela alta; mas o vilão é o dólar, que subiu pela instabilidade política

Por Luisa Purchio, Carlos Valim Atualizado em 20 set 2021, 17h49 - Publicado em 18 set 2021, 16h40

Nesta semana, o presidente da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna, incorporou ao seu discurso que parte da responsabilidade para os proibitivos preços dos combustíveis no Brasil está com o ICMS cobrado pelos estados. Não por coincidência é este o discurso político do presidente Jair Bolsonaro e da sua defesa orquestrada nas redes sociais, como forma de se abstrair do problema e responsabilizar os governadores rivais. No primeiro trimestre do ano, o chefe de estado conduziu Silva e Luna ao cargo depois de se desentender com o seu antecessor na estatal, Roberto Castello Branco, por conta dos preços praticados pela Petrobras.

De fato, o ICMS, importante fonte de recursos para os estados, compõe uma parcela importante dos impostos para combustíveis, que incluem também os federais Cide, PIS/Pasep e Cofins, que são menos relevantes para as contas da União. No mês passado, Bolsonaro declarou: “se está  6 reais ou 7 reais o litro, o que é um absurdo, e o imposto federal na casa dos 70 centavos, vamos ver quem está sendo o vilão desta história”. Os três impostos federais têm valor fixo, enquanto o ICMS varia de estado para estado, incidindo entre 25% e 34% do preço, segundo a Fecombustíveis, a federação nacional do comércio de combustíveis e lubrificantes. Em média, o tributo estadual representa 66% da carga sobre a gasolina e 78% do álcool e diesel.

Mas a questão é que o ICMS é o que tem menor parcela de culpa para a alta do preço dos combustíveis, não tendo variado nos últimos anos. Um argumento muito lembrado pelos apoiadores do presidente é que o governador de São Paulo, João Doria Jr, acabou com isenções e benefícios de tarifas de ICMS de vários produtos no começo deste ano. A maioria deles tiveram alta de 1% a 4%. Mas a gasolina não estava na lista, que incluía o etanol, o diesel e a querosene de aviação. É fato que o etanol também é utilizado na composição da gasolina vendida, mas com uma pequena parcela de mistura e do impacto no custo.

Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Combustíveis (ANP), a divisão do preço final nos postos de gasolina se dá da seguinte forma: 27,9% de ICMS, 11,6% de impostos federais, 32,9% de lucro da estatal Petrobras, 15,9% do etanol que faz parte da mistura e 11,7% para os distribuidores e revendedores do combustível. No diesel, a relação é diferente, ficando com 15,9% do ICMS, 7% de impostos federais, 52,6% da Petrobras, 11,3% de biodiesel e 13,2% de distribuição e revenda.

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Então, se a culpa não são dos impostos — que, apesar de altos, não têm variado relevantemente — o principal fator que nos últimos meses vem fazendo com que o preço da gasolina e dos derivados de petróleo tenham disparado nos postos de gasolina sobra para a variação do dólar. É verdade que o petróleo também está em alta no mercado internacional, mas isso vem ocorrendo desde que o mundo começou a se recuperar da pandemia da COVID-19. Ou seja, não houve uma alta expressiva nos últimos meses. Hoje, o petróleo do tipo Brent é negociado na faixa dos 75 dólares. Nada próximo dos mais de 100 dólares registrados em 2014. O que de fato disparou de lá para cá foi a cotação do dólar frente à perda de força do real. Em 2014, ele valia em torno dos 3 reais e hoje ronda os 5,30 reais. Com isso, também o petróleo no Brasil, e por consequência a gasolina, mudou de patamar de preço por aqui.

“A culpa talvez não seja tanto do mercado de petróleo e mais do Paulo Guedes. Agora o fato é que se há uma soma da alta do câmbio com a alta do barril, o preço sobe e o negócio explode”, diz Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). A cotação do dólar, por sua vez, vem disparando com as incertezas políticas e fiscais que se acirraram nas últimas semanas e afugentaram os investidores do país. “O dólar fica mais caro e a bolsa está despencando porque o Bolsonaro no 7 de setembro fez o discurso que fez. Quando o dólar dispara, o combustível aumenta de preço. O que eu tenho receio é que se esse dólar continuar subindo e tivermos o preço do barril subindo em função da retomada da economia (o barril estava crescendo, mas parou com variante delta), que o Bolsonaro faça o que a Dilma Rousseff fez, segure o preço. Dessa forma, a Petrobras não pode aumentar o preço e ela acaba tomando prejuízo”, diz Pires. A estratégia de Dilma foi utilizar a Petrobras como forma de evitar repasses de custos de combustíveis, para controlar a inflação de toda a economia.

Para o especialista, discutir os tributos que incidem nos combustíveis é uma medida importante, mas ela deve ser feita de maneira aprofundada. “Faz sentido discutir o imposto do combustível, mas é uma discussão mais profunda do que a forma como o presidente coloca. Ele está politizando a questão, fala que está zerando o PIS Cofins e os estados não reduzem ICMS. O Estado tem nesse imposto uma das suas duas ou três principais fontes de arrecadação. Ele não pode de repente abrir mão de arrecadação de ICMS de diesel, botijão de gás e muito menos de gasolina. A discussão vale a pena, mas é mais profunda”, diz Pires.

Algumas mudanças poderiam ser feitas no sistema de cobrança do ICMS. “Discutir a cobrança de ICMS por litro em vez de alíquota faz sentido, cobrar na refinaria em vez de na bomba faz sentido”, diz ele. Além disso, Adriano coloca que certos setores da economia são demasiadamente isentados enquanto os combustíveis possuem muita incidência de impostos. “O combustível é um produto muito taxado e há outros produtos na economia com impostos muito baixos ou até zero. Vamos ver quais são os setores que pagam menos impostos ou têm isenção?”, questiona ele, que defende ainda uma maior fiscalização no pagamento destes tributos: “O setor de combustíveis tem um nível de sonegação muito alto. Que medidas podem ser tomadas para diminuí-la? Se diminuir a sonegação, o imposto é reduzido.”

Uma boa oportunidade seria discutir estas questões dentro do âmbito da reforma tributária. “Com certeza, ali que deve estar a discussão. Os EUA tributam mais pneu do que gasolina, lá 10% é imposto em um litro de gasolina, aqui é 40%. Já a Europa tributa mais que o Brasil por conta de uma tradição cada dia mais forte ligada ao meio ambiente, que visa tributar o combustível fóssil”, diz Pires. “Não é uma discussão fácil, mas precisa ser feita com coerência e seriedade, e não esse bate boca populista que não leva a lugar nenhum, cada um fala uma besteira maior que o outro.”

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Uma sugestão para amenizar o impacto à população dos combustíveis mais caros seria por meio de políticas públicas. “Criar vale gás, botijão, um fundo de estabilização para o diesel, são coisas assim e são estas as discussões que precisam ser feitas, para não cairmos na mesmice de sempre, de ir lá na refinaria da Petrobras, falar para ela deve subsidiar o diesel e o botijão, coisa que foi feita em outros governos e foi um desastre”, diz ele. Não adianta deixar a política levar aos mesmos erros do passado, que, apenas por reaparecerem no horizonte, já estão penalizando as ações da Petrobras na bolsa de valores.

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