A alfinetada e a ‘passada de pano’ do presidente do BC em Lula e Bolsonaro
Depois das rusgas públicas com o governo, Roberto Campos Neto gastou elogios ao presidente da República e ao atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad
Desde quando foi anunciado para a presidência do Banco Central, ainda em 2018, após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições daquele ano, o economista Roberto Campos Neto vivenciou mudanças extremas na estrutura da economia do país. Foi ele, por exemplo, que encabeçou a derrocada da taxa dos juros ao menor nível da série histórica; deu vazão ao sistema de pagamento instantâneo, o Pix; e esteve à frente do projeto que deu autonomia à autarquia monetária. Além disso, Campos Neto conviveu com um governo tido de extrema-direita, o de Bolsonaro, e agora é o presidente do Banco Central em um governo de esquerda, no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista ao programa Conversa com Bial, veiculada na última segunda-feira, 2, pela TV Globo, o economista surpreendeu ao declarar que o atual presidente da República é mais atencioso que seu predecessor.
“Eu só conversei com o Lula duas vezes. Uma vez no final do ano passado e outra mais recentemente. O Lula gasta mais tempo prestando atenção no que você fala e tem mais paciência para as conversas. [Já com] o Bolsonaro, era mais rápido. Quando eu tinha uma conversa com o Bolsonaro, sabia que ele tinha três minutos para falar alguma coisa. Depois desses três minutos, já ia ser mais difícil, porque ele ficava mais disperso”, afirmou Campos Neto, em tom titubeante.
A resposta surpreendeu, já que o presidente do Banco Central era quase que uma linha auxiliar de Bolsonaro e do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Frequentemente, os três eram vistos juntos. Indagado pelo jornalista Pedro Bial, fez questão de contemporizar. “O Bolsonaro me deu toda a liberdade sempre. Nunca ligou para reclamar de nada. Nunca interferiu em nada. Zero. A gente escuta muito que ele era um presidente autoritário, mas no que tangia ao meu trabalho eu sempre tive liberdade total”, ponderou. Campos Neto também disse, logo em seguida, que se arrependeu de ter ido votar no segundo turno das últimas eleições com a camisa da seleção brasileira, um artifício muito usado por apoiadores do ex-presidente (derrotado por Lula). “Hoje, eu não teria feito isso.”
O economista disse que tem aparado as arestas nas conversas com os representantes do atual governo. Campos Neto se reuniu com Lula em duas ocasiões até o momento. Na última, “mais ouviu do que falou”. “É importante a gente conversar. É importante ver o outro lado [do Executivo]”, afirmou, reforçando na sequência a importância da autonomia do Banco Central. “A economia tem um ciclo que é muito diferente do ciclo político. Quando o Banco Central toma uma decisão de subir ou cair os juros, o tempo que isso leva para fazer efeito é entre 12 e 18 meses. E às vezes você tem que tomar uma decisão que é ruim no curto prazo em termos de crescimento da economia, para você ter um crescimento mais sustentável e melhor ao longo prazo. E o ciclo político tem outra realidade. O que pode acontecer, quando você descasa, é que você sacrifica um pouco a inflação no curto prazo, para gerar um ganho, mas o custo de desinflacionar isso para a sociedade é muito grande no longo prazo. Por isso que a autonomia é tão importante.”
Ele ressaltou, ainda, que países que tentaram controlar a taxa de juros à revelia de suas autarquias monetárias sofreram com o avanço da desigualdade social, casos da Argentina e da Turquia. Nesse caso, ele elogiou a harmonia que tem com a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Eu acho que é um governo que, por construção, tem pessoas que pensam de forma diferente [da minha], mas estão tentando chegar em um lugar comum, que é melhorar a vida dos brasileiros. Obviamente, a gente não vai pensar igual em tudo, mas a gente está bem alinhado”, afirmou. “O tempo é o melhor remédio. Eu sei que o trabalho dele [Haddad] é difícil. Sei que cortar gastos é difícil, porque é muito fácil falar e muito difícil cortar. Agora, o país é como uma pessoa. Se você estiver endividado e não controlar seus gastos, todas as vezes que você for ao banco, o banco vai olhar o seu histórico de crédito e vai te cobrar mais caro [por um empréstimo]. E se você tiver muita dívida, em algum momento você vai ter que mudar a sua forma de fazer aquela mesma coisa para se adaptar até conseguir pagar a dívida e voltar ao seu padrão. E isso é uma coisa difícil. O governo tem mais dificuldade para se ajustar do que uma pessoa ou que uma empresa.”