Haddad sob pressão
Lula descarta déficit zero e equipe econômica terá de refazer contas para recuperar credibilidade
Foi a última pergunta de um café da manhã no qual 37 repórteres disputavam a atenção do presidente Lula da Silva no seu aniversário de 78 anos na sexta-feira, dia 28. Depois de 1h15 minutos de entrevista no salão nobre do segundo andar do Palácio do Planalto, a repórter Mariana Hollanda, da Folha de S. Paulo, juntou duas perguntas, uma sobre a possibilidade de o ministro Flávio Dino ser indicado para o Supremo Tribunal Federal e outra sobre o cumprimento da meta fiscal de déficit zero em 2024. Lula respondeu a primeira e já ia se despedir quando os jornalistas gritaram fora do microfone que faltavam uma questão. No início, Lula não entendeu. Ao seu lado, a primeira-dama Janja da Silva disse “é sobre a meta”. E daí Lula falou:
“Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que eu posso dizer é que ela não precisa ser zero. O país não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que eu tenho que começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse país”.
“Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”.
“Eu sei da disposição do Haddad, sei da vontade do Haddad, sei da minha disposição e quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero. Até porque eu não quero fazer corte de investimentos de obras. Se o Brasil tiver um déficit de 0,5%, o que que é? De 0,25%. o que é? Nada. Absolutamente nada”.
“Vamos tomar a decisão correta e vamos fazer aquilo que vai ser melhor para o Brasil”.
Não foi uma gafe. O presidente expressou um raciocínio com começo, meio e fim que derrubou em dois minutos os três meses de esforço do ministro Fernando Haddad em convencer o Congresso a aprovar as medidas de arrecadação que reduziriam o déficit do provável 1,2% deste ano para a metade disso no ano que vem. Como disse Lula, nem o mercado financeiro acreditava em um déficit zero, mas todos supunham que o governo se empenharia em aprovar o máximo possível de medidas para chegar perto da meta. Depois da declaração de Lula, o desafio ficou impossível.
Embora Lula já tivesse feito várias restrições ao déficit zero em conversas privadas, ele nunca havia feito queixas públicas. Antes do café com os jornalistas, ele havia se reunido com Haddad e não comentara que iria detonar a meta fiscal enviada pelo governo. Às 13h55, quando terminou o embargo combinado pela secretaria de comunicação para o início da divulgação das reportagens, Haddad estava no avião para São Paulo. Surpreendido, conversou com assessores e outros ministros, mas não deu declarações. À tarde, a bolsa de valores caiu 1,3%, os juros futuros subiram 1,6% e o mercado vai entrar na próxima semana na espiral pessimista.
Desde agosto, ministros como Rui Costa, Esther Dweck e Luiz Marinho, além de políticos como Gleisi Hoffmann e Jaques Wagner, argumentaram com o presidente que o projeto de déficit zero no orçamento iria asfixiar o governo e prejudicar os candidatos lulistas nas eleições de 2024. Por muito pouco o projeto enviado pelo governo ao Congresso em 30 de agosto já não saiu do Palácio do Planalto com uma meta de 0,8% de déficit. Rui Costa defendeu que este era o índice de déficit projetado pelo mercado financeiro e que não havia motivo para o governo ser “mais realista que o rei”. Haddad conseguiu impedir o presidente de dar razão aos outros ministros sob a promessa de que iria aprovar uma série de medidas no Congresso que sustentariam o seu projeto.
Como escrevi na semana passada, a sorte e o azar de Haddad estavam no fato de que a aprovação da agenda de mais impostos dependia apenas do apoio de Lula. Se o presidente cumprisse a promessa de entregar a Caixa a Arthur Lira, a Câmara aprovaria os projetos de impostos sobre fundos exclusivos e offshore (como de fato ocorreu na quarta-feira). Se o presidente bancasse a ideia do déficit zero, a ala política iria pressionar para que a meta constasse no orçamento. Lula não quis.
É curta a margem de manobra de Haddad. Ele terá de refazer seu discurso, remontar suas contas e assumir o desgaste que pode, no limite, acabar com a credibilidade do Arcabouço Fiscal e transformá-lo num ministro que não tem apoio do presidente, nem do Congresso, nem do mercado. Haddad já esteve neste lugar antes, em fevereiro quando havia uma articulação do PT para derrubá-lo, mas se recuperou. Agora, precisa ressuscitar de novo.
Num governo presidencialista como o brasileiro, ministros da Fazenda perdem quedas de braço. Antonio Palocci foi escanteado quando tentou fazer o déficit nominal zero em 2005, Joaquim Levy foi boicotado pelo time político quando tentou aprovar medidas de ajuste, Henrique Meirelles não conseguiu que o governo Temer apostasse suas fichas na reforma da previdência e Paulo Guedes foi atropelado pelas chicanas eleitorais de Bolsonaro. O tamanho do ministro da Fazenda não se mede, portanto, por suas eventuais derrotas. Perder a opinião do presidente faz parte do jogo. O que não pode acontecer é o ministro perder sempre.