Corra, Haddad, corra
Ministro da Fazenda tem oito semanas para convencer o Congresso a aprovar R$ 60 bilhões de novas taxas
O ministro Fernando Haddad tem oito semanas para convencer a Câmara e o Senado a aprovar seis projetos que podem aumentar a arrecadação do ano que vem em R$ 60 bilhões, uma reforma tributária que polariza os governadores e um novo orçamento que prometa um déficit zero que hoje só o próprio ministro acredita.
Isso num Congresso que não vota nada de relevante há meses, com a Câmara parada até Lula da Silva entregar os cargos na Caixa Econômica Federal, com o Senado mais preocupado em confrontar o Supremo Tribunal Federal e uma bancada ruralista furiosa como veto presidencial ao Marco Temporal. Pior: das oito semanas de trabalhos restantes até o fim do ano legislativo, duas devem ser perdidas para os feriados prolongados de Finados e Proclamação da República.
A corrida de Haddad começa amanhã, terça-feira, 24, quando depois de duas semanas de viagem à Índia e China, o presidente Arthur Lira coloca em votação os projetos de taxação sobre fundos offshore e exclusivos. Relatado pelo deputado Pedro Paulo, o texto reduziu a intenção inicial de Haddad de taxar os estoque dos fundos de 10% (ficou em 6%) e cortou a taxa sobre rendimentos de 22% para 15%. Por isso, a arrecadação que o governo previa chegar a R$ 20 bilhões não deve passar de R$ 13 bilhões. Apesar do relatório camarada, não há garantias de que os senadores aceitem a taxação dos fundos. Como se sabe, dois de cada três senadores investem em fundos exclusivos.
Taxar milionários com investimentos no Exterior é uma vitória política para um governo de esquerda, mas no curto prazo a votação mais importante para a agenda de Haddad é o projeto de impostos federais sobre subsídios de ICMS.
Para conseguir iniciar a taxação desses subsídios já em janeiro, o governo teve de enviar a proposta como uma medida provisória (caso fosse um projeto de lei haveria o prazo de 90 dias até o início da cobrança). Mas a medida provisória está parada porque a comissão que deveria reunir senadores e deputados para discutir a tramitação desse tipo de projeto não foi organizada por boicote da Câmara. Arthur Lira só aceita colocar a proposta em votação se ela for transformada em um projeto de lei com regime de urgência e seguir o trâmite via Câmara. Achou complicado? Pois piora. A proposta do governo inclui a taxação sobre uma modalidade tributária chamada “créditos presumidos” e não apenas sobre “créditos de custeio”, como Arthur Lira defende. Em português: se a questão legal for resolvida, o projeto será ceifado. Neste projeto específico, o mercado tem uma expectativa de arrecadação acima do governo e calcula que, mesmo sem o “crédito presumido”, o projeto pode arrecadar R$ 35 bilhões ao longo de 2024.
Outros dois projetos correm no Congresso: o da cobrança sobre apostas online (que pode render R$ 5 bilhões) e uma nova repatriação de recursos, que com otimismo poderia trazer novos R$ 5 bilhões. Tudo somado, são R$ 58 bilhões em receitas recorrentes que salvariam o arcabouço fiscal e apontariam para um déficit abaixo de 0,6%. Não cumpriria a meta do déficit zero, mas seria mesmo assim uma vitória maiúscula de Haddad.
Em condições normais já seria difícil aprovar todos esses projetos em tão pouco tempo, mas o campo de batalha de Haddad é um pântano. Depender da boa vontade de Arthur Lira é um jogo de mão dupla. Lira é o presidente da Câmara mais poderoso do século e por isso mesmo acredita não estar sendo tratado com a devida deferência pelo governo Lula. Deferência aqui é um eufemismo para “cargos”. Compare: os aliados do PT no Senado indicaram cinco ministros importantes (Agricultura, Minas e Energia, Transportes, Integração Regional e Cidades), enquanto a Câmara ficou com pastas menores (Comunicações, Pesca, Turismo, Esporte e Portos).
O Senado que até o primeiro semestre mantinha um cenário pró-Lula mudou, com a Comissão de Assuntos Econômicos se transformando num canal de pautas bombas como a incorporação federal dos servidores estaduais do Amapá, Roraima, Rondônia e Acre e a isenção de pagamento de previdência pelas prefeituras. Depois de receber uma pesquisa de que suas chances para governador em Minas Gerais dependem de afrontar o STF, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, trocou a racionalidade por um pacote de medidas populistas para interferir no Judiciário.
Nas próximas semanas, o Senado estará mais ocupado com a reforma tributária, que vai reavivar a disputa entre governadores do Sul e Sudeste de um lado contra Norte, Nordeste e Centro-Oeste do outro pelo controle dos fundos de compensação. Mais ricos e populosos, Sul e Sudeste querem uma divisão per capita. Com maior número de senadores, as outras regiões querem que o fundo reduza a desigualdade. Achar que os dois lados chegarão a uma conclusão em um mês é ter muita fé na humanidade.
A única coisa certa na reforma tributária é que o fundo de compensação federal para compensar os Estados de suas eventuais perdas com a reforma vai subir de R$ 40 bilhões para o dobro.
Como a reforma do Senado vai mudar o texto da Câmara, o projeto aprovado volta para análise dos deputados. É razoável a probabilidade de a reforma ser fatiada, com a parte da criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) promulgada em dezembro e a briga entre os governadores acabe ficando para o ano que vem.
Por último, mas não em último lugar, existe o orçamento de 2024. É essencial para Haddad que o orçamento projete um déficit zero para o ano que vem: não porque colocar esse número vá mudar o rumo dos acontecimentos, mas se o Congresso admitir de saída que haverá um déficit em 2024, fatalmente haverá uma piora nas expectativas econômicas. Hoje, com o governo jurando que vai buscar o déficit zero, o mercado trabalha com um rombo de 0,85% do PIB. Se o Congresso partir de um déficit de 0,5%, por exemplo, a projeção do mercado vai passar de 1% com efeito direto em um pânico nos juros futuros e no câmbio. O Brasil assistiu a esse filme em agosto de 2015, quando o governo Dilma Rousseff enviou um projeto de orçamento com déficit e transformou o impeachment em uma unanimidade na Faria Lima.
Com tão pouco tempo e tantas pendências, deve-se levar em consideração a hipótese de tanto a Lei de Diretrizes Orçamentárias quanto o orçamento de 2024 não serem votados neste ano.
A sorte de Haddad é que ele precisa de apenas um aliado para obter, ao menos, a aprovação dos projetos de arrecadação ainda neste ano, o presidente Lula da Silva. Sem Lula, o governo não aprova metade da agenda econômica. Com a intervenção direta de Lula nas votações no Congresso a agenda Haddad tem uma chance. A questão é quanto Lula estará disposto a negociar e ceder para aprovar a agenda de Haddad.