Conheça a cadeia brasileira do trigo
Brasil ainda depende das importações, mas potencial de crescimento no cultivo é enorme
O trigo, uma das culturas mais antigas e fundamentais da humanidade, tem suas origens traçadas há cerca de 10 mil anos na região do Crescente Fértil – assim como as primeiras culturas hortícolas – uma área que hoje corresponde ao Oriente Médio. No Brasil, o cultivo do cereal começou de forma modesta, com as primeiras lavouras introduzidas pelos colonizadores portugueses no século XVI, por volta de 1530. O cultivo de trigo no país só ganhou força com a adaptação no Sul do país, onde o clima mostrou-se favorável para variedades da época. Hoje, impulsionada por avanços tecnológicos e programas de pesquisa agrícola, a produção de trigo expandiu-se para outras regiões do país.
A cadeia do trigo gera uma grande variedade de produtos e subprodutos, destacando a farinha de trigo e os grãos inteiros ou moídos. Os subprodutos da cadeia incluem farelo de trigo, germe de trigo, amido e glúten. Na indústria de alimentos (1), o trigo é utilizado na produção de pães, massas, bolos, biscoitos e farinhas; na indústria de bebidas (2), como ingrediente para cervejas e destilados; na indústria de rações (3) para alimentação animal; indústria de cosméticos (4) como ingredientes para produção de cremes, shampoos e produtos para a pele; e na indústria química (5), onde o amido e o glúten são utilizados na fabricação de colas, papéis e bioplásticos.
Tradicionalmente, o trigo pode ser cultivado de duas maneiras: em sistema de “sequeiro” ou irrigado. O trigo sequeiro é cultivado dependendo apenas da água da chuva. Já o trigo irrigado conta com sistemas de irrigação, que fornecem água de forma controlada, manejo que pode proporcionar um aumento significativo na produtividade, embora exija investimentos maiores em infraestrutura e manejo.
A cadeia produtiva do trigo envolve diversos elos. O processo começa antes mesmo da produção agrícola, na indústria que fornece insumos como sementes, fertilizantes, máquinas, equipamentos e outros itens. Após o cultivo e colheita nas fazendas, o grão é transportado para moinhos, onde é processado e transformado em farinha e outros derivados, como farelo e germe de trigo. A farinha é enviada para as diferentes indústrias já apresentadas. A distribuição acontece por meio de redes de atacado e varejo, onde os diferentes produtos são ofertados ao consumidor final. No Brasil, o mercado interno exige trigo de alta qualidade para panificação, mas a produção local nem sempre atende a esse padrão. Quando o trigo nacional é de baixa qualidade, especialmente em anos de condições climáticas adversas, ele é exportado para países asiáticos, onde é usado como ração animal. Para suprir a demanda por trigo de melhor qualidade, o Brasil precisa importar o cereal.
Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a produção de trigo na safra 2022/23 foi de 8,1 milhões de toneladas, com produtividade de 2.331 quilos por hectare, em área plantada próxima de 3,5 milhões de hectares, gerando um valor anual de produção ao redor de R$ 10,5 bilhões. Nas últimas duas décadas, a produção interna cresceu quase 70%, com aumento de área de 30% e produtividade em 32%. A região Sul produz 84% do trigo brasileiro, sendo que o Paraná é o principal produtor com 3,6 milhões de toneladas colhidas (44,5%), seguido do Rio Grande do Sul (35,8%) e de Santa Catarina (3,5%). Segundo dados da PNAD-Contínua, a cadeia do trigo gera 350 mil empregos, com a agroindústria (moinhos) respondendo por 58% dos postos de trabalho, seguida pela agropecuária (33,9%), serviços (5,8%) e produção de insumos (2,3%).
Apesar do trigo brasileiro ainda não ter grande destaque no cenário internacional, uma grande conquista para a cultura é a aproximação da autossuficiência nas últimas safras, com os produtores brasileiros caminhando para suprir a demanda interna por meio de cultivares cada vez mais produtivos. Segundo a Conab, o consumo interno de trigo no Brasil é de 12,5 milhões de toneladas. A alta na oferta vem acompanhada do desenvolvimento de novas cultivares que estão sendo chamadas de “trigo tropical”, uma vez que estão aptas ao cultivo em áreas de clima quente, sem irrigação e com ciclos precoces; ideal para região do Brasil Central. Em função disso, o cultivo do cereal tem crescido nas fazendas do cerrado brasileiro e em novas áreas de fronteira agrícola, onde o potencial de aproveitamento de áreas na 2ª safra ainda é grande. Com isso, a cultura pode ser inserida nos sistemas de soja/milho/algodão, sendo uma nova opção para diversificação.
O trigo brasileiro está em constante evolução, impulsionado por tendências que visam a sustentabilidade e a otimização da produção. A pesquisa e desenvolvimento de novos cultivares com maior produtividade, resistência a doenças e adaptação a diferentes condições climáticas se mostram muito importantes para expandir a produção para outras regiões do Brasil e, assim, diminuir a dependência da região Sul, que sofreu com catástrofes climáticas em um passado recente. Além disso, a busca por tecnologias inovadoras, como a agricultura por m², contribui para a otimização do uso de recursos e o crescimento da produtividade. O futuro do trigo brasileiro se apresenta promissor e capaz de atender às demandas do mercado interno ou até mesmo de gerar renda para os cofres brasileiros por meio de exportações para o mercado internacional.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinícius Cambaúva e Rafael Rosalino.