O velhíssimo conteúdo local quase emplacou
Ressuscitar essa política teria sido prejudicial à economia
A exigência de conteúdo local nos investimentos da Petrobras, que tantos danos causou à eficiência, à produtividade e ao potencial de crescimento do país, voltou ao palco. Aproveitando um projeto de lei relacionado à indústria automotiva, tentou-se restabelecer essa equivocada política pública. O projeto foi enxertado para nele inserir um jabuti prevendo sua aplicação ao setor de petróleo e gás natural.
Segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a medida deterioraria o ambiente de negócios e poderia inviabilizar os próximos leilões. Até agora, felizmente, o país ganhou essa parada. O relator do projeto, o senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), suprimiu o jabuti em seu parecer. Esta semana, a Câmara decidiu ignorá-lo. Bateu na trave.
Mesmo assim, vale apontar os inconvenientes da política de conteúdo local mínimo, que foi ampliada nos governos do PT. O objetivo era fortalecer a indústria nacional, mas acabou acarretando custos mais altos para a Petrobras e outras empresas, e por isso foi reformulada no governo Temer.
Na época, o Tribunal de Contas (TCU) realçou sua complexidade, rigidez e desconexão com a realidade da indústria. A política, disse o TCU, “gera, efetivamente, custos adicionais relevantes ao setor de produção de petróleo e gás”.
As consequências negativas de reservas de mercado, como é o caso da política de conteúdo local mínimo, foram analisadas por Richard Baldwin no livro The Great Convergence (Harvard University Press, 2016). Para se contrapor a tal política, ele assinalou os benefícios da nova globalização iniciada nos anos 1990, que foi impulsionada pela revolução nos transportes (conteinerização), nas comunicações e na tecnologia de informação.
A tecnologia digital, a maior potência dos computadores, a robotização e a queda nos custos de comunicação habilitaram empresas multinacionais a gerir processos de produção mais distantes e complexos. A produção, fatiada em componentes, acontece em vários países, a custos mais baixos. Surgiu a rede global de suprimentos, que apesar dos abalos decorrentes da covid-19, continua a pleno vapor, ainda que venha experimentando uma reconfiguração. Os preços caíram e mais de um bilhão de pessoas saíram da pobreza nos mercados emergentes.
Baldwin identifica seis países que se beneficiaram da nova realidade: China, Coreia, Índia, Indonésia, Tailândia e Polônia. A característica comum dessas nações é a abertura ao comércio internacional. Nenhum latino-americano está na lista. O Brasil, fechado, “não tem efetivamente participado da nova internacionalização da produção”, diz ele.
A saída está, pois, em reformas para integrar o país à rede global de suprimento e não em reservas de mercado. Há que preparar o Brasil para o novo mundo e não sucumbir aos lobbies que insistem em restabelecer as regras de conteúdo local mínimo. É preciso abandonar de vez ideias que não deram certo.