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De olho nos tributos

Por Adolpho Bergamini
Dados e análises sobre os impostos e seu efeito na economia
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Regulamentação da reforma tributária: dez vezes mais atenção

A segurança jurídica deveria ser um princípio inegociável na formulação e na reforma da Constituição, mas não é o cenário que vem sendo desenhado

Por Adolpho Bergamini
Atualizado em 9 Maio 2024, 15h17 - Publicado em 1 Maio 2024, 15h27

No final de março de 2024, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), prometeu a um grupo de empresários que as propostas de regulamentação da Emenda Constitucional n. 132/2023, que nos trouxe a reforma tributária, seriam “10 vezes mais discutidas” do que o texto da própria reforma. A declaração gera calafrios e induz a indagações desconfortantes: é possível que mudanças tributárias de tamanha envergadura, que irão mexer no bolso e na vida dos brasileiros em muitos aspectos, tenham passado pelo Congresso sem análise satisfatória? É possível que tenham sido “10 vezes menos discutidas” do que deveriam? Perguntas como essas talvez não devam ser respondidas, as revoltas e indignações que viriam das explicações seriam mais danosas do que o silêncio.

Mas a declaração de Arthur Lira também é oportuna porque, em 24 de abril, o governo finalmente encaminhou suas propostas de regulamentação à Câmara dos Deputados, que já havia recebido outros 16 projetos apresentados por parlamentares. O Projeto de Lei Complementar (PLP) n. 68/2024, a proposta “oficial”, conta com 499 artigos e mais de 300 páginas. Dada sua magnitude, neste ensaio abordaremos apenas o tema das alíquotas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e as hipóteses de suas reduções. 

Quando o texto constitucional da reforma tributária ainda estava em debate, seus mentores cravaram que as alíquotas do IBS e da CBS somariam 25%. Logo após a notícia da aprovação da reforma, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que a carga poderia ser um pouco maior, por volta de 27,5%. Outros economistas foram consultados e, em suas avaliações, o novo gravame pode chegar a 33%. Agora, no último dia 24 de abril, quando entregava as propostas do governo na Câmara dos Deputados, Fernando Haddad sugeriu uma nova alíquota, que pode ser de 26,5%.

Não é possível saber se a declaração de Haddad é mais um palpite, ou se tem base em dados reais oriundos de estudos internos do ministério da Fazenda. Vamos ver.

De acordo com o projeto de regulamentação, os entes federados podem definir suas próprias alíquotas de CBS e IBS, mas serão fixadas alíquotas de referência. Sua apuração é um processo complexo, que passa por cálculos feitos pelo Tribunal de Contas da União e cujas premissas estarão em propostas do Ministério da Fazenda, em relação à CBS, e do Comitê Gestor, em relação ao IBS. Ao final, o Senado emitirá resolução com a divulgação dos percentuais de cada tributo.

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Em linhas gerais, o cálculo da CBS tomará como base as receitas de referência da União em anos anteriores e as estimativas sobre quais seriam as receitas com o Imposto Seletivo e com a própria CBS, caso fossem aplicadas as alíquotas dos regimes específicos nos anos-base passados, tais como operações com bens imóveis, combustíveis, serviços financeiros, entre outros. O IBS seguirá metodologia parecida, que também passa pela avaliação da receita de referência de anos anteriores e pela estimativa de quanto o imposto teria arrecado se fosse aplicável no mesmo período. Além disso, a proposta também dá pistas de outros elementos que integram o método dos cálculos, como o total de operações e importações tributadas pela alíquota padrão ou com reduções de 60% e 30%, o montante de créditos presumidos, devoluções do “cash back” e outros fatores que possam elevar ou reduzir as receitas de IBS e CBS.

Entretanto, há pontos que chamam a atenção.

O primeiro deles é a consideração do Imposto Seletivo na determinação da alíquota da CBS. Já escrevi nesta coluna que, no mundo, os “impostos sobre pecado” pretendem mudar comportamentos das pessoas mediante a imposição de maior tributação sobre certos bens considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. O PLP n. 29/2024, anterior ao projeto “oficial”, previu regras para que o imposto seletivo cumpra seu propósito, como metas e mecanismos de controle sobre a evolução ou diminuição do consumo dos bens nocivos. Mas no projeto do governo não há nada nesse sentido. E, ao incluir o Imposto Seletivo como uma das variáveis ao cálculo da CBS, o governo denuncia que o único propósito desse imposto é ser apenas mais um instrumento para levar recursos ao Erário. Afinal, se sua arrecadação diminuir, a alíquota da CBS vai aumentar, compensando a perda do Imposto Seletivo, sem que haja o menor escrutínio em torno da prevenção à saúde e ao meio ambiente.

O segundo diz respeito à forma inusitada de apuração das alíquotas de referência. Conforme dito, para a apuração das alíquotas de referência gerais da CBS e do IBS os cálculos consideram carga tributária específicas para determinados segmentos. Quer dizer que as alíquotas que sujeitarão a todos, indistintamente, partem de dados e calibrações de segmentos que têm suas próprias particularidades. O método é uma clara ofensa ao princípio da isonomia, porque a legislação tratará de forma igual aqueles que são desiguais – os contribuintes de regimes específicos e do regime geral, que exatamente por serem desiguais não são tributados da mesma forma. É uma matemática difícil que rompe as barreiras da lógica.

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Alterações tão bruscas na tributação sobre o consumo demandam regras de transição. De acordo com o projeto, as mudanças começam em 2027 para a CBS e em 2029 para o IBS, até ambos chegarem à sua vigência plena a partir de 2033. Nesse período, as cargas tributárias dos novos tributos não serão uniformes e passarão por revisões anuais.

Tudo isso leva à inafastável conclusão de que a definição das alíquotas dos novos tributos é tarefa árdua que ainda tem à frente um longo caminho. Provavelmente, as alíquotas não serão conhecidas no curto prazo. Essa sensação é reforçada pelo fato de que o cálculo da alíquota do IBS depende da criação do Comitê Gestor, sem o qual não é possível fixá-la. Até lá, ficaremos na incógnita.

A segurança jurídica deveria ser um princípio inegociável na formulação e na reforma da Constituição Federal, mas não é o cenário que vem sendo desenhado com as alterações em andamento. Mudanças radicais no sistema tributário nacional estão sendo tocadas sem que se saiba, antes, quanto custarão aos contribuintes. A nova carga tributária é incerta. Até 2033 ficaremos, ano a ano, na expectativa de saber o seu real peso. Nos próximos 10 anos, o empresário terá dificuldades em planejar seus negócios e programar seus investimentos; por outro lado, a população enfrentará agruras pela variação do preço de bens e serviços nesse período.

Voltando à declaração do ministro da Fazenda, tudo indica que a alíquota de 26,5% ainda é um palpite. Avisem ao Arthur Lira que está faltando atenção.

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