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Demolição elegante

‘Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira’, de Leandro Narloch, desmonta clichês sobre temas como a desigualdade. O autor gosta de uma boa provocação, mas sempre com base no exercício da razão

Por Joel Pinheiro da Fonseca
19 nov 2015, 20h40

O jornalista Leandro Narloch sente um evidente prazer em desmontar certezas queridas do senso comum, e não deixa por menos em seu novo Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira (Leya; 304 páginas; 39,90 reais). Em dezessete breves capítulos, busca ativamente a polêmica, atacando vacas sagradas do status quo brasileiro e apresentando, em seu lugar, teses provocativas: leis trabalhistas pioram a situação dos que mais precisam de emprego; o protecionismo é péssimo para a indústria nacional; a privatização ajuda o meio ambiente; o lucro é belo. São insights incomuns para demolir narrativas consolidadas sobre o Brasil.

Veja-se, por exemplo, o capítulo sobre desigualdade. A esquerda não cansa de repetir que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Titular do blog O Caçador de Mitos no site de VEJA, Narloch rejeita as platitudes usuais sobre as mazelas do capitalismo ou de nosso passado escravocrata e encontra causas muito mais explicativas e surpreendentemente triviais para o fenômeno. A primeira delas é que o Brasil une realidades regionais muito diferentes. Seria como se Dinamarca, Espanha, Portugal, Quênia e Tanzânia formassem uma única nação. Além disso, há um fator demográfico poderoso e pouco lembrado: por um longo período, os brasileiros pobres tiveram muito mais filhos do que os ricos, o que por si só levou a um aumento brutal da concentração de renda. Por fim, o governo brasileiro – seja por incompetência, seja por corrupção – é mestre em concentrar riqueza por vários meios, da política urbana aos subsídios do BNDES.

Os capítulos com maior potencial explosivo são sobre trabalho escravo e sobre as diferenças salariais entre sexos. Quanto ao primeiro tema, uma surpresa: quase não existe escravidão no Brasil. A nossa lei é que emprega uma definição alargada de trabalho escravo (mais abrangente que a da Organização Internacional do Trabalho), que acaba abarcando qualquer um que trabalhe turnos mais longos que o permitido ou que sofra “condições degradantes”, ao gosto do auditor do trabalho. Em alguns casos extremos, há “escravo” ganhando 5 000 reais por mês. Ao discutir as diferenças de remuneração entre os sexos, Narloch compra briga com o feminismo militante: não há, argumenta, evidência de sexismo generalizado nas contratações. As mulheres ganham menos porque trabalham em profissões diferentes, dedicam menos horas ao trabalho, têm em média menos experiência e não demonstram a mesma ambição na carreira que os homens.

Há, no livro, uma tentativa sincera de não encampar nenhum dos dois lados da virtual guerra que hoje consome o debate político nacional. Narloch não poupa críticas a governos tucanos e a economistas da atual oposição, mas é o governo do PT que desponta como particularmente pródigo em trapalhadas econômicas. O autor faz, sim, elogios efusivos ao Bolsa Família, mas demonstra que esse programa social tem pedigree neoliberal: vem de propostas de “dois economistas odiados pela esquerda”: o austríaco Friedrich von Hayek e o americano Milton Friedman. A um preço baixo, o Bolsa Família reverte um pouco da concentração de renda que o próprio Estado brasileiro intensifica em outras frentes.

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Sob o espírito iconoclasta do livro jaz uma boa dose de comedimento e bom-senso. Narloch não tem uma solução mágica para os problemas da sociedade, nem nega que eles existam. Tampouco se deixa contagiar pela histeria de certa direita. O leitor atento perceberá uma linha mestra por trás das diversas teses e provocações: o real responsável pelo progresso da vida humana no planeta não são filantropos, políticos e intelectuais, mas o mercado. Quando as pessoas buscam o lucro por meio de transações voluntárias, tendo de inovar, especializar-se e oferecer boas ofertas, todos saem ganhando do jogo. Esse processo resiste até mesmo às tentativas desastradas daqueles que buscam, em vão, contrapor-se a ele, controlá-lo e, por fim, usurpar seus louros. O iluminista escocês Adam Smith descobriu, já no século XVIII, que “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm por seus próprios interesses”. É estranho que, séculos mais tarde, ainda seja politicamente incorreto repetir isso.

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