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Terminal abandonado é exemplo do descaso no maior porto do Brasil

Local operado pela multinacional Vopak por 20 anos na área mais nobre do cais de Santos está inativo porque os órgãos gestores não querem fazer, por enquanto, uma nova licitação

Por Naiara Infante Bertão, de Santos
19 jan 2014, 08h34

O pacote de privatização dos portos brasileiros ainda não saiu do papel. O primeiro edital deveria ter sido publicado em 2013, mas foi adiado devido a falhas apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ele foi formulado com base na nova Lei dos Portos, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em junho do ano passado. Ainda que o pacote portuário seja considerado uma bagunça completa por grande parte dos especialistas do setor de infraestrutura, a presidente acertou ao sancionar a nova lei, que traz mais eficiência e dinamismo a esse ator vital do crescimento do país. Contudo, um terminal abandonado há um ano e meio e escondido na ilha de Barnabé, em Santos, é exemplo de como a burocracia e a incompetência que imperam no setor podem contaminar as novas privatizações.

Trata-se do antigo terminal da Vopak, uma multinacional holandesa de transporte de cargas químicas e petróleo. A empresa construiu o terminal em 1986 após vencer uma licitação cujo contrato previa a operação do terminal por uma década. Hoje, o local está às moscas. Mato cresce em todo o entorno e a ferrugem corrói os tanques onde cargas outrora eram armazenadas. O site de VEJA esteve no local para entender por que, num país onde filas quilométricas de caminhões se formam nos arredores do porto esperando pelo embarque, um terminal com infraestrutura, acessos rodoviários e ferroviários, manutenção e dragagem periódicas está ocioso e abandonado.

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Histórico – O terreno de pouco mais de 38 mil metros quadrados fica na margem esquerda do porto de Santos, próximo ao Guarujá – e é uma das áreas mais nobres do cais. Os terminais da ilha são predominantemente de granéis líquidos. A Vopak construiu toda a estrutura do terminal na década de 1980, quando ganhou o direito de explorá-lo. À época, a lei vigente ainda permitia que a empresa arrendatária de um terreno dentro do porto organizado tivesse o direito de pedir a renovação do contrato sempre que o mesmo atingisse o prazo final, que era 10 anos.

Com o vencimento do primeiro período, em 1996, uma nova Lei dos Portos (nº 8.630/93) já estava vigente. Mas, em vez de adaptar o contrato da companhia à nova legislação, que permitia a concessão por mais 25 anos, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) manteve o texto antigo, prorrogando por mais 10 anos. Em 2006, ano em que venceria a segunda permissão da Vopak, a Codesp se deu conta de que não sabia muito bem o que fazer com a área: se renovaria o contrato ou faria outra licitação já no âmbito da nova lei. A gestora estadual dos portos, então, prorrogou a operação da multinacional por mais três anos, para que tivesse o tempo necessário para preparar a nova licitação.

Burocracia – O prazo venceu e, novamente, não havia um edital no forno. A Codesp só conseguiu realizar o leilão da área em outubro de 2010. Na ocasião, o próprio consórcio cuja Vopak era sócia venceu o pleito ao oferecer um ágio de aproximadamente 52,7 milhões de reais ao órgão estadual. Mas, a segunda colocada, a Deicmar, que havia ofertado 16,1 milhões de reais, entrou com recurso administrativo solicitando a desclassificação da vencedora. A concorrente alegava que o consórcio vencedor não havia apresentado os documentos exigidos pelo edital. O caso foi levado ao Tribunal de Contas da União (TCU) que, em maio de 2011, determinou a anulação da concorrência devido a irregularidades no edital.

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A extinção do leilão foi feita oficialmente em outubro do mesmo ano. Enquanto isso, a Vopak continuou na área, em caráter de urgência, para impedir justamente que o terminal se deteriorasse, por ser um bem público. Feitas as devidas mudanças no edital, o novo processo de licitação só veio em maio de 2012 e a vencedora foi a paraense Cattalini, com uma proposta de 80,7 milhões de reais pela área de quase 39 mil metros quadrados. Em segundo lugar, ficou o Grupo Ultra, que já havia participado da primeira tentativa de leilão, com a proposta de 78 milhões de reais. A Vopak deu o terceiro maior lance – 39,8 milhões de reais – menor que o de 2010.

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Contudo, a segunda tentativa tampouco foi bem-sucedida porque, desta vez, o consórcio da Vopak entrou com pedido de impugnação da vencedora, apontando erros no projeto básico. A briga foi parar na Justiça e a vencedora, Cattalini, desistiu do terminal. Foi dada a possibilidade, então, para a segunda colocada, Grupo Ultra, levar a empreitada, mas não houve interesse por parte da empresa devido às complicações jurídicas que cercavam o terminal. Abriu-se, assim, o caminho para a Vopak, em terceiro lugar, assumir a área (que estava abandonada desde agosto de 2012). Para aceitar a volta da holandesa, a Codesp exigiu que a companhia pagasse o valor ofertado pela primeira colocada – mais que o dobro da oferta da Vopak. A empresa não aceitou – e a licitação, até hoje, está em aberto.

O terminal está desativado, mas poderia estar em funcionamento caso a Codesp tivesse imediatamente formulado um novo pleito. Contudo, fontes do setor afirmam que a nova lei dos portos, sancionada no ano passado, mas discutida desde 2012, deixou o Estado paralisado – e os investidores, ressabiados. Diante da aprovação de uma nova regulação, ninguém se mostrou disposto a assumir um investimento tão grande e correr o risco de ter seu contrato rompido ou modificado pouco tempo depois. “Não se sabia como a seriam feitas as novas licitações e nem se o governo iria querer adaptar os contratos”, afirmou um executivo do setor que preferiu ter seu nome mantido em sigilo.

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Investimentos – No pacote de portos, em que o governo prevê licitar 159 áreas, o terminal da Vopak tampouco consta na lista de privatizações. Como seu último pleito não foi oficialmente cancelado pela Codesp, um novo leilão não pode ser feito. Procurada pelo site de VEJA, a Codesp, juntamente com a Secretaria dos Portos, respondeu que enviou, no ano passado, à Brasília uma carta pedindo a extinção da licitação. Contudo, o ministro recém-empossado da SEP, Antônio Henrique da Silveira, resolveu priorizar as licitações das áreas que contemplam o primeiro lote de concessões dos portos sob a nova lei. O ministro disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que a previsão é que no final de fevereiro haja “alguma definição” sobre o assunto e o processo licitatório volte aos trilhos.

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Segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, o abandono do local por tanto tempo pode inutilizar todos os investimentos feitos ao longo das últimas décadas. “Locais como aquele, que movimentam químicos e estão recebendo diretamente a umidade e a salinidade do mar. precisam de manutenção semanal”, diz Marcos Vendramini, diretor de infraestrutura de transporte da consultoria AECom. Ele explica que o ideal seria manter, pelo menos, os tanques cheios de nitrogênio ou de água doce para evitar a corrosão excessiva.

Judicialização – O caso da Vopak apavora os investidores do setor – não por acreditarem que a empresa tenha sido injustiçada, mas pela lentidão que com que os órgãos gestores atuam para levar adiante os processos licitatórios e, sobretudo, as dificuldades em adaptar contratos antigos à nova legislação. A lei de 2013 prevê que as prorrogações automáticas de contratos de terminais sejam extintas, caso o governo assim o queira. “Nos contratos constam a opção de renovação e o governo não tem obrigação legal de acatá-la. Mas, há casos que podem ser questionados judicialmente, como os que envolvem investimentos físicos ainda não amortizados”, explicou o advogado Mauro Penteado, do escritório de advocacia Machado Meyer.

Fontes do setor afirmaram ao site de VEJA que algumas empresas já estão se preparando para recorrer judicialmente da decisão da presidente de relicitar algumas áreas. Em Santos, há quatro terminais cujos contratos já venceram, mas as empresas arrendatárias – Granel Química, Ficher S.A., Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e Pool do Corredor de Exportação – continuam operando. A Codesp informou ao site de VEJA que eles operam por meio de liminar de mandado de segurança contra a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Procurada, a Antaq não havia respondido até o fechamento da reportagem.

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