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Problemas na saúde agora também no setor privado

Omissão da ANS não ajuda a eliminar divergências entre planos de saúde, médicos e hospitais. Enquanto isso, quem sai prejudicado é o segurado

Por Beatriz Ferrari
12 jun 2011, 11h27

Os paulistas podem enfrentar no final deste mês uma paralisação por tempo indeterminado dos médicos que atendem à rede privada – que tem a maior parte de sua receita proveniente de pagamentos realizados por particulares e, principalmente, pelas operadoras de seguro saúde. Tudo dependerá de decisão a ser tomada em assembleia no dia 30. A greve, se confirmada, será apenas mais um episódio a revelar os problemas por que passa o segmento não apenas em São Paulo, mas em todo o país. Por onze anos seguidos, os planos de saúde lideram o ranking de reclamações do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Entidades médicas relatam que, nos últimos anos, ganhou força o fenômeno do ‘descredenciamento’ de médicos e hospitais. Cansados de protestar, profissionais e instituições gabaritadas recusam-se, em número crescente, a compor as redes das operadoras. Os valores dos planos, que não são baratos, continuarão a subir; enquanto a qualidade, que já deixa a desejar, pode piorar. Um elemento comum perpassa toda a discussão: a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o setor.

As causas deste problema podem ser agrupadas em dois grandes grupos. Um, de fundo estrutural, está ligado ao descompasso entre receitas e despesas nas operadoras de saúde. Em resumo, essas empresas são obrigadas a bancar custos crescentes e têm barrada sua intenção de promover reajustes dentro do que consideram adequado. Quem paga a conta são médicos, clínicas, hospitais e outros prestadores que não veem sua remuneração aumentar nem a ponto de repor perdas inflacionárias. Outra questão, mais conjuntural, refere-se ao explosivo crescimento da demanda por serviços de saúde. Como o setor cumpre uma triste lacuna deixada pelo Estado, que oferece péssimo atendimento à população, número cada vez maior de famílias busca a segurança do setor privado. Este, contudo, luta para atender o novo público. Enquanto investimentos não maturam, as pessoas têm de enfrentar filas, dificuldades para marcar consulta e hospitais lotados.

Hospitais, médicos, consumidores e planos de saúde não se entendem
Hospitais, médicos, consumidores e planos de saúde não se entendem (VEJA)

Inflação médica dispara – Os preços de bens e serviços de saúde crescem bem acima da inflação. Estimativas de especialistas apontam que a alta de preços no segmento é, em média, 2,5 vezes maior que na economia em geral. A tendência é inerente a um setor que passa por intensa inovação. A cada dia surgem novos procedimentos e medicamentos, que, a altura de sua eficiência e sofisticação, custam caro. Tanto que uma frase corrente entre os profissionais da área é que “em medicina, investimento em tecnologia não se traduz em custos menores”.

A elevada procura por tudo o que este setor oferece é fator adicional a alimentar sua inflação. É intuitivo imaginar que parte dos 30 milhões de brasileiros que ascendeu à classe média nos últimos oito anos conta hoje com um plano de saúde. O movimento é também consequência do avanço do emprego, que tende a impulsionar os planos coletivos e empresariais. Com isso, o número de beneficiários deu um salto de 72%, de 34,9 milhões em 2003 para 60,2 milhões em 2010, aponta a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 15 grupos empresariais de planos de saúde. Soma-se a essa demanda o fato de que a população idosa cresce com vigor – a faixa etária que mais cresceu na população brasileira nas últimas duas décadas foi a de 80 anos ou mais. Por fim, contribui para turbinar o consumo de bens e serviços médicos o fato de o Brasil viver uma fase de transição epidemiológica. O país registra doenças de terceiro mundo, como as infectoparasitárias, ao mesmo tempo em que tem número cada vez maior de problemas de saúde de nações desenvolvidas, como os cardiorrespiratórios.

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Despesas e mensalidades em alta – O fenômeno inflacionário do setor implica custos vultosos e crescentes para as operadoras. Não bastasse ter de lidar com esta tendência, a ANS tem exigido a ampliação da cobertura no intuito de não negar ao segurado os benefícios dos avanços da medicina. Em 2009, a agência acrescentou 73 procedimentos médicos ao rol de exames obrigatórios que os planos devem oferecer a seus clientes. Uma nova lista deverá sair em 2012. Com isso, as chamadas despesas assistenciais saltaram de 23 bilhões de reais em 2003 para 58 bilhões de reais no ano passado (147%).

A ANS, também visando proteger o beneficiário, não atende aos pedidos dos planos por reajustes das mensalidades acima da inflação oficial. Sua política é sempre permitir um índice próximo deste patamar. Neste ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu em maio alta de 6,55% em doze meses. Discute-se internamente um aumento de 6,6%. “A ANS sabe que não pode reajustar o preço em 2,5 vezes, já que o salário do consumidor não teve essa mesma correção”, explica Marcos Bosi Ferraz, especialista em economia da saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Pressão sobre os médicos – A boa intenção do órgão regulador acaba, no entanto, por gerar graves problemas estruturais. A autorização de aumentos relativamente baixos faz com que os planos, asfixiados por despesas que não param de subir, tentem segurar ao máximo os ajustes nos valores repassados aos prestadores de serviços. “O preço bruto pago por consulta pelos planos varia entre 25 e 45 reais. Se você extrai os custos para manter consultório, o valor final fica em torno de seis reais. Isso inviabiliza o atendimento. Os médicos estão procurando empregos na área privada ou pública – fugindo da responsabilidade e do risco de atender em consultório”, explica Jorge Carlos Machado Curi, presidente da Associação Paulista de Medicina. O impasse sobre a remuneração acaba por respingar nos consumidores. “Os baixos valores pagos aos profissionais fazem os médicos te atenderem em cinco minutos, com qualidade questionável”, alerta Juliana Ferreira, advogada do Idec.

Em abril, cerca de 128 mil médicos em todo o Brasil recusaram os atendimentos aos planos de saúde por um dia para protestar pelas condições de remuneração. Antes da paralisação, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou uma nota expondo suas queixas. “Em 2011, as 1.060 operadoras de planos de saúde devem faturar mais de 70 bilhões de reais. Nos últimos sete anos, as empresas tiveram um incremento de 129% em sua movimentação financeira, passando de 28 bilhões de reais para 64,2 bilhões de reais. No entanto, no mesmo período, o valor da consulta subiu apenas 44%”, dizia o comunicado.

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Hospitais viraram farmácias – Os hospitais registram queixas similares. Enquanto a receita proveniente de diárias e serviços hospitalares caiu de 32% do total em 2006 para 27% em 2010, a oriunda de vendas de medicamentos e insumos cresceu de 45% para 54% no período. “Como as operadoras estrangularam os honorários, diárias e taxas, os hospitais transformaram-se em grandes farmácias”, reclama Henrique Salvador, presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) – instituição que reúne os 43 maiores hospitais privados do Brasil.

A FenaSaúde – que as reúne os maiores grupos de seguro saúde e de medicina de grupo – argumenta que está negociando neste momento reajustes com a classe médica e os hospitais, e que está ampliando a rede credenciada. Enquanto isso, em São Paulo, o clima é de iminente greve por tempo indeterminado.

A expectativa do especialista Marcos Bosi Ferraz é que as operadoras aprendam a entregar mais serviços gastando menos. “Das duas, uma: ou o sistema fica mais eficiente ou piora a qualidade da assistência, direcionando a demanda para hospitais mais precários, limitando a quantidade de exames e remunerando mal os médicos”, pontua.

Não haverá apagão – Por fim, a demanda explosiva que recai sobre a rede de saúde privada faz com que problemas, como filas e longa espera, antes restritos aos hospitais públicos, hoje atormentem também os segurados. Para Carlos Alberto Suslik, professor do MBA Executivo em Gestão de Saúde do Hospital Israelita Albert Einsten e do Insper, felizmente não há risco de apagão no longo prazo. “Em cinco anos vamos ter que construir o mesmo número de leitos em hospitais privados que construímos em 50. O mercado está se adaptando”, afirma. No entanto, ele admite que essa transição significa uma temporária queda de qualidade. “A percepção do cliente de qualidade é vinculada a tempo de atendimento. É uma variável que interessa mais. E essa variável esta caindo”, completa.

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O papel da ANS – As deficiências do segmento acabam por jogar luz para a questionável atuação da ANS. Os analistas são unânimes afirmar que ela cumpre bem o papel de zelar pelos clientes dos planos de saúde. Contudo, sua atuação não pode se restringir a isso. Ao fechar os olhos a outros problema do setor, acaba por gerar – ou não oferecer solução – a problemas que afetarão, em última instância, o próprio segurado. A agência teria de, ao menos, ajudar os participantes desta indústria a encontrarem solução para seus problemas, em vez de só ficarem reclamando uns dos outros (veja quadro). “Acreditamos que a Agência Nacional de Saúde (ANS) não pode mais se eximir de regular todas as relações do setor. Ela tem de tomar para si o problema”, diz Juliana Ferreira, do Idec.

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