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No Maranhão, Petrobras deixa esqueleto de uma ‘quase’ Pasadena

Alvo da Operação Lava Jato, a Premium I deveria ser maior que Abreu e Lima, mas só trouxe gastos e transtornos sem sequer sair do papel

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 17 Maio 2015, 08h33

Dia 15 de janeiro de 2010. Num palanque montado na pequena cidade de Bacabeira, no Maranhão, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursava sobre a possibilidade de equiparar a economia do Nordeste à do Sudeste: “Por trás de um empreendimento desses, virão hotéis, restaurantes, estradas e uma série de coisas que nós ainda não conseguimos enxergar”. Lula referia-se à construção daquela que seria a maior refinaria do país e a quinta maior do mundo, a Premium I: cuja pedra fundamental era lançada naquele instante. Junto a ele estavam petistas e aliados de outrora: a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, o ministro de Minas e Energia Edison Lobão e o presidente da Petrobras Sergio Gabrielli.

No meio da plateia, a agricultora Maria José de Sousa, de 53 anos, assistia atenta à cerimônia. Era a primeira vez que via aquelas ilustres figuras no município de 16.000 habitantes, a 40 quilômetros de São Luís. De todos os discursos que ouviu, o que mais lhe chamou atenção foi o da governadora Roseana, que prometeu pagar uma bolsa de 500 reais e dar uma casa nova às famílias que moravam no terreno onde seria instalada a refinaria.

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Maria José estava feliz com a possibilidade de ser uma das beneficiárias. Para isso, precisaria abrir mão da área onde morava e entregá-la à Petrobras. Em troca, ganharia uma casa num conjunto habitacional com outras cerca de 200 pessoas cujas terras seriam desapropriadas. A expectativa de mudança ainda lhe causava um frio na barriga. “Todo mundo da comunidade foi para lá ver o Lula. Mas não conseguimos chegar muito perto porque tinha muita gente. A refinaria criou muita expectativa no nosso povo. Achávamos que nossa vida melhoraria muito, que haveria emprego para nossos filhos e netos”, afirmou.

Passados cinco anos do evento, Maria José e as demais famílias da cidade vivem precariamente. Não recebem em dia os benefícios prometidos pela então governadora, não possuem o emprego garantido por Lula e não podem continuar plantando, já que suas terras pertencem à estatal e se tornaram impróprias para o plantio, devido à terraplanagem da área. O cenário é de miséria total.

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Quase Pasadena – A Premium I foi idealizada pelo governo petista dentro da estratégia megalomaníaca de refinar petróleo no Brasil para transformar o país em exportador de óleo diesel. Abreu e Lima existe para provar que o plano deu errado. Prevista para custar 2 bilhões de dólares, a obra está inacabada, já drenou 18 bilhões de dólares do caixa da Petrobras e foi alvo de investidas corruptas dos ex-diretores da estatal, de acordo com as investigações da Operação Lava Jato. Analistas garantem que dificilmente a refinaria dará à empresa o retorno do que foi investido.

Depois da descoberta do pré-sal, o então presidente da República usou a política de refino para angariar apoio político em alguns Estados, sob o pretexto de trazer desenvolvimento regional – e o Maranhão se enquadra nesse xadrez. Mas, diante do choque de realidade com o qual a Petrobras se deparou nos últimos três anos, as empreitadas não só foram canceladas (além da Premium I, a Premium II, no Ceará, também saiu do radar), como a Petrobras recentemente anunciou mudanças em toda a sua estratégia: investirá prioritariamente em exploração de petróleo, não mais em refino. Levando em conta os altos custos de produção no Brasil e a queda do preço do barril do petróleo no mundo, a estatal deu-se conta de que o refino é um péssimo negócio para países cuja indústria não é competitiva, como o Brasil.

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Ao site de VEJA, um ex-conselheiro da estatal disse, sob condição de anonimato, que a refinaria maranhense já havia sido descartada em 2012. “Quando Graça assumiu, ela deixou bem claro que as refinarias só sairiam quando se provassem economicamente viáveis. A Premium não era, e ela sabia”, afirmou o conselheiro. A petroleira chinesa Sinopec se interessou pelo empreendimento, mas não conseguiu concordar com a Petrobras quanto à taxa de rentabilidade mínima. A chinesa pedia 12% e a Petrobras queria 8,7%. Em áudio obtido pelo jornal O Globo, Graça Foster comparou a Premium I ao fiasco de Pasadena. Foi justamente a taxa de retorno mínimo, chamada de Cláusula Marlim, que elevou em quase 800 milhões de dólares o rombo da refinaria americana no caixa da estatal. “Como a gente pode garantir a eles uma taxa de 12% ao ano? É a cláusula Marlim vezes dois”, disse, entre risos.

Lava Jato – Antes de ser cancelada, a Premium I passou por apenas uma obra: a terraplanagem da área, que custou 583 milhões de reais. Mas até uma atividade tão corriqueira no setor de infraestrutura foi, tudo indica, alvo de contravenção. O Tribunal de Contas da União apontou superfaturamento no contrato com empresas de tratores, além da falta de estudos de viabilidade técnica. O balanço da Petrobras de 2014 relata baixa contábil de 2 bilhões de reais com a refinaria.

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O serviço de terraplanagem também abriu um leque de possibilidades para os envolvidos na Operação Lava Jato. O Ministério Público Federal (MPF) detectou indícios de pagamento de propina a políticos para direcionar os contratos da Premium ao consórcio formado pelas empreiteiras Galvão Engenharia, Serveng e Fidens. A Premium I também aparece nos depoimentos de delação premiada do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e do doleiro Alberto Youssef. Eles relataram à PF que as construtoras pagaram propina de 1% sobre o valor do contrato para construção da refinaria aos deputados do PP, Luiz Fernando (MG) e José Otávio (RS).

Além das citações referentes às obras de terraplanagem, o ex-diretor afirma que tratou de propina para a campanha de Roseana Sarney ao governo do Maranhão em 2010 durante reuniões cujo tema central era a refinaria. O dinheiro – cerca de 2 milhões de reais – teria sido pedido pelo ex-ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Curiosamente, Alberto Youssef foi preso em São Luis, no Maranhão, tratando de negócios suspeitos.

Termo de colaboração de Paulo Roberto Costa
Termo de colaboração de Paulo Roberto Costa (VEJA)
Termo de colaboração de Paulo Roberto Costa
Termo de colaboração de Paulo Roberto Costa (VEJA)

Perdas incalculáveis – Com o anúncio da refinaria no Maranhão, cidades do entorno, como Bacabeira e Rosário, tiveram um boom populacional. Milhares de pessoas vieram de todos os cantos do Estado à procura de empregos e novos negócios, relatam os moradores locais. Restaurantes, hospedarias e hotéis foram construídos. “As duas cidades foram invadidas por uma avalanche de pessoas, que vinham na esperança de trabalhar. O mercado imobiliário inflacionou de uma hora para outra. Isso destruiu os dois municípios. Criou problemas para quem morava na região e para quem vinha de fora. Muitos desses, no fim, acabaram ficando e aumentou o desemprego, a prostituição e a criminalidade”, afirmou Edilson Badez das Neves, presidente da Federação das Indústrias do Maranhão (Fiema).

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Após firmar um convênio com a Petrobras, a entidade chegou a construir uma escola do Senai em Rosário para capacitar moradores. A instituição de ensino, que custou 14 milhões de reais, sendo que 8 milhões de reais vieram do BNDES, foi erguida com o objetivo de formar cerca de 3.000 trabalhadores para a área de construção civil, mecânica e óleo e gás. Sem a refinaria, a Fiema teve de reestruturar o local e passou a oferecer cursos de carpintaria e eletrônica para apenas 300 alunos.

O governo do Maranhão avaliou que as perdas foram “incalculáveis nos aspectos econômico, ambiental e social”. Uma comissão externa foi criada na Câmara dos Deputados para apurar os gastos que o Estado teve com o empreendimento e cobrar da estatal a devolução dos recursos. Oficialmente, o governo estadual informa que investiu mais de 50 milhões de reais na obra e que deixará de recolher mais 53 milhões de reais em incentivos fiscais. “Vamos cobrar judicialmente o ressarcimento porque a Petrobras anunciou, o governo foi lá, e nada foi feito. As pessoas se dispuseram a fazer investimentos. Populações foram desapropriadas. Isso nós não podemos aceitar”, afirmou a deputada Eliziane Gama (PPS-MA), presidente da comissão.

A Petrobras ofereceu a devolução do terreno ao governador Flavio Dino (PCdoB), que rechaçou a possibilidade, afirmando querer “uma refinaria pronta” – mesmo que com capacidade menor. Os moradores tampouco querem as terras de volta porque, devido ao excesso de cal depositado durante a terraplanagem, ela está imprópria para o plantio. Dino fez um apelo à presidente Dilma Rousseff para que ela intervisse no caso, mas não houve qualquer sinal da presidente de que o projeto prosseguirá. A Petrobras afirmou que não iria se pronunciar.

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