‘House of Cards’: por que o plano econômico de Frank Underwood é uma loucura
Na tentativa de reavivar a economia americana, personagem de Kevin Spacey sugere usar dinheiro público para criar empregos, numa espécie de reedição do New Deal
Alerta de spoiler. Caso não tenha visto a terceira temporada da série do Netflix, não leia o texto a seguir.
Nos primeiros episódios da terceira temporada da série House of Cards, exibidos no Netflix, o agora presidente dos Estados Unidos Frank Underwood, interpretado por Kevin Spacey, lança um plano mirabolante para levar o índice de desemprego a zero: limar os fundos de pensão dos aposentados do governo e realocar o dinheiro na criação de novos empregos em setores de mão de obra intensiva, como a construção civil. O nome da empreitada é America Works e, ao menos nos primeiros episódios, o ardiloso político usa muita articulação (e toma lá dá cá) para viabilizá-la. O objetivo de Underwood é criar 10 milhões de empregos em dezoito meses. (A título de curiosidade, essa foi a quantidade de vagas que a administração de Barack Obama criou em seis anos).
Underwood estima que sejam necessários 500 bilhões de dólares para que a taxa de desemprego recue a algo próximo de zero. Para isso, quer convencer o Congresso a cortar todos gastos com a previdência. Ele acredita que, ao usar esse dinheiro para turbinar o setor público e ampliar o crédito ao privado, seria possível estimular a criação de vagas em todos os segmentos do setor produtivo. Alguma semelhança com o New Deal – plano de retomada econômica desenhado por Franklin Roosevelt após o crash de 1929 – não é mera coincidência. O próprio presidente intitula o America Works como ‘o novo New Deal‘.
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Ocorre que a ideia se mostra inverossímil tanto no aspecto político quanto no econômico. Primeiro, os Estados Unidos da gestão Underwood estão longe daquele de Roosevelt, em que a quebra da Bolsa de Nova York levou o país a uma grande depressão que ainda figura no topo da lista de piores crises econômica do mundo moderno. As medidas drásticas de então faziam todo o sentido já que, como pareciam ser a única alternativa possível, podiam suscitar um sentimento de união política em torno do resgate do país da ruína.
Contudo, elas não parecem bem acomodadas nos tempos de hoje – mesmo que o enredo da série não reproduza necessariamente os acontecimentos mais recentes, ou seja, a retomada da economia americana. Como passar num Congresso de maioria republicana uma lei que coloca o Estado como provedor direto de postos de trabalho, por meio do uso de dinheiro público e, em muitos casos, criando empregos públicos? Se o preço é a eliminação do sistema de pensão, como convencer parlamentares que precisam se reeleger de que grande parte de seus eleitores, que contribuíram para o sistema previdenciário, ficarão a ver navios?
Num país onde democratas e republicanos defendem os mesmos preceitos de liberalismo econômico, ainda que em notas diferentes, aprovar tamanha atuação do Estado na economia tampouco soa real. Ronald Reagan seria o primeiro a se revirar no túmulo.
À exceção da retirada do sistema previdenciário, é possível dizer que a ideia de Underwood busca inspiração no desenvolvimentismo defendido pelo economista britânico John Maynard Keynes, que pregava a intervenção do Estado no mercado de trabalho em períodos de crise aguda – a chamada política anticíclica. Mas, da forma como é colocada – ou seja, no contexto de um país em recuperação -, a ideia do personagem tem mais similaridades com um discípulo de Keynes, Hyman Minsky, que ‘aprimorou’ a ideia do teórico britânico pregando, entre outras coisas, que o pleno emprego fosse estimulado pelo Estado também em períodos de bonança. Dilma Rousseff, aliás, é uma grande entusiasta de suas ideias.
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