Falta de parcerias prejudica pesquisa no setor automotivo
Engenharia brasileira já acumula méritos em desenvolvimento, mas pesquisa e registro de patentes em universidades ainda deixa a desejar
Para garantir o crescimento dos pólos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), as montadoras que atuam em países emergentes têm investido na qualificação de engenheiros nestas nações. No caso do Brasil, as montadoras que estão há mais tempo no país (GM, Ford, VW e Fiat) são as que mais investem em infraestrutura tecnológica e na formação de pessoal técnico. “Cada montadora, contudo, possui uma estratégia diferente e, por isso, o ritmo de criação de novos pólos de P&D ocorre de forma gradual, apesar de que este é um movimento que já se tornou tendência no setor automotivo global”, afirma Flávia Consoni, especialista em indústria automotiva e que desenvolveu um estudo sobre as estratégias de inovação tecnológica e políticas de atração de investimentos em P&D no setor nacional.
Uma característica bastante valorizada pelas matrizes das montadoras em relação ao Brasil tem sido a capacidade de algumas filiais apresentarem soluções de baixo custo que são incorporadas ao desenvolvimento de futuros veículos, o que é relevante quando se trata de atrair e realizar atividades de engenharia.
Aqui, os veículos Meriva (GM) e Fox (VW) se destacam como grandes exemplos de pesquisa e desenvolvimento promovidos pela engenharia automotiva nacional. Ambos projetos contaram com a responsabilidade técnica de profissionais brasileiros em todas as etapas do processo de criação. O resultado não apenas agradou o consumidor por aqui, como também conquistou os europeus, cujo nível de exigência é um dos mais altos do mundo.
Outro modelo que também chama a atenção é o Ford EcoSport. O veículo nasceu nas mãos do engenheiro aposentado Luc de Ferran, ex-vice-presidente da Ford, pai do piloto da Fórmula Indy Gil de Ferran e que idealizou para a montadora outros sucessos, tal como o Ford Corcel II e o Ford XR3.
Luc começou a rabiscar o EcoSport num guardanapo de restaurante em 1996. Quase 15 anos depois, o utilitário compacto esportivo feito em Camaçari é sucesso de vendas da montadora. O modelo foi o primeiro esportivo da companhia a utilizar um chassi monobloco compacto, projetado para oferecer comportamento equilibrado tanto no asfalto como na terra.
“O segredo do EcoSport está na boa engenharia nacional. Nós sabemos para quem projetamos. Um bom engenheiro deve conhecer profundamente o cliente, ir até sua casa para identificar o que ele realmente gosta. Em seguida, basta mesclar o profundo conhecimento acadêmico com o lado prático e pronto: temos um bom carro”, explica Luc.
Acesse o infográfico e veja grandes veículos brasileiros que conquistaram os consumidores:
Não apenas carros, o Brasil também possui dois triunfos em termos de tecnologia: são os motores a álcool e flex. O país se especializou no desenvolvimento e aperfeiçoamento desta tecnologia, já que possui condições de produzir e garantir o abastecimento do etanol.
Por serem mais viáveis que os elétricos, quase 100% da frota brasileira vem sendo produzida atualmente com motores flex fuel, que rodam com qualquer proporção de álcool e gasolina, garantindo ao consumidor menos gastos com combustível. Apesar das variações nos preços, o álcool em média chega a custar metade do valor da gasolina.
Incentivos – Mesmo com as conquistas da engenharia nacional nos últimos 40 anos, ainda falta por parte do governo e do meio acadêmico uma parceria maior com as montadoras, especialmente dos órgãos de fomento, que financiam pesquisas para criação de novos produtos. É o que garante o professor Ronaldo de Breyne Salvagni, coordenador do Centro de Engenharia Automotiva (CEA) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP).
“Esse é um nó que ainda temos na engenharia brasileira. Enquanto nos Estados Unidos, Japão e Europa há uma interação forte entre as matrizes das montadoras e as universidades locais, no Brasil isso não acontece. Nosso país ainda se restringe à produção de pesquisas acadêmicas, limitando-se em termos de avanços tecnológicos”, afirma Salvagni.
“No caso do motor flex, por exemplo, há necessidade de mais estudos e aperfeiçoamento para que o mesmo possa conquistar novos mercados, inclusive por conta da sua má eficiência frente aos motores elétricos. Se o Brasil não fizer estas melhorias, ninguém fará. O governo deveria ter um interesse maior em defender a tecnologia nacional.”
A professora Flávia Consoni também compartilha a mesma opinião: “O Brasil como um todo não está preparado para realizar pesquisas. Falta um investimento mais consistente em engenharia e conhecimento. O governo deve suprir esta lacuna, deixando de lado a adaptação de veículos e ampliando as pesquisas e projetos de criação de veículos totalmente desenhados e produzidos no país”.