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Agenda ampla fragiliza Rio+20, diz físico da USP

Para Paulo Artaxo, um dos maiores especialistas do clima no Brasil, a conferência da ONU corre o risco de não chegar a resultados concretos

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h35 - Publicado em 3 jun 2012, 18h19

“É até ingenuidade imaginar que um problema desta complexidade e magnitude possa ser resolvido em uma reunião de chefes de estado” – Paulo Artaxo, físico da USP

A conferência Rio+20 corre o risco de não chegar a lugar algum. Motivo: uma agenda muito ampla. Esta é a opinião de Paulo Artaxo, um dos maiores especialistas do clima do Brasil e membro do IPCC, o painel das Nações Unidas sobre mudanças climáticas.

Artaxo não acredita que a Rio+20 vai resolver os problemas ambientais do mundo, mesmo que haja um esforço nessa direção. “É até ingenuidade imaginar que um problema desta complexidade e magnitude possa ser resolvido em uma única reunião de chefes de estado”, diz. Para ele, a questão levará algumas décadas para ser equacionada, por mexer totalmente na maneira como todos os países usam os recursos naturais do planeta.

Em entrevista ao site de VEJA, o físico afirma que a ciência é um dos instrumentos fortes que os países têm para a construção de um futuro sólido. “Não somente o relatório do IPCC (sobre as mudanças climáticas) precisa receber mais destaques nas discussões, mas também o trabalho de milhares de cientistas em áreas diversas”, diz.

Especialista

Paulo Artaxo

Paulo Artaxo ()

O físico Paulo Artaxo é membro da equipe do IPCC, o painel de mudanças climáticas da ONU, que foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz de 2007, e de 7 outros painéis científicos internacionais.

É formado pela Universidade de São Paulo, com mestrado, doutorado e livre docência na mesma instituição. Trabalhou na NASA (Estados Unidos) e nas universidades de Antuérpia (Bélgica), Lund (Suécia) e Harvard (Estados Unidos). Atualmente é chefe do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP. Trabalha com física aplicada a problemas ambientais, principalmente mudanças climáticas globais, Amazônia, física de aerossóis atmosféricos e poluição urbana.

De que modo, na sua opinião, a Rio+20 poderá ter sucesso? A Rio+20 será um sucesso se conseguir abrir caminho para acordos internacionais concretos sobre o desenvolvimento sustentável e estabelecer metas concretas de redução das emissões de gases que aceleram o efeito estufa. Isso poderá ser feito com o aumento da eficiência energética, com um uso mais racional dos recursos naturais do planeta e uma distribuição de riqueza mais justa.

Qual a importância do tema ‘mudanças climáticas’ em uma conferência sobre o desenvolvimento sustentável, como a Rio+20? O desenvolvimento sustentável não é possível sem o enfrentamento das mudanças climáticas. A economia verde que a conferência busca – ou seja, o desenvolvimento sustentável apoiado nos pilares ambiental, social e econômico – envolve a estabilização do clima global. Temos que aprender a usar os recursos naturais do planeta de modo mais inteligente.

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Mesmo assim, o tema ‘mudança climática’ não receberá grande destaque na Rio+20. Isso será um problema? Acordos climáticos internacionais de reduções de emissões são discutidos no âmbito das COPs, as conferências da ONU específicas para o tema. Mas as COPs não lidam com as questões sociais e econômicas que a Rio+20 vai lidar. Por isso elas são complementares. A Rio+20 amplia a agenda ambiental, enfocando o desenvolvimento econômico.

O senhor acredita que os relatórios do IPCC (compilações periódicas que organizam as principais publicações científicas sobre as mudanças climáticas) deveriam receber maior destaque durante a Rio+20? Não somente o relatório do IPCC tem que ter mais destaque nas discussões, mas também o trabalho de milhares de cientistas em áreas diversas como a sustentabilidade urbana, a Amazônia, a perda da biodiversidade, saúde e muitos outros temas relevantes. Sem ciência sólida, não se pode construir um futuro sólido.

A Rio+20 acerta ao tratar de desenvolvimento sustentável a partir de três eixos (social, econômico e ambiental)? Hoje, esses pilares são indissociáveis. Entretanto, esta questão é uma das fragilidades da Rio+20: ao abarcar uma agenda tão ampla, corre-se o risco de não chegarmos a resultados concretos. Vejo a Rio+20 como um caminho que foi iniciado na Conferência de Estocolmo, em 1972, teve continuidade na Rio-92 e agora temos na Rio+20 mais um ponto desta trajetória de tornar o planeta sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Faz sentido falar sobre desenvolvimento social e econômico sem antes resolver os problemas que afetam o ambiente? A solução dos problemas ambientais globais certamente vai tomar algumas décadas para ser equacionada. Não podemos esperar que uma reunião ou mesmo 10 ou 30 reuniões possam resolver uma questão que mexe totalmente na maneira como todos os países usam os recursos naturais do planeta. É até ingenuidade imaginar que um problema desta complexidade e magnitude possa ser resolvido em uma reunião de chefes de estado. Nós vamos ter que resolver as questões ambientais, sociais e econômicas em paralelo, e esta é uma tarefa hercúlea, que se bem encaminhada pode levar ao tão sonhado “desenvolvimento sustentável” – que poucos sabem exatamente do que se trata – e como chegar lá.

Como a ciência deveria atuar na transição de uma economia que degrada o meio ambiente para uma que se baseia no desenvolvimento sustentável? A ciência é fundamental na estruturação deste novo caminho de desenvolvimento. Nos últimos 50 anos, a ciência deu grandes passos no entendimento de processos chaves que regulam o funcionamento de nosso planeta. Mas ainda temos muito a descobrir. A exploração predatória dos recursos naturais, que caracteriza o nosso modelo econômico atual, vai ter que ser substituída por um novo modelo econômico que respeite os limites de nosso planeta e os indivíduos que aqui habitam. Este modelo já está ultrapassado, e terá que ser substituído por uma economia que seja minimamente sustentável do ponto de vista social e ambiental.

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Qual é a sua expectativa para o desfecho da Rio+20? Espero que a conferência aponte um caminho em que as desigualdades sociais possam ser reduzidas e não tenhamos uma postura de destruição de nossos recursos naturais. Isso requer uma mudança radical no atual modelo econômico, baseado exatamente na concentração de riqueza e na exploração predatória de recursos naturais. Estas questões certamente não serão resolvidas na Rio+20, mas a conferência deve indicar um caminho a ser pavimentado. Não houve grandes progressos nos últimos 20 anos desde a Rio-92, mas não temos muito tempo a perder. A sociedade já está cobrando uma mudança de modelo socioeconômico em várias áreas. Precisamos agir já na direção da sustentabilidade de nosso planeta.

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