Vírus faz lagarta mudar de comportamento
Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, desvendam parte do mistério das lagartas-da-soja
Um tipo de baculovírus é usado por muitos agricultores porque, embora inofensivo ao homem, consegue matar muitas lagartas-da-soja rapidamente. Uma vez infectadas, elas tendem a se dirigir ao topo das plantas. Depois de cerca de uma semana, tornam-se flácidas e apodrecem – dispersando os vírus por outras plantas e sobre outras lagartas. Os mecanismos que regem esse processo, no entanto, permaneceram obscuros por muito tempo. Mas agora cientistas da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA, desvendaram parte do enigma: ao analisar lagartas de mariposas, também alvos de baculovírus, descobriram um gene envolvido na ‘mudança de comportamento’ da lagarta.
Saiba mais
BACULOVÍRUS
Vírus que infectam mais de 600 espécies de artrópodes e insetos – especialmente larvas de mariposas, vespas, mosquitos e camarões. Uma vez infectado, o hospedeiro ‘derrete’ e morre. Estes vírus são muito usados no controle de pragas na agricultura, porque não se replicam em mamíferos ou outros vertebrados.
Ao infectar a lagarta, o baculovírus libera seu material genético dentro do organismo. Um gene conhecido como egt passa a controlar alguns mecanismos biológicos do hospedeiro, fazendo com que um hormônio associado à muda se torne inativo. A muda é o processo pelo qual a lagarta vai trocando de ‘pele’ para finalmente formar o casulo – durante o qual ela deixa de se alimentar. Quando isso ocorre, a lagarta passa a apresentar um comportamento bizarro: ao invés de descer das árvores durante o dia, como normalmente faria para se proteger após se alimentar à noite, permanece ou se desloca até o topo.
A explicação para o comportamento poderia ser a fragilidade causada pela infecção. Mas a equipe garante que a questão não é essa. Em experiências com garrafas, lagartas foram infectadas com vírus portando ou não o gene egt. Ambos os casos levariam à morte. “A infecção viral com ou sem a presença do gene egt afeta o inseto similarmente, de forma que, conforme ele fica doente, se move menos”, explicou Kelli Hoover, responsável pelo trabalho, ao site de VEJA.
Os pesquisadores testaram seis diferentes cepas do vírus. Cada cepa infectou trinta lagartas. A experiência foi realizada de três a seis vezes, dependendo do vírus. “A diferença entre as lagartas infectadas por vírus com ou sem o gene é que, com o gene egt, as lagartas subiram para morrer, ao passo que na ausência do gene elas permaneceram na base do recipiente. Observamos a mesma coisa em experiências preliminares realizadas em árvores”, afirmou Kelli. “Isso é uma evidência definitiva de que o gene egt foi responsável pelo comportamento.”
Inteligência evolutiva – O vírus induz a mudança de comportamento do hospedeiro e se beneficia. Afinal, quando apodrece em fragmentos do topo de uma árvore ou planta, pedaços contaminados com vírus multiplicados no processo de infecção são liberados em uma área muito maior do que ocorreria caso o inseto estivesse no chão. O processo, longe de ser um plano elaborado pela ‘mente brilhante de um vírus’, pode ser um exemplo do que biólogos chamam de fenótipo estendido – a capacidade que um gene tem de influenciar o ambiente por meio da manipulação de comportamentos.
“Patógenos e parasitas podem ser ‘selecionados pela natureza’ para carregar um novo gene que confere a eles uma vantagem sobre outros da mesma espécie que não contêm o gene”, explicou a pesquisadora. “Esse gene pode nem agir sobre o sistema nervoso. Acho que isso ocorre porque o gene egt bloqueia a muda, e mantém o inseto em um estado de procura por alimento que o induz a permanecer e morrer no alto da planta.”
Como o baculovírus age
Ao penetrar na lagarta, o vírus libera material genético em suas células e passa a comandar alguns processos bioquímicos do organismo hospedeiro. O gene egt codifica uma enzima que deixa inativo o hormônio envolvido na transformação da lagarta para mariposa. Isso afeta o comportamento da lagarta, que tende a procurar abrigo no topo das árvores. Depois de morrer, apodrece e se fragmenta, soltando pedaços contaminados com o vírus para outras plantas e lagartas. Um novo ciclo viral se estabelece, garantindo a sobrevivência do patógeno ao longo de sucessivas gerações.